Num debate integrado nas celebrações dos 50 anos da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, dois medalhados olímpicos, um treinador e um docente universitário falaram sobre saúde mental e resiliência no desporto. O JPN acompanhou a conversa.

A Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP) recebeu o evento “Projeto SER: Saúde Mental, Estigma e Resiliência”, no âmbito das comemorações do 50.º aniversário da FADEUP. A iniciativa reuniu numa conversa os medalhados olímpicos Carlos Lopes e Vanessa Fernandes, que destacaram a importância do desporto na promoção da saúde mental e no reforço da resiliência.

Os desafios que os jovens enfrentam na sociedade atual foram outro tema em discussão. O evento contou ainda com a participação do treinador de judo Renato Kobayashi e do professor universitário José Raposo. Outra medalhada olímpica, a portuense Rosa Mota, recentemente submetida a uma intervenção cirúrgica, assistiu ao debate na plateia.

Vanessa Fernandes, natural de Vila Nova de Gaia, atingiu o auge da carreira em 2008, quando, em Pequim, alcançou a  prata, a primeira medalha olímpica portuguesa desses Jogos. No reverso dessa medalha, e de muitas outras que conquistou na fase inicial da carreira, estava, contudo, um mal-estar emocional grave, que redundou numa depressão e em distúrbios alimentares. A atleta expôs, de resto, essa experiência numa curta-metragem documental estreada em 2021.

Aos 39 anos, a triatleta sublinhou a importância de compreender os limites próprios de cada um para preservar o equilíbrio mental: “Não basta só ter uma mente que é ambiciosa e obsessiva, porque a certo ponto vamos quebrar completamente o físico e o emocional.

Vanessa Fernandes, vice-campeã olímpica de triatlo, esteve na FADEUP a falar sobre saúde mental. Foto: Cláudia Campilho

Sobre o seu percurso pessoal, Vanessa Fernandes destacou a importância da resiliência e da adaptação que o desporto também dá aos atletas: “O desporto trouxe-me essa capacidade de querer estar sempre a mudar, de querer estar sempre a melhorar”.

O debate também contou com a presença do primeiro português a conquistar o ouro nuns Jogos Olímpicos:  Carlos Lopes, vencedor da Maratona em Los Angeles, 1984.

Nos anos 70, não se falava como hoje de saúde mental, mas o antigo atleta recorda a exigência e a pressão a que foi sujeito após a a vitória no Campeonato Mundial de Corta-Mato em 1976. “A partir do momento em que ganhei no mundial, já tinha de ser campeão olímpico. Mas toda a gente esquece que continuamos a ser um país pequeno, sem estrutura e sem a capacidade de alimentar essa esperança. Mas eu tinha esperança de ser campeão”, disse.

O resultado demonstrou ao mundo que “Portugal existia e também tinha valores extraordinários como um homem e como um ser humano”, afirmou.

Carlos Lopes, ex-atleta e campeão olímpico português, foi um dos convidados.

O antigo atleta destacou a importância da paciência, afirmando que “nada se faz à pressa” e considerou que essa é uma qualidade que falta a muitos jovens atualmente. Reconhece o enorme potencial das novas gerações, mas alerta para a necessidade de adaptar os métodos de treino às características individuais de cada atleta. Além disso, Carlos Lopes reforçou a ideia de que o desporto é “o espelho de um país, e ultrapassa fronteiras.”

Renato Kobayashi, treinador de Judo, referiu que “o treinador, efetivamente, primeiro tem de ter uma boa saúde mental” para lidar com as expectativas dos atletas, pois os resultados levam tempo a surgir. Essa demora pode causar frustração e ansiedade, prejudicando assim o desempenho.

Além disso, alertou para a necessidade de mais apoio por parte do governo e do Estado. “O desporto é um bem, vale muito mais do que aquilo que custa”. O técnico frisou que, enquanto a sociedade não reconhecer esse valor, o caminho para o crescimento e a excelência continuará a ser mais difícil.

O professor José Raposo, também presente no debate, afirmou que, mesmo quando há investimento no desporto, o orçamento é reduzido e ainda assim esperam resultados. Salientou ainda que ninguém se preocupa em falar com os treinadores para perceber o que é realmente necessário para formar atletas campeões.

Treinador Renato Kobayashi e professor José Vasconcelos Raposo participaram no debate. Foto: Cláudia Campilho

O evento reforçou a importância da saúde mental como um pilar fundamental não só no desporto, mas também na vida quotidiana. A necessidade de um suporte estruturado e de um ambiente favorável foi um dos principais pontos destacados, refletindo a crescente preocupação com o bem-estar mental no contexto desportivo e social.

Editado por Filipa Silva