Na semana em que arrancaram as provas-ensaio digitais nas escolas portuguesas, o JPN visitou uma escola em Vila Nova de Gaia para ouvir a opinião de alunos e professores. Associação de Diretores considera que as escolas estão melhor preparadas do que no ano passado. Sindicatos criticam provas. Pais veem "com bons olhos" a medida.
Tomás Botelho frequenta o 9.º ano na Escola Básica Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, e considera que as provas-ensaio são uma boa iniciativa que serve de preparação para as provas que ocorrem no final do ano letivo.
No entanto, o aluno contesta o modelo de avaliação final digital. Em entrevista ao JPN, o jovem revela que no ano anterior, quando realizou as antes designadas provas de aferição, saiu prejudicado: “Não consegui entrar na prova de aferição de português e só consegui entrar na de inglês a faltar 10 minutos [para terminar o tempo]. Não contava para a nota, mas mesmo assim é um momento de avaliação. Tive zero nas duas”, lamenta o estudante. Na sua perspetiva, as provas digitais deveriam ser aplicadas de um modo “mais formativo”.
Tomás é adepto do formato do”papel e caneta” Foto: Sofia Martins /JPN
Além disso, o estudante tece críticas à realização digital da prova da disciplina de português. “O exame de português tem no máximo cinco perguntas de escrita. Em português nós temos de desenvolver o nosso espírito crítico, a nossa escrita, temos de saber dar a nossa opinião e não escrever no computador”, reflete Tomás.
Apesar de reconhecer a importância de os jovens estarem à vontade com as novas tecnologias, o aluno pensa que é precoce realizar provas de avaliação digital no 4.º ano, uma vez que esta implementação “ainda está muito na fase de teste, há muitos problemas para resolver”.
Maria João Braga é entusiasta das provas-digitais. Foto: Sofia Martins / JPN
Experiência e opinião diferente tem Maria João Braga, do 6.º ano de escolaridade. Quando falou com o JPN, a aluna já tinha realizado a prova-ensaio de português e teve uma experiência bastante positiva.
“Acho que são mais fáceis, sinceramente, e mais divertidas”, revela a jovem. Além disso, destaca a prontidão dos professores em ajudar em algum eventual constrangimento. A estudante conta ao JPN que no dia da prova houve colegas que se esqueceram dos equipamentos (computadores e auscultadores de ouvido), mas que a escola garantiu computadores de reserva nas salas de aula.
Mafalda Torres teve alguns problemas no dia da prova-ensaio. Foto: Sofia Martins /JPN
A opinião de Maria João Braga é também partilhada pela colega Mafalda Torres, que frequenta a mesma turma. Para a estudante, estas provas-ensaio foram, de uma maneira geral, realizadas dentro da normalidade. “Achei que eram mais fáceis, porque nós com os manuais digitais já estamos habituados a mexer no computador”, explicou. Além disso, a jovem considera as provas “mais divertidas” e mais rápidas de realizar.
Adepta deste modelo de avaliação, relata ainda que, no dia da prova-ensaio de português, teve alguns constrangimentos com os exercícios auditivos. Segundo Mafalda, o som do computador, que deve ser ajustado no início da avaliação, não estava a funcionar e, por isso, não lhe foi possível ser resolvido esse grupo de exercícios.
Cristina Félix é professora e é defensora do sistema de ensino híbrido. Foto: Sofia Martins/JPN Sofia Martins / JPN
Cristina Félix é uma das professoras de português e cidadania da escola e revela que o modelo digital, “em teoria, é uma ideia boa, mas na prática funciona muito mal, porque primeiro a internet nem sempre nos apoia, os computadores nem sempre estão no melhor estado, depois há uns vírus, que é o CUCo.”
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Com o novo modelo de avaliação externa apresentado pelo Governo, as provas de aferição passaram a ser designadas por provas de Monitorização da Aprendizagem (ModA). Essa provas vão ser realizadas em formato digital no final do primeiro e do segundo ciclos do Ensino Básico (isto é, no 4.º e no 6.º anos). Os alunos vão fazer prova a português, matemática e a uma outra disciplina rotativa, que muda a cada três anos. Estas provas continuam a ser obrigatórias, mas não são consideradas na ponderação da avaliação final.
O 9.º ano continua a ter as provas finais, com uma ponderação de 30% na avaliação final de cada aluno nas disciplinas de português e de matemática, sendo a última realizada em formato híbrido.
A docente, que teve a oportunidade de supervisionar estas provas-ensaio na turma de português do 6.º ano, conta que uma das alunas não chegou a realizar as provas e adianta que os professores de TIC estiveram sempre presentes, visto que a escola não tem nenhum técnico de informática: “Ela [ a professora de TIC] ajudou um aluno e eu tento ajudar outro, porque há três ou quatro ao mesmo tempo a precisarem de apoio”, revela.
A par disso, a professora explica ao JPN que torna-se uma dificuldade acrescida a realização destas provas digitais para alunos que sofrem de problemas de atenção e de concentração, que “se dispersam facilmente”. A docente conta que os alunos no digital não têm a possibilidade que o papel oferece de poder sublinhar. “Não há nada que chegue a um texto em papel”, conclui a professora.
“As escolas estão mais bem preparadas”
Filinto Lima, que além de diretor da Escola Dr. Costa Matos, também é presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), disse ao JPN que considera ainda prematuro avaliar, com certezas, a eficácia destas provas-ensaio, uma vez que se prolongam até 28 de fevereiro.
No entanto, o presidente da ANDAEP avalia que, nos primeiros dias, esta implementação teve um balanço positivo, “dentro da normalidade” e defende que “as escolas estão mais bem preparadas em relação ao ano passado”. Para Filinto Lima, é muito importante oferecer as condições de trabalho necessárias aos alunos, para que estes possam ter um bom desempenho.
Filinto Lima faz um balanço positvo da semana de arranque das provas-ensaio Foto: Sofia Martins / JPN
Nesse sentido, o diretor acredita que algumas escolas vão ter a necessidade de ajustar as suas condições, tanto ao nível dos equipamentos que oferecem, como ao nível da eficácia da sua rede. Estas mudanças deverão decorrer até meados de maio, mês em que se iniciam as provas de monitorização das aprendizagens (ModA), anteriormente designadas por provas de aferição (ver caixa).
Nestas provas-ensaio digitais, o presidente da ANDAEP destaca uma figura muito importante na sua execução, o papel do técnico de informática para realizar a monitorização dos vários computadores. Por isso, Filinto Lima apela para que o Ministério da Educação tenha em conta esta preocupação.
Além disso, o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas questiona ainda a realização em formato digital das provas de monitorização das aprendizagens (ModA) para o 4.º ano do ensino básico. Segundo Filinto Lima, esta decisão merece um “amplo debate”, uma vez que os alunos “estão a aprender as primeiras letras, e a aperfeiçoar a sua caligrafia.”
Duas greves convocadas até ao final do mês
O arranque destas provas, na segunda-feira (10), foi também marcado por duas greves convocadas pela FENPROF (Federação Nacional dos Professores) e pelo S.TO.P (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação), as quais se estendem até ao final de fevereiro.
Em entrevista ao JPN, José Manuel Costa, dirigente do Sindicato dos Professores do Norte (SPN), um dos sindicatos da FENPROF, revela que a informação que lhe chega não é “propriamente animadora” apesar de considerar ser demasiado cedo para fazer um balanço. José Costa contesta o modelo de avaliação integralmente digital e aponta para situações de desigualdade ao nível de equipamentos e de acesso à internet nas escolas do país. Além disso, reforça que nem todos os alunos têm acesso ao kit digital.
O dirigente adiantou ainda que a convocatória da greve não é propriamente para ser expressiva, nem está preocupado com os níveis de adesão. Segundo o SPN, a greve serve como “um meio que permite aos docentes expressar a sua discordância, quer com as provas em si, o modo de realização, quer com a sobrecarga de trabalho que, em alguns casos, estas provas também representam”, explicou ao JPN.
Desta complexa geometria fazem ainda parte os pais e encarregados de educação. Mariana Carvalho, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), “vê com bons olhos” a realização das provas-ensaio digitais, desde que estas não criem entraves à avaliação dos estudantes e justifica que “os alunos têm que ir treinando, têm que conhecer as ferramentas e têm que se adaptar também ao digital.”
As provas-ensaio digitais decorrem até ao final do mês de fevereiro e podem ter uma ponderação na avaliação de cada aluno, decisão a ser tomada por cada estabelecimento de ensino.
Editado por Filipa Silva