A propósito das negociações entre Estados Unidos e Rússia, que deixaram Ucrânia de fora, o JPN questionou o especialista e comentador televisivo José Milhazes sobre o quadro político das conversações.

Conflito na Ucrânia dura há três anos. Foto: Joana Araújo

Na última terça-feira (18), altos representantes norte-americanos e russos reuniram-se em Riade, capital da Arábia Saudita, naquela que foi a primeira conversa oficial entre os dois países desde a invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022. O objetivo foi criar condições para restabelecer relações diplomáticasreavaliar as sanções impostas a Moscovo e iniciar as conversações para terminar a guerra na Ucrânia.

A reunião contou com a presença, do lado americano, do secretário de Estado Marco Rubio, do conselheiro de segurança nacional dos EUA, Mike Waltz, e do enviado especial dos EUA para o Médio Oriente, Steve Witkoff . Do lado russo, sentaram-se à mesa das negociações Serguei Lavrov, o ministro dos Negócios Estrangeiros , Yury Ushakov, conselheiro diplomático do Kremlin, e Kirill Dmitriev, chefe do fundo soberano russo que, segundo a BBC, se terá juntado mais tarde aos presentes na reunião.

Apesar da Ucrânia estar na agenda, Zelensky não foi chamado a participar na reunião. O líder ucraniano cancelou, inclusivamente, uma viagem que tinha programado à capital da Arábia Saudita para não gerar confusão. “Decisões sobre o fim da na Ucrânia não podem ser tomadas sem a Ucrânia, nem podem ser desse modo impostas quaisquer condições”, disse Zelensky na Turquia, onde esteve em visita oficial, aqui citado pelo “The New York Times”. “Não fomos convidados para esta reunião entre a Rússia e os EUA na Arábia Saudita. Foi uma surpresa para nós, e penso que para muitos outros.”

Também os países da União Europeia (UE) ficaram na “mesa das crianças”, de fora das negociações entre a Rússia e os EUA sobre o futuro da Ucrânia. A comparação foi feita pelo CEO da Rheinmetall, a maior produtora de armas da Alemanha que o “Financial Times” citou, após ter criticado o comportamento dos líderes europeus quanto à política de defesa.

Zelensky “vai ter que engolir sapos, crocodilos, elefantes”

Para José Milhazes, os Estados Unidos não estão a agir corretamente ao priorizar conversações com Putin em vez de Zelensky. O especialista atribui essa escolha à inclinação de Trump para “admirar ditadores e autocratas”, afirmando queele olha para Putin e até parece que se está a ver ao espelho”.

Das quatro horas de conversações resultou um acordo para criar uma equipa de negociação para o fim do conflito. “Foi uma conversa muito útil. Ouvimos uns e outros e compreendemos as posições de cada um”, afirmou Lavrov, ministro dos negócios estrangeiros da Rússia. Marco Rubio, secretário de estado dos EUA, acredita ser “o primeiro passo de uma longa e difícil jornada“. “Mas um passo importante”, reforçou.

Contrariando a política pró-Ucrânia de Joe Biden, Donald Trump reforçou a abordagem crítica à Ucrânia e à UE. Em declarações aos jornalistas na sua residência em Mar-a-Lago, o presidente norte-americano pareceu culpar a Ucrânia pela guerra e sugeriu que já “poderia ter feito um acordo”.

Trump questionou inclusivamente a legitimidade governativa de Zelensky, devido à ausência de eleições na Ucrânia, desde o início do conflito. Ainda assim, de acordo com os resultados de uma sondagem divulgada em dezembro, 52% dos ucranianos afirmaram confiar no presidente. O presidente norte-americano acusou Zelensky de ser um “ditador” e escreveu num post na rede social ‘Truth Social’ que, se Zelensky não agir rápido, “não terá mais um país”.

Em declarações aos jornalistas na sua residência em Mar-a-Lago, Donald Trump deixou uma mensagem para os ucranianos que se sentem traídos: “Ouvi dizer que estão chateados por não terem lugar à mesa, mas já tiveram um lugar por três anos e muito tempo antes disso. Isto poderia ter sido resolvido facilmente”. O líder norte-americano acrescentou ainda que “poderia ter sido feito um acordo para a Ucrânia. Isso ter-lhes-ia dado quase toda a terra, tudo, e ninguém teria morrido, nenhuma cidade teria sido destruída”.

José Milhazes comentou a situação atual do conflito Ucrânia-Rússia.

O presidente norte-americano sente-se “muito mais confiante” e acredita que a Rússia tem intenções de parar a “barbárie selvagem” e que o final deste conflito pode passar por ele. “Os Estados Unidos tentam agradar Putin, de uma forma bastante má, eu diria”, comentou José Milhazes. “Trump mistura o rebuçado para atrair Putin, mas, ao mesmo tempo, dá a entender que tem uma pastilha bastante indigesta para os russos, caso eles não aceitem o cessar-fogo e o Tratado de Paz”, acrescentou o antigo correspondente em Moscovo.

Lavrov reforçou que a Rússia não aceita forças de paz da NATO na Ucrânia como parte de um possível acordo – proposta discutida numa reunião de membros europeus da NATO em Paris -, pois representa uma “ameaça direta”. José Milhazes argumentou que Zelensky “vai ter que engolir sapos, crocodilos, elefantes, ou até se calhar girafas” ao enfrentar cedências territoriais à Rússia e a exclusão da Ucrânia da Aliança Atlântica.

José Milhazes acredita que estas conversações entre os Estados Unidos e a Rússia podem levar “a cedências que a Ucrânia não quer”. “Certamente que Trump vai utilizar todos os meios para obrigar a Ucrânia a assinar o cessar-fogo e o Tratado de Paz”, adiantou. O especialista tem, no entanto, esperança que a assinatura desses documentos “não seja um momento de humilhação da Ucrânia.”

Neste momento, o jornalista acredita que “a única coisa que a Ucrânia pode fazer é armar-se e ter umas forças armadas numerosas e fortes”, no sentido de prevenir uma nova invasão russa.

Os líderes europeus, em resposta à exclusão das conversações, convocaram sucessivas reuniões. Num dos encontros, em Paris, Macron sugeriu novamente o envio de tropas europeias para a Ucrânia, uma proposta que gerou desconforto entre os pares, nomeadamente por parte do chanceler alemão, Olaf Scholz.

Já Trump, posicionou-se a favor, mas acredita não precisar de mobilizar tropas americanas, porque os Estados Unidos estão “muito longe”. Sobre isto, José Milhazes acredita que a UE só vai ser chamada pelos norte-americanos “para aguentar o ónus da reconstrução”.

O comentador lançou uma questão relativa aos principais problemas que deverão surgir durante as conversações: “Quem é que vai separar os combatentes de um lado e do outro?”. Países neutros como o Brasil, a China e a Índia são as suas apostas para os novos apoiantes no conflito.

O especialista deixa uma última nota, revelando o seu receio de Putin “ser tentado a dominar outros países da Antiga União Soviética, outras repúblicas, nomeadamente o Báltico, a Moldávia” visto que o líder russo “já se considera vencedor”.

Editado por Filipa Silva