PCP reagiu à declaração ao país de Montenegro com o anúncio de uma moção de censura, mas não conta com o apoio do Partido Socialista. Luís Montenegro continua a negar qualquer tipo de crime ou falha ética. Partidos políticos criticam a posição do primeiro-ministro e não confiam na sua governação.
Luís Montenegro diz não ter cometido nenhuma ilegalidade. Foto: Gonçalo Borges Dias/GPM
Luís Montenegro desafiou, no sábado, a oposição a assumir publicamente uma posição em relação às condições do Governo para continuar em funções. Foi a resposta encontrada pelo primeiro-ministro, depois de uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros, motivada pelas dúvidas levantadas sobre a empresa da sua família, que fizeram manchete do “Expresso” de sexta-feira. De acordo com o primeiro-ministro, sem a resposta dos partidos, a confirmação dessas condições teria de ser feita no Parlamento, por via “de uma moção de confiança”. A hipótese parece, contudo, já afastada, na sequência das reações desencadeadas pela declaração de Luís Montenegro.
Cerca de duas horas após o discurso do primeiro-ministro, o PCP respondia ao desafio de Montenegro, anunciando a apresentação de uma moção de censura contra o Governo. A segunda no espaço de duas semanas. Contudo, momentos depois, o secretário-geral do Partido Socialista (PS) garantiu que o partido votará contra essa moção. Sem o apoio do PS, a moção de censura anunciada por Paulo Raimundo não será viabilizada na Assembleia da República.
Já no domingo, em entrevista à RTP3, o ministro do Estado e das Finanças afirmou que, caso a moção de censura do PCP seja de facto reprovada, não se justifica a apresentação de uma moção de confiança. Segundo Joaquim Miranda Sarmento, a rejeição de duas moções de censura contra o Governo, num espaço de duas semanas, significaria que o Parlamento confia nas condições de Luís Montenegro e dos restantes ministros para exercer as suas funções.
Na origem da declaração ao país de Luís Montenegro, está a polémica desencadeada em torno da empresa familiar que o também advogado criou em 2021, a Spinumviva. O líder do PSD cedeu a sua quota à mulher e aos filhos quando foi eleito para a presidência do partido, em 2022. Contudo, de acordo com uma investigação do jornal “Expresso”, após Montenegro ter assumido o cargo de primeiro-ministro, a consultora continuou a receber uma avença mensal de 4.500 euros do grupo Solverde (outros clientes foram entretanto conhecidos), por serviços no domínio da proteção de dados.
O caso levantou dúvidas, essencialmente, por dois motivos: por um lado, porque o primeiro-ministro é casado em comunhão de adquiridos, o que o faz, mesmo que indiretamente, beneficiário da empresa; e ainda por causa da relação profissional com o grupo Solverde, que Montenegro representou, antes de ser primeiro-ministro, mesmo em negociações com o Estado.
Depois da polémica estalar, o chefe de Governo convocou uma conferência de imprensa para este sábado e fez uma declaração de cerca de 15 minutos, em São Bento, sem direito a perguntas. Luís Montenegro reafirmou nunca ter cometido qualquer ilegalidade: “Não pratiquei nenhum crime, nem tive nenhuma falha ética”.
Em resposta ao seu envolvimento na empresa familiar, o primeiro-ministro reforça que nunca escondeu nada, e que não participou em qualquer decisão que implicasse conflito de interesse. “Nunca cedi a nenhum interesse particular face ao interesse público e geral”, acrescenta Luís Montenegro.
O atual primeiro-ministro português apresenta-se “sempre disponível para um escrutínio democrático”. Contudo, argumenta que “para alguns, os esclarecimentos nunca serão suficientes” e acrescenta: “Nunca quem não quer perceber vai dizer que entendeu a explicação”.
Quanto ao futuro da Spinumviva, Luís Montenegro anunciou que a empresa passará a ser “totalmente detida e gerida” pelos filhos, e que a sua esposa irá abandonar o negócio. O primeiro-ministro acrescentou, ainda, que a sede da empresa – que corresponde à sua residência particular – vai mudar de local.
Embora se ilibe de qualquer crime ou falha de ética, Luís Montenegro declarou que o Governo só continuará em funções se tiver a “confiança” e “legitimação” dos portugueses. O primeiro-ministro afirma que não ficará no cargo “a qualquer custo” e que “cabe à Assembleia da República e aos partidos interpretar a vontade dos portugueses”. Tendo em conta os possíveis cenários para o futuro do país, Luís Montenegro argumentou que “a crise política deve ser evitada, mas poderá vir a ser inevitável.”
Partidos políticos não confiam na governação de Montenegro
André Ventura foi o primeiro a reagir ao discurso de Montenegro e deixou claro que, se houver moção de confiança, o Chega não a poderia “viabilizar”. Ventura afirmou que Montenegro não respondeu às questões necessárias e que o país não pode ter um primeiro-ministro “que foge às perguntas e evita dar esclarecimentos”.
Após comparar a postura de Luís Montenegro com a de José Sócrates, André Ventura declarou que “o Chega não pode confiar num primeiro-ministro assim”. Ventura sublinha ainda que a crise que o país enfrenta é responsabilidade de Montenegro e que esta “só mostra que nunca esteve talhado para a função que está a exercer”.
O PCP foi mais longe e, em declarações aos jornalistas, Paulo Raimundo declarou que “apresentará uma moção de censura ao Governo nos próximos dias”. O secretário-geral do Partido Comunista Português argumentou que “o Governo e as suas políticas não merecem confiança, merecem sim censura e condenação”.
Gerou-se, assim, uma expectativa adicional para saber como se posicionaria o PS face a este avanço do PCP. Já ao final da note, o secretário-geral do Partido Socialista falou ao país para dizer que “o PS chumbará” uma moção de confiança, se esta acontecer. Pedro Nuno Santos acusou ainda Luís Montenegro de se “vitimizar” e de “desrespeitar as instituições, os portugueses e os jornalistas”.
O secretário-geral do PS, que se pronunciou a partir do Porto, afirmou que o atual primeiro-ministro foi irresponsável por preferir “jogos políticos” e acrescentou: “Se o senhor primeiro-ministro não se demite e acha que tem condições para governar, que o assuma e que não transmita para o Parlamento uma decisão que é só sua.” Garantindo que não quer ser um fator de instabilidade, o Partido Socialista afirma não ter confiança no Governo e considera a posição de Montenegro uma “chantagem aos portugueses e aos partidos”.
Em resposta aos jornalistas, Pedro Nuno Santos lamentou que “o PCP tenha mordido o isco” do primeiro-ministro e reforça que o PS não irá viabilizar uma moção de censura.
O Bloco de Esquerda, o Livre, o PAN e a Iniciativa Liberal também demonstraram o seu descontentamento face às palavras de Luís Montenegro.
Em declarações aos jornalistas, Mariana Mortágua reforçou que “o Bloco de Esquerda não tem confiança nos negócios do primeiro-ministro”. A líder do BE argumenta que Luís Montenegro está a criar um novo momento de instabilidade e reforça a posição do partido face à “chantagem” do primeiro-ministro: “Votaremos contra uma moção de confiança se o primeiro-ministro a apresentar à Assembleia da República”.
Também o Livre criticou o discurso de Luís Montenegro, descrevendo-o como “dúbio”. Ainda assim, Rui Tavares não hesita em declarar a resposta do Livre face à pergunta do primeiro-ministro relativamente à confiança dos partidos nas condições do Governo: “Nós não temos confiança institucional e política neste primeiro-ministro para resolver os seus conflitos de interesse e essa falta de confiança agravou-se ainda hoje.”
Da mesma forma, Inês Sousa Real declarou que Luís Montenegro “não prestou os esclarecimentos devidos” e acrescentou que o primeiro-ministro deve um pedido de desculpa aos portugueses. Nesse sentido, a porta-voz do PAN afirma que o partido “dificilmente poderá acompanhar favoravelmente uma moção de confiança ao Governo”.
Embora não tenha clarificado o voto da Iniciativa Liberal numa eventual moção de confiança, Rui Rocha afirma que Luís Montenegro se tornou “no maior foco de instabilidade do país”. De acordo com a opinião do presidente da Iniciativa Liberal, o primeiro-ministro “não percebe a gravidade da situação”. Rui Rocha acrescenta ainda que “a moção de censura [do PCP] não deverá ter a adesão da Iniciativa Liberal”.
A moção de censura contra o Governo anunciada pelo PCP no sábado deverá ser discutida na Assembleia da República no final desta semana. O Chega é, para já, o único partido com assento parlamentar que comunicou o voto a favor da moção de censura do PCP.
Editado por Filipa Silva