Numa conferência de imprensa conjunta, na Câmara Municipal do Porto, o presidente francês e o chefe de Governo português deram nota de sintonia nas prioridades para a Europa. Autarquia do Porto foi local de assinatura de vários acordos bilaterais e ainda da entrega das chaves da cidade a Emmanuel Macron.

Emmanuel Macron e Luís Montenegro na conferência de imprensa conjunta de sexta-feira. Foto: Luísa Macias/JPN

Uma perspetiva comum sobre a Europa e o mundo foi partilhada, esta sexta-feira (28), pelo presidente francês, Emmanuel Macron, e pelo primeiro-ministro português, Luís Montenegro, numa conferência de imprensa conjunta que teve lugar na Sala das Sessões da Câmara Municipal do Porto, e que seguiu a cerimónia de entrega das chaves da cidade ao chefe de Estado francês e a assinatura dos acordos bilaterais entre os dois países.

No decorrer da conferência, que começou com uma hora de atraso, os líderes apresentaram-se bem dispostos e com discursos concordantes, tendo sido o futuro da Europa um ponto em destaque. Macron e Montenegro defendem uma Europa mais autónoma, competitiva e unida, assim como, o aumento do investimento dos países que a compõem em inteligência artificial, tecnologias verdes e defesa nacional. “Sermos mais fortes é a única resposta”, afirmou o presidente francês. “Nós acreditamos, tanto um como o outro, que é preciso uma Europa muito mais competitiva, mais forte no plano da tecnologia, da economia, da indústria”, rematou o chefe de Estado francês.

Ao longo do seu discurso, o primeiro-ministro português criticou, no entanto, os europeus pela falta de preferência que demonstram ao nível do consumo pelos produtos europeus, contrariamente ao povo americano e chinês: “Nós somos os únicos no mundo a pensar que podemos comprar o que é feito noutro lugar”, afirma Luís Montenegro

Ainda sobre o plano de investimentos entre os 27 Estados-membro da União Europeia, o chefe de Governo português defendeu fortemente a ideia de que a Europa deve funcionar como um “bloco”, com uma estratégia concertada. “Nós não devemos estar a produzir todos a mesma coisa, nós devemos localizar os investimentos no território europeu por forma a termos uma política industrial, uma política de investimento que seja de bloco. Nós temos de funcionar como um bloco”, insistiu Montenegro. 

Para finalizar a discussão relativa ao futuro da Europa, o presidente francês relembrou o espírito ambicioso da Europa ao enfrentar a pandemia Covid-19. Tendo por base a palavra-chave “simplificação” e decisões de investimento muito fortes, Macron acredita ser este o caminho para “o retorno de uma Europa poderosa”. “O que nós conseguimos fazer durante o Covid, saibamos fazer agora, porque a época, no fundo, não é mais simples, mesmo que seja muito diferente”, defendeu o líder francês.

O contexto geopolítico internacional

Para além das questões europeias, foram também abordados, durante a conferência de imprensa, alguns pontos fulcrais do panorama geopolítico internacional sobre os quais, tanto Montenegro como Macron, afirmaram estar em sintonia: “sobre os grandes assuntos internacionais, nós pudemos falar da nossa agenda comum e temos os mesmos objetivos”, referiu o primeiro ministro.

Ambos os líderes teceram comentários relativamente às tarifas alfandegárias que poderão vir a ser aplicadas pelos Estados Unidos da América. “As tarifas são más para todo o mundo, porque são inflacionistas para todo mundo, (…) não é a melhor maneira de corrigir um desequilíbrio comercial, que é muito menor do que o que é apresentado pela administração americana”, afirmou o chefe de Estado francês.

Conferência de Macron e Montenegro durou cerca de uma hora. Foto: Sofia Peixoto/JPN

Segundo Macron, que passou por Washignton antes da visita oficial de dois dias a Portugal, “já era facto que a Europa não estava no coração da ideia geoestratégica e geopolítica americana”, mas que, independente disso, os europeus devem “tentar, ao máximo, trazer os americanos para o nosso lado”, na tentativa de evitar os impactos negativos que advêm das medidas comerciais referidas, a médio e longo prazo. “O que devemos conseguir fazer nas próximas semanas é convencê-los que não é uma boa decisão, de forma geral, para os nossos interesses geopolíticos, compartilhados entre os EUA e os europeus”, conclui.

Caso não seja possível concretizar esse objetivo, o francês refere que o velho continente deve procurar defender-se das decisões americanas: “não temos de ser fracos”, sublinhou. “Se isso [aumento das taxas alfandegárias] acontecer, então, nós devemos responder”, reforçou.

Luís Montenegro levantou, ainda, a ideia de que “independentemente daquilo que aconteça, ou que venha a acontecer no domínio das tarifas, há uma lição que a Europa tem de tirar”: a Europa “não pode perder mais tempo a atrasar-se em ser mais competitiva” e, sobretudo, mais autónoma. “Nós, europeus, criámos dependências ao longo de décadas e temos de conseguir sair dessas dependências”, relembrou também Macron. O primeiro-ministro português procurou destacar, por sua vez, algumas das áreas que merecem maior atenção por parte dos europeus no problema da dependência euro-americana como a ciência, a inovação, a investigação, a inteligência artificial, as novas tecnologias, entre outras. “Nós precisamos, efetivamente, de maior autonomia económica. Nós precisamos de maior autonomia energética”, sublinhou.

O chefe de governo português sustentou a opinião de que o caminho pelo qual se deve optar para navegar este conflito é um de “diálogo, de pedagogia, de argumentação”, com o intuito de evitar o aumento da escalada verbal entre as duas forças políticas. “Vamos concentrar-nos no essencial, vamos concentrar-nos naquilo que verdadeiramente transforma a vida das pessoas e transforma o rumo das nações”, concluiu o primeiro-ministro português.

Num outro momento, quando questionado relativamente à necessidade de uma maior intervenção europeia no conflito na Ucrânia, Emmanuel Macron sustenta a visão de que “os europeus representam 60% do esforço feito desde o início desta guerra, 60%”, reiterou o presidente. O mesmo comentou que “a Europa, desde o primeiro minuto, fez tudo para impedir este conflito”, tendo sempre em vista, no entanto, “o princípio da não-escalada”, que limita uma intervenção europeia mais direta e incisiva. Adotando um posicionamento similar, Montenegro retrata a invasão russa como “ilegal” e “injustificada”, e advoga por uma “solução de paz que seja justa, que seja duradoura e que seja baseada no respeito do direito internacional”.

Acordos bilaterais promovem cooperação luso-francesa

Após a homenagem inicial a Emmanuel Macron nos Paços do Concelho do Porto, deu-se lugar ao momento central da visita do presidente à Cidade Invicta: a assinatura de acordos bilaterais entre França e Portugal.

Os acordos começaram a ser idealizados pelos líderes presentes, após uma conversa no Palácio de Eliseu, em França, há oito meses. As três grandes prioridades estratégicas que marcam esta relação bilateral são a economia, aliada também à defesa: “Por isso nós estamos a comprar material de defesa a França e a França também está a comprar material de defesa a Portugal”; e ainda, os eixos da energia e, também, da língua, devido ao impacto das comunidades luso-francesas em ambos os países.

Esta idealização foi materializada pela assinatura do Tratado da Cooperação e da Amizade entre Portugal e França, que foi assinado juntamente com mais nove instrumentos de cooperação nos âmbitos da economia, língua, cultura, educação, polícia, armamento, inovação, ciência e defesa.

“Este Tratado de Amizade e Cooperação vai nos permitir encontros mais regulares, de alto nível, ao nível dos chefes de governo e vai nos permitir também maior uma articulação na preparação das decisões ao nível das instâncias internacionais, em particular da União Europeia”, comentou Montenegro.

Macron, cidadão do Porto

O primeiro momento do dia foi marcado pela cerimónia da entrega das chaves da cidade do Porto a Macron pelo presidente da Câmara do Porto Rui Moreira. “Sentimos um profundo reconhecimento por esta cerimónia”, confessou Rui Moreira.

O presidente francês recebeu as chaves da cidade do Porto da mão de Rui Moreira. Foto: Andreia Merca/JPN

O gesto, por parte do Porto e de Portugal, para com a França, teve por objetivo destacar a história partilhada pelos dois países, assim como a comunhão de valores das duas nações. “A cidade do Porto partilha dos valores que a França legou à civilização ocidental. Falo naturalmente dos valores da liberdade, igualdade e fraternidade, que a França tão bem representa e defende”, afirmou Rui Moreira.

O discurso do edil do Porto serviu também para fazer referência à atualidade geopolítica do mundo, em sintonia com a conferência de imprensa com o primeiro-ministro português que se seguiria. “Portugal e França comungam da mesma preocupação com o estiolar das democracias liberais, a desagregação do mundo ocidental e a transição para uma ordem mundial soberanista. Tudo isto exige uma resposta da União Europeia hoje a capacidade de realização, pela justiça social e a ética republicana”, referiu Moreira.

Na breve cerimónia, o presidente francês demonstrou gratidão pela homenagem e abordou brevemente a história entre os dois povos descrevendo-a sempre como uma bela parceria que deseja perpetuar. “É com a maior honra que aceito estas chaves, muito obrigada ao Porto”, agradeceu Emmanuel Macron.

Editado por Filipa Silva