Com os Estados Unidos na liderança das ferramentas de Inteligência Artificial (IA), China inova através de ferramenta de custo reduzido. Europa também procura ter soberania digital. Alípio Jorge, referência académica e da investigação na área da IA, deu a conhecer ao JPN o balanço da conjuntura atual.

Inteligência Artificial.

OpenAI, dos Estados Unidos, DeepSeek, da China e, mais recentemente, OpenEuro LLM, da União Europeia, são os três principais ferramentas na corrida da Inteligência Artificial. Foto: Unsplash.

A corrida pela Inteligência Artificial (IA) está em plena aceleração com cada vez mais concorrentes em jogo. Os maiores investimentos e inovações estão a ser impulsionados por três grandes potências: Estados Unidos, China e, mais recentemente, Europa. As empresas disputam para liderar no setor, tornando-se cada vez mais poderosas e especializadas. A inteligência artificial caminha para uma integração total no quotidiano da população em matérias como saúde, automação, educação, segurança, negócios e outras.

OpenEuro LLMEuropa na corrida

A Europa tem sido vista como um jogador secundário nesta corrida. No entanto, tem vindo a dar os primeiros passos decisivos que afirmam a sua posição. Surge a OpenEuro LLM que emerge como uma alternativa à ordem tecnológica global dominada pelos EUA e pela China. O plano é construir uma plataforma de inteligência artificial própria para o continente europeu baseada nos valores de soberania digital, segurança e inclusão cultural.

A missão é criar uma plataforma europeia de IA, que impulsione líderes digitais e serviços públicos de impacto por todo o continente, o que promove a autonomia e a competitividade no cenário global. Está planeado que a ferramenta ofereça uma solução mais alinhada com os valores da União Europeia (UE) – diversidade cultural e proteção de dados pessoais – e exclui a dependência dos modelos massivos e centralizados de empresas como a Open AI (dos EUA). A questão da soberania digital tornou-se ainda mais urgente no sentido de diminuir a vulnerabilidade do continente a pressões externas.

Alípio Jorge, investigador e professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), afirmou ao JPN que acredita que a Europa enfrenta dificuldades num cenário global menos regulado, onde a competição se torna mais agressiva e desenfreada. Considera que o continente tende a ficar mais vulnerável, uma vez que opera dentro de um quadro de princípios e regulamentações que nem sempre acompanham a velocidade e a flexibilidade de outros mercados.

Liderado por Jan Hajic e Peter Sarlin, o projeto foi iniciado com um orçamento de 52 milhões de euros e com a colaboração de mais de 20 empresas – deixando de fora a intervenção direta de Portugal. A plataforma recebe apoio de líderes do setor da tecnologia na Europa como a Aleph Alpha, CSC e Lights On.

A OpenEuro LLM foi reconhecida pela Comissão Europeia como um projeto estratégico e recebeu o selo Strategic Technologies for Europe Platform (STEP), o que valida a sua importância para o futuro digital da Europa. O projeto é assim integrado num ecossistema mais amplo, que envolve universidades, centros de pesqui

sa e instituições de supercomputação. “Temos muitas universidades, muitos centros de investigação. Estamos a um nível de topo. Muitas vezes, existe a dificuldade de transformar a ciência em economia”, comentou o investigador.

Alípio Jorge, investigador e professor catedrático na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). Foto: FCUP

O objetivo do projeto é superar as limitações dos modelos de IA já existentes, ao criar alternativas mais eficientes e adaptadas à diversidade de línguas, culturas e necessidades da Europa. Abrange 24 línguas oficiais da União Europeia e outras 11 – exteriores ao continente europeu -, totalizando 35 línguas. Este é um ponto-chave da plataforma, visto que muitas ferramentas globais falham em representar a diversidade linguística e cultural da Europa.

“Temos muitas culturas, muitas línguas diferentes. Acho que isso é espetacular, manter essa diversidade. Temos muitas perspetivas diferentes”, defende Alípio Jorge. As principais vantagens competitivas da Europa, segundo o professor catedrático, são “a diversidade, a tradição de produção de conhecimento e também os valores europeus”.

Segundo o investigador, a Europa enfrenta dificuldades na corrida pela Inteligência Artificial devido à estrutura de financiamento, que privilegia a distribuição equilibrada de fundos entre diferentes países, incluindo os da periferia. Apesar dessa abordagem ter vantagens em termos de diversidade e inclusão, a concentração de capital necessária para criar grandes empresas é dificultada.

Na visão de Alípio Jorge, o continente europeu encontra-se numa “posição difícil”, tendo de escolher entre duas opções: ou abdica dos princípios que “põem toda a gente a crescer”, fazendo com que não existam “gigantes dentro da Europa”, ou faz “investimentos mais estratégicos, que são mais direcionados e que não vão deixar toda a gente contente”.

OpenAI: a gigante norte-americana da IA

A OpenAI é um dos intervenientes com maior influência no panorama global da IA. Fundada por Elon Musk e Sam Altman, o objetivo inicial da empresa foi desenvolver uma ferramenta de Inteligência Artificial segura e benéfica. A criação do modelo GPT-3 e a evolução para o ChatGPT são marcos significativos na área e mostram a capacidade da OpenAI na criação de modelos de linguagem que geram texto, compreendem e associam contextos e interagem de forma natural com os utilizadores.

A empresa conta com investimentos massivos e parcerias com gigantes como a Microsoft, o que lhe permite continuar a dominar o mercado. Já é uma referência na criação de IA, especialmente no que diz respeito a modelos de linguagem e soluções de IA generativa. No entanto, tem vindo a enfrentar críticas devido ao modelo fechado que a constitui e à centralização do poder em poucas mãos. As preocupações com a privacidade dos dados e o controlo sobre plataformas de IA são questões-chave levantadas.

O professor catedrático revelou ao JPN que a lógica de mercado dos Estados Unidos permite uma concentração mais eficiente de investimento, o que os coloca em vantagem. Mesmo envolvendo fundos públicos, apesar de menores em volume, podem ser alocados de forma mais direta e estratégica. O país conta também com um forte financiamento público, especialmente através do setor da defesa e de outras fontes governamentais, o que possibilita um apoio significativo à investigação e ao crescimento e desenvolvimento de líderes globais no setor.

“As empresas conseguem angariar muito capital sem terem resultados financeiros líquidos. Andam muitos anos sem terem resultados financeiros líquidos e, mesmo assim, as suas ações vão subindo nos mercados”, explicou Alípio Jorge.

DeepSeek: o desafio chinês

A DeepSeek é uma start-up chinesa que teve um impacto significativo no setor da inteligência artificial, graças ao modelo de linguagem altamente eficiente e de baixo custo que utiliza – representa um investimento de 5,6 milhões de dólares -, o que desafiou gigantes como a norte-americana OpenAI e provou que é possível criar IA de alto desempenho sem precisar de recursos bilionários. Tem chamado à atenção de investidores e desenvolvedores de IA que não têm os mesmos recursos financeiros das superpotências tecnológicas.

metodologia open-source é um grande atrativo, dado que permite que outras empresas na indústria aproveitem os modelos para inovação própria – qualquer pessoa pode aceder livremente ao código que compõe a estrutura da ferramenta. Esta nova abordagem tem gerado uma onda de competição entre inovações, para além de pressionar as grandes empresas a reduzirem custos. Uma das grandes vantagens da China que Alípio Jorge destaca é a “capacidade de colocar o dinheiro onde quer, não [sendo] sujeita a escrutínio”.

A DeepSeek tem estado envolvida numa polémica que questiona a segurança da aplicação, tendo levado à sua proibição. Em meados de fevereiro, a Coreia do Sul acusou a DeepSeek de enviar dados de utilizadores para a ByteDance, proprietária do TikTok, também de origem chinesa. É a primeira vez que uma entidade reguladora nacional confirma uma potencial fuga de dados de utilizadores para terceiros. Também outras autoridades nacionais já tinham tomado medidas ou alertado para os riscos desta prática. À Coreia do Sul, juntam-se Itália, Austrália, Canadá e Países Baixos, entre outros, que proibiram de forma total ou parcial o acesso à ferramenta, justificando com preocupações relativas à proteção da privacidade e da segurança nacional.

Quem tem a liderança nesta corrida?

Os Estados Unidos, com a OpenAI, levam vantagem em termos de investimentos e recursos. O modelo é amplamente utilizado e tornou-se uma referência global. Já a China, com a DeepSeek, encontra vantagem na redução de custos e por ter uma abordagem open-source.

A Europa, a avançar com a OpenEuro LLM, está ainda num estádio inicial, mas revela um grande potencial de inovação a nível de diversidade linguística e cultural, um ponto diferenciador das outras potências.

“Neste momento quem vai à frente são os Estados Unidos, em segundo a China e em terceiro a Europa. Potencial têm todos, são três blocos fortíssimos. A Europa tem potencial para acompanhar, pelo menos, a corrida e tem a obrigação de fazer isso. Tem de haver investimento”, afirma Alípio Jorge, deixando a nota de que países como o Japão, a Coreia do Sul e a Índia podem juntar-se aos blocos ou desenvolver mesmo novos projetos.

Editado por Filipa Silva