Perante um cenário político dividido e com eleições antecipadas à porta, dois alemães contam ao JPN o que pensam sobre a queda do Governo, imigração, problemas nacionais e a provável ascensão da extrema-direita.
Protesto contra a extrema-direita a 8 de fevereiro juntou milhares de pessoas em Berlim. Christina Watkins / CCCreative Commons
A Alemanha passa por um momento complexo e de grande divergência entre os seus cidadãos. Devido às muitas mudanças políticas e sociais que ocorreram nos últimos anos, como a ascensão da extrema-direita e a crise imigratória, a população encontra-se dividida e um tanto ou quanto pessimista em relação ao futuro da maior potência da União Europeia.
Mayra Keil, de 21 anos, não ficou surpreendida com a queda do Governo de Olaf Scholz: “Ninguém ficou realmente surpreso. Víamos todos os dias nas notícias que o governo não estava a funcionar como um todo e que eles tiveram dificuldade em criar um orçamento em conjunto”, diz a assistente social alemã, ao JPN. Stephen Drehmann, de 38 anos, morador de Leipzig, na Saxónia, concorda em parte com ela: “Não esperava [o colapso]. Quer dizer, sabia que o governo não estava a funcionar muito bem. Os três partidos [da coligação que suportava o governo] não estavam a comunicar bem entre si e o FDP estava a bloquear sugestões dos outros partidos, mas achava que iam tentar levar essa situação até às eleições do outono”.
A Alemanha tinha eleições marcadas para setembro de 2025, mas o chumbo de uma moção de confiança apresentada por Olaf Scholz no Parlamento em dezembro acabou por levar à demissão do seu governo e à convocação de eleições antecipadas, marcadas para domingo, dia 23.
Mayra e Stephen encontram-se noutro ponto. Acham que a coligação “semáforo” liderada por Scholz não estava a dar certo pela divergência de interesses e de prioridades políticas dos partidos que a formavam – SPD, os Verdes e os Democratas-Livres (FDP). Enquanto os Verdes tentavam dar mais destaque a causas ambientais, os outros dois discordavam em relação a temas económicos, como a forma de cobrir o défice orçamental de 2025. Além disso, os partidos passaram a divergir sobre temas que, antes da coligação, eram consensuais.
Para as próximas eleições para chanceler, as sondagens apontam para o largo favoritismo de Friederich Merz (CDU), porém, ele é um candidato controverso e que não gera otimismo em toda a gente: “Não tenho uma boa opinião sobre Merz, porque ele tem algumas questões [que não me agradam]. Por exemplo, há alguns anos tentaram criminalizar a violação no casamento, mas ele foi contra”, diz a jovem assistente social.
O episódio que Mayra cita aconteceu em 1997. À época, surgiu um projeto de lei para criminalizar a violação conjugal, mas não só Merz como uma parte dos parlamentares do Bundestag foram contra. Na Alemanha, este crime sempre foi punível, mas era tipificado como coação e lesão corporal grave. Para Stephen, a questão é mais complexa do que parece: “Ele foi contra a mudança, mas não porque ele queria legalizar a violação. Mas sim porque discordava de como a lei tinha sido proposta. Ele não é simplesmente ‘pró-violação’. Mas sim, de facto, é um político muito conservador”.
Anos mais tarde, Merz declarou que votaria de maneira diferente se o projeto fosse apresentado atualmente. Além disso, o candidato também é contrário ao aborto. Em 2024, Scholz mostrou-se disposto a legalizar o aborto no país [que atualmente só não é punível se for autorizado por um médico e decorrer de violação ou gerar risco de morte da mãe] e Merz classificou a proposta como “escandalosa”.
Mas não são esses os temas centrais da campanha para estas eleições. A economia, há dois anos em recessão, e a imigração são os temas dominantes para eleitores e partidos. E este segundo ponto será mesmo aquele em que há divergências mais profundas entre os alemães.
Dos cerca de 83 milhões de habitantes da Alemanha, mais de 12 milhões são estrangeiros. A Alemanha precisou da imigração para se reconstruir da guerra e é, há várias décadas, um país popular de imigração. Mais recente foi o aumento do fluxo de refugiados, num dos países que se mostrou mais aberto à receção de quem procurou a Europa na recente crise migratória. Em 2023, havia aproximadamente 3,26 milhões de refugiados no país, de acordo com números oficiais do Governo, e a capacidade em receber mais pessoas para muitos esgotou-se.
Para Mayra, este é o principal desafio a ser enfrentado pelo próximo chanceler: “Este não é um tópico só para a Alemanha, mas sim para toda a União Europeia. Não é justo que um país receba todos os refugiados e outros recebam nenhum. Nós precisamos de um controlo, não deixando toda a gente entrar no país.”
A jovem considera mesmo que os apoios sociais na Alemanha deviam ser reduzidos: “Temos de reduzir o nosso sistema de segurança social, porque na Alemanha temos um amplo e bom apoio social. Se não quiseres trabalhar, podes ser sustentado. Mas tudo isso é muito caro. Uma vez ouvi que só se pode ter uma coisa: ou auxílio social ou fronteiras abertas. Se tiver os dois, o país quebra.”
Stephan, por outro lado, minimiza o problema da imigração. Para ele, o país integra bem os refugiados. O foco do novo governo, na opinião do profissional da área da comunicação, tem de estar em outros campos: “Temos de prevenir a mudança climática e investir em energia limpa. Além disso, temos de investir também em infraestruturas. A Alemanha sempre foi forte em vários setores, mas nos últimos anos temos perdido cada vez mais espaço para países que investem nisso, como a China. Temos de focar também na internet, pois há regiões do país onde a ligação ainda é muito má”.
A “ameaça” da AfD
Sobre a AfD, partido de extrema-direita, os dois são claros ao considerá-lo uma ameaça. Para Mayra, o partido liderado por Alice deve ser tratados como um risco real: “Nós ignoramos a AfD por muito tempo, mas não só isso, ignoramos também a questão da imigração. Ignoramos esses temas durante os últimos dez anos e agora temos grandes problemas com a imigração e cada vez mais pessoas estão a votar na AfD”.
Stephen é ainda mais enfático sobre o tema: “Eles recebem bastante apoio em pequenas cidades no leste do país. Mas onde eles elegeram presidentes de câmara, também criaram um clima de medo. Acho difícil eles serem um problema nos próximos anos, mas para o futuro, não sei. Já deixaram bem claro o quão radicais são, quão extremistas são, como eles olham para os imigrantes e para os estrangeiros. Eles são uma ameaça para a nossa democracia”.
O extremismo político também é um tema em alta na Alemanha. No último dia 8, mais de 200 mil pessoas saíram para as ruas de Munique para protestar contra a extrema-direita e a favor da democracia. Na semana anterior (2), outro protesto reuniu 160 mil pessoas em Berlim, de acordo com a polícia.
As eleições parlamentares na Alemanha ocorrem a 23 de fevereiro e, segundo as sondagens de intenção de votos, Friedrich Merz tem larga vantagem frente aos outros candidatos. Mas independentemente de quem vença, o novo chanceler vai assumir o comando de um país com grandes problemas a serem resolvidos e uma sociedade dividida.
Editado por Filipa Silva