O período pós-parto é caracterizado por um conjunto de mudanças físicas e emocionais que afetam as mulheres após serem mães. As complicações no processo de amamentação, a depressão pós-parto e a sexualidade impõem desafios num período de profundas alterações. Este é o segundo de cinco artigos sobre a saúde feminina que desenvolvemos no âmbito do Dia da Mulher.

Patrícia Cardoso é uma enfermeira de 31 anos que foi mãe em 2020. Ao JPN, descreve o pós-parto sem eufemismos: “foi tudo menos floreado, foi horrível, foram dores desde o início da amamentação, com muita febre, muita ferida. Ao nível emocional, uma catástrofe”. A mãe de Afonso afirma que só amamentou o filho porque foi “extremamente teimosa” e tinha consciência que “era o melhor” a fazer pela saúde do bebé.

Patrícia Cardoso foi mãe em 2020 e é especialista em amamentação e introdução alimentar. Foto: Sofia Martins/JPN

Patrícia Cardoso foi mãe em 2020 e é especialista em amamentação e introdução alimentar. Foto: Sofia Martins/JPN

Embora tenha sentido dificuldades logo nos primeiros meses de vida do filho, Patrícia sublinha que o maior desafio aconteceu um ano após o parto, quando desenvolveu uma candidíase mamária: “Eu lembro que estávamos a cantar os parabéns, eu estava com 40 de febre. Ainda bati algumas portas, mas pouca ajuda tive, então, tive de desmamar, porque era uma dor horrível, eram tipo vidros nos meus mamilos, fiquei em carne viva.”

Patrícia conta ao JPN que foi este episódio que a fez querer ajudar outras mães na mesma situação e acrescenta que, por ser enfermeira, já sentia que era “uma mulher do cuidar, do outro”.

Foi assim que em março de 2023, a mãe de Afonso criou uma página no Instagram onde faz consultoria em amamentação e introdução alimentar e apoia mães que tenham dificuldades.  A profissional de saúde admitiu ao JPN que “no início ia muito a medo” por sentir que estava a expor a sua vida, mas só com essa “proximidade” é que é possível “chegar aos outros”.

Nas suas consultas com mães em período de amamentação, Patrícia faz questão de reforçar que a dor não é normal: “se dói é porque há um problema e temos de pesquisar qual é o problema”. Relativamente aos relatos de mulheres que não conseguem amamentar, Patrícia sublinha que “a maioria consegue, não tem é as ferramentas necessárias”. Foi essa noção da falta de ferramentas de apoio que a incentivou a dar vida a uma outra página nas redes sociais, a Meia de Leite, criada em fevereiro deste ano. Com este projeto, “o objetivo é fazer chegar às mulheres produtos que não existem no mercado”.

Apesar de se dedicar a garantir o apoio necessário na fase da amamentação, Patrícia reforça que “a decisão fica do outro lado” e que o seu dever “é apenas informar” sobre os riscos da ausência de nutrição através do leite materno.

Patrícia Cardoso enfatiza a sua posição com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) e lamenta: “a OMS quer que pelo menos 50% das mulheres amamentem até aos seis meses de vida dos bebés e em Portugal nem 20% o fazem”. São dados como este que lhe dão motivação para continuar a informar e ajudar cada vez mais mães e garante que não quer parar de aprender: “Estou neste momento com quatro cursos em andamento porque não consigo parar. Depois tu ganhas aquele bichinho e queres saber sempre mais”.

Depressão pós-parto: uma doença que afeta entre 10 e 15% das mães em Portugal

Embora seja mais frequente acontecer nos primeiros quatro meses após o parto, a depressão pós-parto pode surgir a qualquer altura durante o primeiro ano de vida do bebé, ou, em alguns casos, os sintomas podem surgir na fase final da gravidez.

Para fazer um diagnóstico correto, é essencial o acompanhamento de um profissional na área da saúde mental. Sílvia Carvalho é psicóloga especializada em saúde mental no pós-parto e fertilidade.

Sílvia Carvalho é profissional de saúde mental especializada na área do pós-parto. Foto: Sílvia Carvalho

Em conversa com o JPN, a profissional afirma que no pós-parto são bastante comuns as “crises e perdas de identidade”, durante as quais existe um “conflito” entre a pessoa que a mulher era antes de ser mãe e a pessoa que passa a ser depois do parto. Contudo, essas crises nem sempre indicam uma depressão pós-parto. De acordo com a especialista, nas primeiras três semanas de vida do bebé, são comuns os baby blues, isto é, sintomas como “tristeza, choro muito fácil, cansaço e insónias”.

Segundo Sílvia Carvalho, a depressão pós-parto “só começa a ser evidente” se estes sintomas prevalecerem após um primeiro período de adaptação de três semanas e se estes se começarem a “manifestar de forma mais intensa”. Ainda assim, a especialista sublinha que existem várias fases numa depressão pós-parto: “Nós podemos ter uma depressão pós-parto mais ligeira, mais moderada ou mais grave”; e acrescenta: “se houver a questão da rejeição do bebé, podemos estar a falar de uma depressão que esteja na sua fase mais intensa”.

Embora as possíveis causas de uma depressão pós-parto sejam várias, nomeadamente a privação de sono e a sobrecarga física e emocional, Sílvia faz referência à “pressão interna”, que leva a um “desgaste acrescido” e faz com que a mulher sinta que “não consegue dar o seu melhor ou ser a mesma profissional que era anteriormente”. Estes “sentimentos de desvalorização sobre si mesma” são responsáveis por uma descida na autoestima e na autoconfiança da mulher. De acordo com a experiência profissional de Sílvia, as mulheres “sentem uma enorme frustração” ao notarem estas mudanças.

Como principal método de prevenção de um período pós-parto mais adverso, Sílvia Carvalho sublinha a importância de uma bom sistema de apoio: “a rede de apoio é fundamental, casais que não têm essa rede alargada de apoio, não têm avós, não têm tios por perto que possam ajudar a cuidar, têm maior probabilidade de vivenciar este período do pós-parto com mais desafios”.

A vida sexual das mulheres no pós-parto

Hélio Borges explica o impacto que o pós-parto pode ter na vida sexual das mulheres. Foto: Sofia Martins/JPN

A sexualidade das mulheres também sofre bastantes alterações durante o período pós-parto. Hélio Borges é psicólogo especialista em sexologia e afirma que “os dois primeiros anos após a gravidez são críticos, porque é quando a criança depende mais do casal”.

Ao JPN, Hélio Borges sublinha que “é importante que o casal comece a ter tempo para si” e que “é essencial respeitar o tempo da mulher”. Hélio acrescenta que o/a companheiro/a “não pode ter a mesma expectativa da parceira que tinha quando não tinham filhos”.

O especialista em sexologia faz ainda referência a um fenómeno denominado “despersonalização”, no qual “as mulheres deixam de ser mulheres, profissionais e companheiras, para serem só mães”, o que inevitavelmente influencia a sua vida sexual.

Para além da área da psicologia, também a área da fisioterapia pélvica é uma peça importante na sexualidade das mães no período pós-parto.

Diana Lopes é fisioterapeuta em saúde da mulher e saúde pélvica. Em conversa com o JPN, afirmou que “um corpo em pós-parto, no fundo, está a reaprender a funcionar”. De acordo com a médica, a altura ideal para uma avaliação pós-parto na fisioterapia pélvica é cerca de seis semanas após o nascimento do bebé. O objetivo dessa avaliação é garantir que a “transição” para o pós-parto “seja suave”.

Segundo Diana Lopes, a fisioterapia pélvica inclui uma avaliação “da saúde dos músculos do pavimento pélvico”, que sofrem alterações, não só no parto, mas também durante a gravidez. Nesse sentido, a especialista afirma que “um pavimento pélvico saudável, como qualquer outro músculo, vai precisar de ser capaz de contrair e de se ativar cada vez que há um esforço”. C

Caso a saúde dos músculos do pavimento pélvico esteja comprometida, “alguns sintomas comuns são perdas de urina, de gases, sensação de peso na zona vaginal e dor na relação sexual. Nesse caso, as mulheres são privadas de uma vida sexual saudável, pelo que é importante o acompanhamento de especialistas na área.

Editado por Filipa Silva