Numa cidade onde a cultura e as artes têm sido área de “desenvolvimento estratégico”, a organização da Braga25 garante uma programação “muito abrangente”, com o objetivo de promover a “democracia cultural”. O JPN conversou com responsáveis pela programação.

Apesar da inspiração inicial surgir da famosa associação popular entre bracarenses e portas abertas, o lema da Braga25“Abre a tua porta” -, vai para lá dessa ideia. Pretende ser um convite à mobilização e participação, não apenas por parte da população de Braga, mas também por parte de visitantes de outras localidades. Remete para uma “abertura ao novo” e funciona como um “apelo à curiosidade e à descoberta”, ideias que são base para aquilo que é a programação da iniciativa, como explica Luís Fernandes, coordenador do Programa Artístico da Braga25, ao JPN.

A atribuição do título de Capital Portuguesa da Cultura começa, na verdade, com a candidatura a Capital Europeia da Cultura 2027. Joana Meneses Fernandes, coordenadora executiva, destaca ao JPN “o profundo envolvimento, mobilização, e um intenso processo de auscultação” associados à elaboração desta candidatura, num “processo coletivo” de consulta de diversos agentes da cidade, no sentido de perceber como os principais desafios e problemas de Braga identificados por estes “poderiam ser vertidos num projeto maior”.

O início da criação, em 2018, de uma “estratégia cultural para a cidade a dez anos”, a Braga Cultura 2030, foi o “guião de trabalho” que norteou o “investimento contínuo” neste campo ao longo dos últimos anos em Braga, culminando na candidatura a Capital Europeia da Cultura. Selecionado o projeto bracarense como um dos quatro finalistas, à cidade acabou por ser atribuído o título de Capital Portuguesa da Cultura 2025, à semelhança de Aveiro em 2024 e de Ponta Delgada em 2026, algo que Joana Meneses Fernandes considera “um marco, um momento” no contexto de um projeto “mais contínuo” de investimento cultural.

A dinamização da iniciativa fica a cargo da Câmara Municipal de Braga e da Faz Cultura, Empresa Municipal de Cultura de Braga, cujo trabalho a coordenadora executiva enfatiza pela promoção “da participação e democracia cultural”, comprovada pelos projetos implementados no contexto da Braga25. A empresa municipal é quem gere o Theatro Circo e o gnration, dois importantes equipamentos culturais bracarenses, que serão palco para diversos eventos da Braga25.

Joana Meneses Fernandes refere que as iniciativas ligadas ao título de Capital Portuguesa da Cultura permitiram à Faz Cultura “alargar as suas competências”, no sentido em que para além dos espaços já mencionados, passou a poder estender a sua “oferta de programação cultural” a outras zonas bracarenses, nomeadamente a espaços públicos e rurais um pouco por toda o concelho, muitas vezes “não convencionais”, onde parte significativa da programação da Braga25 se desenrola. Um exemplo referido pela coordenadora executiva é o de quiosques que “estavam caídos em desuso” em Braga, mas que o projeto Contra-Quiosque convidou artistas a ocupar com micro-exposições.

Os projetos associados à Braga25 – 18 ao todo – são um “eixo central” da programação desta iniciativa, tendo sido selecionado “um número bastante significativo” entre aqueles que já constavam na programação da candidatura bracarense a Capital Europeia da Cultura, diz Joana Fernandes. A mesma destaca o valor destes projetos na medida em que “mais do que eventos, são projetos de longo curso”, que apesar de já estarem a ser dinamizados desde 2023, este ano se deverão tornar “mais visíveis ao público em geral”, estando “muito fundados” naquilo que são os desafios da cidade, mas igualmente em “metodologias participativas”.

Grandes nomes nacionais e internacionais

A programação artística da Braga25 começou oficialmente a 25 de janeiro, com um espetáculo de abertura na Avenida Central de Braga, que contou com a presença de artistas como Mariza, Iolanda e Dino D’Santiago. Da restante programação, a organização destaca a atuação, ainda sem detalhes anunciados, de Maria João Pires no Theatro Circo, a primeira da pianista em Braga. Também o projeto especial preparado por Mariza, uma das principais vozes do fado, foi anunciado, mas ainda sem detalhes.

O reconhecido encenador e dramaturgo português, Tiago Rodrigues, acabou de levar ao palco a peça “No Yogurt for the Dead”, e a Companhia Nacional de Bailado, irá apresentar um programa que reúne criações de bailarinos e coreógrafos como Hofesh Shechter, Ohad Naharin e Vasco Wellenkamp.

O escritor Ondjaki, com o apoio de veteranos de guerra, será mentor de um grupo de jovens na construção de textos sobre a temática do colonialismo, que deverão ser representados ainda este ano no contexto do programa “O que fazemos com isto?”.

Paulo Mendes é responsável pela curadoria da exposição transdisciplinar Somos Todos Capitães – 50 anos em Liberdade, que assinala o meio século da Revolução dos Cravos e ocupará diversos espaços da cidade de Braga. Já os recém-criados festivais Square e Extremo são destaques no panorama musical, com foco na criação artística local e nacional, incluindo também artistas internacionais. 

Do panorama internacional, dois dos principais destaques são a parceria, em Steal you for a moment, entre o português Francisco Camacho e a americana Meg Stuart (em março, no Porto; em abril, em Braga), ambos figuras maiores na área da dança contemporânea, bem como a participação de Kim Gordon, integrante da banda nova-iorquina Sonic Youth, com Object of Projection, uma série de instalações performáticas em vídeo que surgem no contexto do programa de Cinema Expandido da Braga25, denominado Cinex.

Outro destaque são iniciativas como o programa Descentrar, que existente desde 2021, e que este ano é implementado como parte das iniciativas associadas à Capital Portuguesa da Cultura. Tendo por principais objetivos a transformação cultural, social e a sustentabilidade, bem como a democratização do acesso à cultura, nomeadamente em espaços rurais, este projeto chega pela primeira vez às 37 freguesias de Braga em 2025, com uma programação multidisciplinar. 

Relativamente à programação da Braga25, Luís Fernandes refere que esta tem “diferentes dimensões e vias por onde é alimentada”, e que se pretende “muito abrangente”, não só no que diz respeito às propostas, mas também no sentido de “não ter só artistas consolidados, mas também emergentes, não ter só artistas da região, mas também internacionais”. “A diversidade é aqui um elemento fundamental”, completa, concluindo com a ideia de que o próprio lema da iniciativa, “Abre a tua porta”, “acaba por ser uma metáfora para aquilo que rege o programa”.

O coordenador do Programa Artístico destaca também a presença da cultura e arte minhotas na programação, através, por exemplo, da participação de grupos folclóricos de Braga no espetáculo de abertura de 25 janeiro ou de projetos como o Clube Raiz, “que, no fundo, é um projeto que dura o ano todo e que tenta cruzar de alguma forma o universo da música tradicional com linguagens musicais contemporâneas”. Menciona ainda a “relação com o património e território” bracarenses patente num projeto que visa a utilização dos órgãos ibéricos “muitas vezes arredados do uso não religioso” e que “só existem cá (em Braga)”, em contexto de “composições contemporâneas”, da autoria de diversos artistas. 

Sendo Braga uma das cidades portuguesas com maior população brasileira, Luís Fernandes afirma que essa presença “é absolutamente notória” na cidade, até mesmo nas “próprias práticas culturais” e sendo a comunidade brasileira “muito ativa e participativa”, acabou por se tornar “um dos principais motores deste consumo cultural”. Segundo Luís Fernandes, é neste sentido que surge, por exemplo, o projeto Desejar, que trabalha “com pessoas de diferentes comunidades, incluindo a brasileira, para que construam o seu próprio programa”, que se pretende capaz de redefinir formas de estar e de fazer. Conclui dizendo que mesmo em espaços como o Theatro Circo ou o gnration, é sentida “uma presença muito grande de participantes brasileiros” e que têm “um público muito atento àquilo que são as propostas vindas do Brasil”.

No contexto da programação da Braga25, Luís Fernandes faz menção também ao público mais jovem, pela diversidade de projetos que visam motivar a sua mobilização, como o “Sexual Theather”, que trabalha com “revisões feministas de textos clássicos do teatro e que tem uma componente muito grande de participação de jovens”.

Destaca ainda a relação próxima da iniciativa com o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga, que participa no programa com os seus estudantes e o envolvimento direto da chamada Geração B25+, composta por 25 jovens “de diferentes idades, que foram acompanhando ao longo dos últimos anos várias iniciativas, desde a candidatura a Capital Europeia da Cultura e depois a Capital Portuguesa da Cultura”, e que, representando todos os agrupamentos escolares da cidade, formam um órgão consultivo da Braga25.

O investimento total na Braga25 deverá rondar os 14,5 milhões de euros, numa iniciativa que durará até dezembro. A programação pode ser consultada no site oficial do evento.

Editado por Filipa Silva