Síndrome afeta 5 a 15% das mulheres em idade reprodutiva em Portugal. OMS estima que cerca de 70% das pessoas afetadas ainda está por diagnosticar. O JPN ouviu testemunhos de quem lida há anos com esta doença e com um especialista, que explica as possibilidades de tratamento. Este é o primeiro de cinco artigos sobre a saúde feminina que desenvolvemos no âmbito do Dia da Mulher.

A Síndrome do Ovário Poliquístico (SOP) é um distúrbio hormonal que afeta mulheres e se caracteriza por uma produção excessiva de hormonas masculinas. Os principais sintomas são a formação de quistos nos ovários, menstruação irregular, aumento da quantidade de pelos e dificuldades em engravidar. Além do grande impacto na auto-estima e na saúde mental, a SOP está associada a um aumento do risco de desenvolver diabetes e problemas cardiovasculares. A pílula é, muitas vezes, apresentada como o único tratamento possível.

“Vivi toda a minha adolescência sem saber”

Margarida Dionísio viu a sua condição de saúde ser desvalorizada pelos profissionais de saúde, muitas vezes. Foto: Margaria Dionísio

Margarida Dionísio, 29 anos, relatou ao JPN que começou a ter os primeiros sintomas na adolescência: “os primeiros sinais que apareceram foram os pelos, como pelos na cara, e algumas irregularidades menstruais”.

Apesar de ter sido seguida por vários endocrinologistas na pediatria, o diagnóstico demorou a chegar: “vivi toda a minha adolescência sem saber [que tinha SOP]. Não sei se propositadamente por eu ser muito jovem, se por falta de consciência e de consciencialização para esta síndrome”.

Começou a tomar a pílula desde cedo, para controlar os sintomas (que, na altura, não eram vistos como tal). Ao longo de dez anos, esta opção de tratamento foi quase consensual entre os profissionais de saúde que acompanhavam a jovem. No entanto, a abordagem dos médicos parecia desvalorizar a sua condição. Na ala pediátrica, Margarida ouviu comentários como “a menina é portuguesa tem de se habituar” e “a mulher portuguesa é peluda”.

A tendência para engordar, um dos sintomas mais comuns da síndrome, provocou, desde muito cedo, uma enorme pressão com a alimentação, que deixou marcas até hoje. Era quase como “tome a pílula, coma pouco, mexa-se muito”, descreve Margarida. Mesmo tendo um estilo de vida saudável, a jovem teve níveis elevados de colestrol numa tenra idade, uma consequência da pílula. Mesmo tendo passado por vários profissionais, na esperança de encontrar outra alternativa, a jovem sentia que a pílula lhe estava sempre a ser “impingida”, relata ao JPN.

Cansada das mesmas respostas e determinada em encontrar outras soluções, Margarida realizou uma pesquisa mais aprofundada sobre esta condição e outras opções de tratamento. Foi nessa altura que encontrou um suplemento, o Inositol, bastante conhecido no Reino Unido, e com provas dadas no tratamento da Síndrome do Ovário Poliquístico. A jovem começou a partilhar a sua jornada no Tik Tok, para ajudar outras mulheres com a mesma condição, criando assim uma comunidade, na qual publica vídeos sobre saúde, bem-estar e receitas.

Desde há dois anos que a jovem é seguida por uma ginecologista com quem se sente confortável e compreendida, mas o caminho não foi sempre linear. Depois de ter saído da pediatria, passou por vários endocrinologistas e, hoje, faz uma análise muito atenta aos sintomas: “o meu conselho é para [se] ir trocando de médico, até que se encontre alguém que compreenda, ouça e não despreze o problema que está a ser apresentado”. Neste sentido, Margarida acrescenta que considera que “a saúde feminina é muito negligenciada”

Segundo indicação da ginecologista, Margarida abandonou a pílula, tendo optado pelo Inositol. A jovem realça o impacto positivo nos sintomas: “tomei durante o ano passado e vi uma redução no acne, um voltar à regularidade dos ciclos menstruais”. Apesar de estar numa fase mais controlada, a alimentação equilibrada, o exercício físico regular e uma boa gestão do stresse são fundamentais no controlo dos sintomas: “as mulheres que têm esta síndrome têm um maior nível de stresse oxidativo no corpo, o que significa que, por si só, o corpo já é como se estivesse sempre sob stresse. E, portanto, qualquer stresse exterior que exista vai ser pior para o corpo e desencadear a inflamação”, explicou. 

“A médica foi muito importante no diagnóstico”

Maria Inês começou a tomar a pílula e viu os sintomas atenuarem. Foto: Maria Inês Martins

Experiência diferente teve Maria Inês Martins, com 20 anos. Os pelos mais espessos, a mudança repentina de peso e os ciclos menstruais irregulares, no início da puberdade, vieram confirmar o diagnóstico aos 14 anos.

Perante os sinais do corpo, marcou uma consulta com a médica de família, fez uma ecografia e a espera demorada para obter os resultados fez com que procurasse uma endocrinologista no privado. Maria Inês recorda o dia em que fez o exame: “ainda era uma menina com 14 anos e disseram[-me] ‘tens quistos nos ovários’”, o que “[me] fez muita confusão, na altura”. A jovem salienta ainda que a médica que a acompanhava “foi muito importante no diagnóstico”, porque fê-la perceber “que havia um motivo e, a partir daí, soube que poderia adquirir ferramentas para combater esses sintomas”, explicou.

Depois de receber o diagnóstico, iniciou o tratamento com a pílula e um medicamento para regular os níveis elevados de testosterona. Embora a adaptação tenha sido difícil no início, atualmente, consegue controlar a maior parte dos sintomas. Maria Inês relata, contudo, que, mesmo com o tratamento, os pelos nunca enfraqueceram e que, por isso, teve de recorrer à depilação a laser. Hoje, mantém-se vigilante e é acompanhada, pelo menos, duas vezes por ano em endocrinologia.

Maria Inês acrescenta que, tal como Margarida, passou a ter um maior cuidado com o estilo de vida, nomeadamente com a gestão do nível de stresse, para os sintomas não se acentuarem. “Tento fazer vários tipos de exercícios de respiração para acalmar-me, mas, às vezes, não é suficiente (…) e eu noto que, quando tenho mais stress, os pelos da face aparecem mais fortes”, afirmou.

Maria Inês considera que a SOP ainda é um tema pouco abordado, principalmente nas escolas: “as pessoas não sabem o que é. Não é explicada na medida que deveria ser, principalmente às camadas mais jovens, que são um alvo bastante frágil desta síndrome”.

Pílula não é a única forma de tratamento 

Miguel Saraiva é endocrinologista e acompanha mulheres com Síndrome do Ovário Poliquístico.

O JPN falou com o endocrinologista Miguel Saraiva, que explicou que o diagnóstico é feito com base em três critériosdisfunção ovárica com ciclos irregulares, excesso de hormonas masculinizantes e quistos nos ovários. As pacientes têm de apresentar, pelo menos, dois destes problemas e ter determinadas patologias excluídas do diagnóstico.

O especialista salienta que a SOP é uma condição difícil de ser diagnosticada na adolescência, uma vez que as implicações mais comuns – ciclos menstruais irregulares, acne e quistos nos ovários – são consideradas “normais” nessa fase de vida.

O médico defende que o tratamento varia muito de acordo com o cenário que se tem à frente”, nomeadamente das queixas que cada mulher apresenta e se pretende ter filhos ou não. Miguel Saraiva explica que a pílula costuma ser “a primeira linha terapêutica” sendo, durante muitos anos, o pilar principal do tratamento da SOP.

No entanto, existem outras formas de tratamento, como medicações antiandrogénicas, que “bloqueiam” a produção de hormonas masculinas. Também há tratamentos que induzem a ovulação em mulheres com SOP que planeiam engravidar a curto prazo. O endocrinologista salienta que a síndrome “não é uma sentença de infertilidade” e que as técnicas de procriação medicamente assistida têm tido resultados positivos. 

Sobre o Inositol, vitamina do complexo B, Miguel Saraiva justifica que é “uma das medicações com menos evidência sólida no tratamento da Síndrome do Ovário Poliquístico”, mas que, “como é uma vitamina, não se esperam grandes efeitos adversos ou laterais”. O profissional de saúde acrescenta que costuma indicar o suplemento para mulheres que tenham pré-diabetes, excesso de peso e também mulheres que querem engravidar e são portadoras da síndrome.

Editado por Filipa Silva