(Des)Influencers é o nome de um projeto que resulta da vontade de um grupo de estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto de sensibilizar jovens do ensino básico e secundário e encarregados de educação para o uso excessivo dos telemóveis e das redes sociais.
Em cerca de um ano, o grupo de jovens, acompanhado pela professora de francês Sara Tavares, já fez apresentações em sete escolas, no Conservatório de Música do Porto e até num campo de férias da RTP. Foto: D.R.
Os (Des)influencers começaram a fazer apresentações sobre o uso excessivo dos telemóveis para turmas do terceiro ciclo e secundário, em março do ano passado. Rapidamente perceberam que o comportamento também é comum entre os encarregados de educação e, por isso, já fazem apresentações direcionadas para este público.
Juntamente com a professora de Francês, Sara Tavares, o grupo de estudantes da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) luta pela redução do tempo em frente ao ecrã do telemóvel e alerta para os perigos associados ao uso das redes sociais. O projeto (Des)Influencers já passou, por sete escolas, pelo Conservatório de Música do Porto e até pelo campo de férias da RTP Porto. O projeto arrancou com um grupo de cinco estudantes e, um ano depois, já conta com mais de dez, mas ambiciona receber novos voluntários.
Nas aulas de francês da professora Sara Tavares o tema das redes sociais é abordado com frequência. No ano letivo passado, uma turma teve “uma iluminação ou qualquer coisa, [porque] aquilo que eu estava a dizer fazia sentido para eles. Esta foi a minha surpresa: perceber que sabiam do mal que o telemóvel estava a fazer, mas que, tal e qual como o vício real, como o tabaco ou droga, não conseguem deixar de o fazer”, explicou a docente. “Depois, todo o vocabulário que os estudantes usavam era um vocabulário de droga. ‘Não consigo parar’”, reforçou.
A professora incentivou os alunos a mobilizarem-se para combater este problema, indo a escolas básicas e secundárias “partilhar as preocupações que os estudantes universitários já sentem” e que por já terem “um bocadinho mais de maturidade, já percebem os efeitos que as redes sociais têm na vida deles”. Este desafio obrigou os estudantes universitários a refletirem sobre a própria utilização que faziam dos telemóveis e das redes sociais.
Foi com base no mote “mudar o mundo um baralho de UNO de cada vez” que os desinfluencers começaram a fazer a diferença nas escolas pelas quais passaram. A equipa pede aos alunos para verem quanto tempo passam diariamente a utilizar o telemóvel. Descoberta a pessoa que passa mais horas diante do ecrã, é-lhe oferecido um baralho de cartas do jogo UNO, numa tentativa de incentivar a substituir o tempo de ecrã por momentos de convívio e que fomentam a qualidade de vida.
Nas apresentações, os estudantes e a professora tentam explicar, por exemplo, como funciona o algoritmo – que vicia os utilizadores de uma plataforma digital, através do conteúdo personalizado que mostra, enquanto recolhe os seus dados pessoais. “Não são só gatinhos a fazer cenas engraçadas. Eles têm de perceber este perigo”, defendeu Sara Tavares. Perigo este que os universitários exploram ao longo de cada sessão, através de temáticas como as fake news, o cyberbullying e a dismorfia (associada à comparação com os corpos dos influenciadores digitais), entre outros.
Imitação do comportamento dos encarregados de educação
Foi logo durante as primeiras sessões realizadas que os desinfluencers se aperceberam de que o vício do telemóvel não está só nas crianças e jovens, mas também nos seus encarregados de educação. “Nós percebemos que muitos pais nem sequer tinham controlo parental sobre eles [os filhos] e depois também percebemos, pelas nossas próprias experiências, que os pais também passam imenso tempo no telemóvel e não ensinam os filhos a brincar”, disse Andreia Mourão, estudante do terceiro ano de Línguas e Relações Internacionais. Foi assim que surgiu a ideia para fazer as apresentações para os encarregados de educação.
Sara Pereira, estudante do terceiro ano de Línguas e Relações Internacionais, explicou que o vocabulário usado pelos universitários é típico dos conteúdos que consomem e bastante comum àquele que os alunos do ensino básico e secundário utilizam. Os encarregados de educação não usam, e, portanto, não entendem esse vocabulário, porque o que lhes “aparece” nas redes sociais também é diferente. “Nas apresentações aos pais nós fazemos um bocado essa ponte de tentar fazer os pais verem qual é o mundo online em que os filhos deles vivem. Mas depois também dar-lhes um bocado a mão”, acrescentou a desinfluencer.
As apresentações aos pais funcionam quase como uma “terapia de choque”. Na visão de Sara Tavares, que, nestas sessões, participa “um bocadinho mais como adulta e como mãe”, “há muitos discursos hoje sobre o uso excessivo do telemóvel”, mas que ficam num “nível muito superficial”. A professora realçou que os pais “têm de perceber que isto é muito grave”. Carolina Carvalho, desinfluencer do terceiro ano do curso de Línguas, Literaturas e Culturas, recordou que nalgumas sessões ouviu estudantes que, em vez de “quererem passar menos tempo ao telemóvel, queriam dormir menos ou saltar refeições”.
Ainda que o maior desafio seja chegar aos encarregados de educação que não vão às apresentações, os “desinfluenciadores” acreditam que estão, pelo menos, a contribuir para uma mudança positiva nos hábitos dos que estão presentes. “Acho engraçado, de certa forma, que eles [os pais] precisam de uma validação – alguns dos pais, quando saíram da apresentação, disseram ‘Obrigada, eu sabia que tinha razão. Isto é uma luta, porque eu todos os dias luto ou quero pôr o controlo parental, mas os meus filhos choram porque são os únicos a ter e porque não é justo’”, relatou a professora. Sara Tavares defendeu também que “quando toda a sociedade diz o contrário ou quando ninguém se está a preocupar muito com isto, é muito difícil, como pai, estar a impor isto”.
Por outro lado, há encarregados de educação que não entendem que o perigo de deixar uma criança utilizar livremente um telemóvel é comparável ao perigo de deixar uma criança “em frente a uma televisão com todos os canais abertos, mesmo aqueles que têm de se pagar para ter – o que os pais nunca fariam. Esquecem-se que no telemóvel é muito fácil ter acesso a pornografia, a violência extrema, a modos de vida completamente irrealistas e não saudáveis”, alertou Sara Tavares.
Há, por outro lado, encarregados de educação que sentem a necessidade de ter sempre acesso à localização dos filhos. Sobre isto a professora alertou para o facto de que qualquer outra pessoa também pode ter acesso à localização das crianças e relembrou que há telemóveis fixos, inclusive nas escolas. “Ok, mas como é que eu faço isso agora?”, contestam alguns encarregados de educação nas apresentações.
Além das recomendações de aplicações de controlo parental ou hábitos e regras que devem ser adotados feitas pelos desinfluencers, Sara Tavares costuma responder aos encarregados de educação que, para ligar às crianças sempre que se deseje, basta um telemóvel de teclas. É “como se antes de haver telemóvel, se acontecesse alguma coisa na escola, a criança fosse morrer e só no dia do funeral é que os pais descobriam. Isto é completamente ridículo. Acho que perdemos a noção de que a vida é possível também sem smartphone“, refletiu.
Para Andreia Mourão, “os pais têm de ser pais e a escola não pode fazer tudo”. Ainda assim, projetos como o (Des)influencers ajudam a sensibilizar para o facto de o smartphone não ser o prolongamento da mão, que não é uma coisa que faz parte de uma pessoa e com a qual tem de andar sempre, ilustrou a estudante. Sara Tavares exemplificou com analogias: “um pai que dá um relógio ao filho, primeiro tem de o ensinar a ler as horas. Nenhum pai daria um carro a um filho que primeiro não foi aprender a conduzir”.
A proibição dos telemóveis nas escolas é vista pelos participantes do projeto como o último recurso, mas, ao mesmo tempo, um incentivo para os pais refletirem sobre o tema. Os (Des)influencers posicionam-se a favor da medida. Em contrapartida, há crianças que olham para a proibição como um castigo e acabam por encarar as apresentações do projeto como uma justificação desse castigo. As sessões para os encarregados de educação assumem, portanto, um papel complementar às das crianças e jovens.
Um ano a “desinfluenciar” e o futuro do projeto
A professora de francês salienta que “eles [os desinfluencers] têm a coragem de refletir sobre o seu próprio uso das redes sociais e de telemóveis. Motivam-se uns aos outros para tentar reduzir cada vez mais o tempo de ecrã“. Sara Tavares acrescenta que tem muito orgulho no trabalho voluntário que estão a fazer”. As apresentações têm também vindo a ser feitas para turmas da própria FLUP, com o objetivo de sensibilizar os estudantes e tentar recrutar mais pessoas.
Estando a maioria do grupo a frequentar o último ano de licenciatura, a junção de novos membros é fundamental para a continuação do projeto, mas os universitários garantem que a vontade de intervir como “desinfluenciadores” vai continuar a existir. O projeto tem uma página de instagram onde é possível estar a par das iniciativas, bem como esclarecer dúvidas e manifestar o interesse em participar.
Editado por Filipa Silva