Na rua das Eirinhas, no Porto, 15 casas que pertenciam à Diocese foi alvo de permuta com uma empresa de construção. Os moradores estão "com uma ansiedade muito grande" e receiam ser despejados das habitações onde vivem há décadas.

A rua das Eirinhas, no Bonfim, é uma via pública sem saída na qual habitam 45 moradores que não sabem a direção que as suas vidas vai seguir. A passagem estreita alberga, num dos seus lados, 15 casas que foram doadas, nos anos 60, ao Seminário de Vilar, por uma portuense.

Na calçada, o JPN encontra Maria Amélia Soares, com 72 anos, a conversar com a vizinha, Ana Elisa Afonso, de 40. Tal como os outros residentes, as duas inquilinas foram avisadas que as habitações onde residem tinham sido permutadas pela Ecclesialis – Gestão Diocesana, empresa que administra os arrendamentos da Diocese do Porto, desde 2023. A história foi avançada pelo “Jornal de Notícias”.

A notícia chegou por meio de “duas cartas” entregues a 14 e 16 de janeiro, onde era notificada a permuta executada pela Ecclesialis – Gestão Diocesana com a empresa construtora, sediada na Póvoa de Varzim.

O que é uma permuta?

Permuta é a troca de bens ou serviços entre dois envolvidos sem envolver dinheiro. É um tipo de contrato em que ambos os envolvidos beneficiam ao trocar algo de valor equivalente.

“A diocese deu estas casas à empresa de construção civil [através] de uma permuta. É o que a gente sabe. Mais nada. Passámos agora a pagar o aluguer à empresa de construção civil. Mandaram-nos o IBAN da conta e está feito”, conta Maria Amélia Soares.

Ao seu lado, Ana Elisa Afonso explica que “a dúvida permaneceu” porque a informação nas cartas era insuficiente, o que suscitou dúvidas entre os residentes: “os inquilinos ficaram preocupados sem saber se iam sair, se não iam sair. Agora, o que se ouve falar é que nestas casas antigas eles vendem tudo para fazer construções novas e estão aqui muitas famílias. O medo foi um bocadinho por aí”, esclarece.

Ana Elisa Afonso vive na rua há 17 anos. Foto: Inês Saldanha/JPN

A incerteza paira sobre os moradores da rua das Eirinhas, que sem terem conhecimento sobre os planos da empresa construtora, receiam a possibilidade de despejo. A falta de comunicação alimenta a apreensão das famílias sobre a permanência no lugar que, para muitos, sempre foi o seu lar.

“Nasceu quase tudo aqui. Brincámos aqui todos. É uma família. Casámos uns com os outros”, diz Maria Amélia Soares, com um sorriso no rosto.

Durante a entrevista, a porta da casa ao lado abre-se, e Francelina Soares, de 71 anos, junta-se à conversa. Confirma as palavras de Maria Amélia Soares, quando revela que é sua cunhada.

Nasceu quase tudo aqui. Brincámos aqui todos. É uma família.

Maria Amélia Soares com a cunhada, Francelina Soares. Ambas vivem na rua das Eirinhas há mais de 30 anos. Foto: Inês Saldanha/JPN

Quando questionada pelo JPN sobre a permuta das habitações, a septuagenária admite que sente “medo” e que não dorme “de noite a pensar nisso”: “Estou com uma ansiedade muito grande. Sou uma pessoa muito doente e o meu marido faleceu. Vivo com o meu gato”, conta.

A reformada revela que a sua casa está deteriorada e que tem vindo, ao longo dos anos, a fazer reabilitações consoante as suas possibilidades. Francelina Soares continua a “pagar as obras”, um crédito que, caso seja despejada, terá de acabar de liquidar.

Com o passar do tempo, os moradores têm realizado melhorias nas casas onde habitam. Como Maria Amélia Soares salienta “o Seminário nunca pregou aqui [nas habitações] um prego”, algo que os inquilinos nunca contestaram também devido às baixas rendas praticadas.

Moradores contactam advogado

Na rua das Eirinhas, o desassossego levou 12 residentes a procurarem ajuda jurídica. O advogado, José Fernandes Martins, ex-consultor jurídico na Associação dos Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal (AICNP), foi “contactado por um grupo de pessoas que dizem representar 12 das famílias”, que habitam no conjunto de residências, para encontrar o “o documento que titulou a doação [que a portuense fez, na década de 60], para lhes dar a informação dos riscos que correm e das preocupações e segurança que podem ter”.

Após ter descoberto o “testamento”, o jurista tentou aceder ao ato notarial, contudo, “não conseguiu, porque o registo ainda não está concluído e não se consegue aceder aos documentos”, explica ao JPN José Fernandes Martins.

Deste modo, a informação é parca, “ou seja, nem se sabe sequer qual o bem que foi trocado derivado da permuta”, sublinha o representante dos moradores. Mediante a sua experiência, o advogado conjetura “que, normalmente, quando o empreiteiro compra por permuta, compra um prédio em troca de um bem futuro. É quase sempre assim, 99% das vezes que o empreiteiro compra por permuta”.

José Fernandes Martins garante que tentou contactar a Ecclesialis – Gestão Diocesana, mas sem sucesso: “contactámos a pedir se nos podiam facultar [informação], a dizer que representámos as pessoas que estão preocupadas, e a pessoa que atendeu disse que não nos facultava”, esclarece.

O JPN também contactou a Diocese do Porto, mas a instituição informou que “não vai pronunciar-se sobre o caso”.

Futuro incerto 

O receio do despejo ganha força pelo facto deste conjunto habitacional se situar no centro do Porto. Na visão do advogado, o espaço fica uma “zona nobre”, voltada para o Jardim Paulo Vallada, na Avenida Fernão de Magalhães, que “tem umas vistas fabulosas”. 

Contactada pelo JPN, a Câmara Municipal do Porto garante que “não existe qualquer processo urbanístico em tramitação” para aquela área.

A rua das Eirinhas fica voltada para o Jardim Paulo Vallada, na Avenida Fernão de Magalhães. Foto: Inês Saldanha/JPN

Contudo, José Fernandes Martins adverte que, em caso de despejo, os novos proprietários têm de realojar as famílias “em condições de habitabilidade dignas” e “eventualmente a renda pode passar para o chamado RABC, que é o Rendimento Anual Bruto Corrigido da família”.

Com uma população maioritariamente envelhecida, a preocupação passou a habitar na rua das Eirinhas, onde as casas guardam memórias de uma vida. Como gosta de sublinhar Maria Amélia Soares, aquela é a sua “maternidade”: “Nasci aqui. Antigamente não havia maternidade, era a nossa casa“. O sentimento de afeição é partilhado por Francelina Soares, que desabafa: “Estamos entregues a Deus, agora“.

Editado por Filipa Silva