Arábia Saudita sedia diálogo dos dois países em direção à paz. Rubio afirma que Ucrânia pode perder os territórios ocupados pela Rússia. A professora e investigadora Sandra Fernandes, da Universidade do Minho, analisa a “histórica mudança da relação transatlântica” dos EUA face à Europa.
Depois de um encontro acrimonioso na Sala Oval, EUA e Ucrânia voltam a sentar-se à mesa das negociações, desta vez, na Arábia Saudita. Foto: Daniel Torok/The White House
Delegações dos Estados Unidos e da Ucrânia encontram-se esta terça-feira na cidade de Jeddah, na Arábia Saudita. A reunião conta com a presença de Marco Rubio, Secretário de Estado americano, e integrantes do governo ucraniano. Zelensky está no país saudita e teve um encontro com o príncipe Mohammed bin Salman, porém, não vai participar na reunião. Esse encontro acontece pouco menos de um mês depois das conversas entre americanos e russos, também na Arábia Saudita.
Sobre o estado de relações entre os dois países, um conselheiro próximo de Trump, Steve Witkoff, disse à Fox News, que o presidente ucraniano enviou uma carta ao presidente norte-americano e pediu desculpas pelo incidente ocorrido na sua última viagem à Casa Branca, a 28 de fevereiro, quando os dois protagonizaram uma discussão em frente aos media.
Por sua vez, Marco Rubio disse aos jornalistas na segunda-feira (10), no voo em direção à Arábia Saudita, que espera sair da reunião com a sensação de que a Ucrânia está preparada para “fazer coisas difíceis” para acabar com a guerra. Afirmou também que a Ucrânia deve estar preparada para a possibilidade de perder alguns dos territórios que hoje são ocupados pelos russos.
“Os russos não podem conquistar toda a Ucrânia e, obviamente, vai ser muito difícil para a Ucrânia, num prazo razoável, arranjar forma de forçar os russos a recuarem por completo até onde estavam em 2014”, disse aos jornalistas, citado pelo Times, admitindo não saberem “quão afastadas estão realmente as duas partes”.
Nesse momento com a comunicação social, o secretário de Estado norte-americano comentou ainda a possibilidade de um cessar-fogo parcial, com tréguas aéreas e marítimas, que estará a ser sugerido pelos ucranianos. A ideia surgiu para mostrar aos Estados Unidos que as negociações estão a resultar.
Por onde deve passar a paz?
“Já havia indícios de que a guerra entre Ucrânia e Rússia terminaria em 2025”, comenta a professora de Relações Internacionais da Universidade do Minho, Sandra Fernandes. Segundo a especialista, esta “guerra aberta de alta intensidade” exige muitos recursos, e a ajuda dos países ocidentais, que patrocinam o lado ucraniano, “não poderia durar para sempre”. Além disso, as previsões mostram uma baixa possibilidade de evolução para qualquer um dos lados.
Donald Trump mostrou-se sempre interessado, desde a campanha eleitoral, em cessar o conflito e prometeu fazê-lo rapidamente. Num primeiro momento, no início de fevereiro, o presidente dos EUA anunciou que tinha acordado com Vladimir Putin iniciar negociações pelo fim da guerra, mas a iniciativa foi logo contestada por Zelensky, que afirmou que não haveria possibilidade de acordo sem a inclusão da Ucrânia nas negociações.
Com o passar do tempo, os líderes de Washington e Kiev geraram cada vez mais atrito entre si. Enquanto Zelensky criticava a maneira como Trump liderava as negociações, o magnata tecia fortes críticas ao presidente da Ucrânia e mostrava-se cada vez mais pró-Rússia. Nos últimos dias, o presidente americano interrompeu a ajuda financeira a Kiev, além de suspender a passagem, para os ucranianos, de informações classificadas, captadas pelos radares americanos sobre as movimentações russas.
À luz da retórica de Trump e de diversos elementos da sua administração, o fim da guerra deverá passar por diversas medidas políticas e económicas que, para a professora Sandra Fernandes, são extremamente arriscadas para a Ucrânia e para a Europa.
Uma das medida pode passar pela destituição da presidência de Zelensky, a quem Trump chamou “ditador sem eleições”, com o site Politico a avançar que há já elementos próximos do presidente norte-americano em conversações secretas com a oposição ucraniana e fontes da administração a dizerem à NBC que Trump quer Zelensky a avançar no sentido da organização de eleições no território como condição para assinar o acordo das terras raras com os americanos e para voltar a partilhar informação classificada.
Outra medida, a mais “problemática” na visão da investigadora, é a cedência dos territórios ocupados pela Rússia. Atualmente, os russos controlam aproximadamente 20% do território ucraniano, no leste e sudeste do país, uma região rica em minérios e indústria.
A terceira medida, desta vez de âmbito económico, também gerou grande polémica. Trata-se da cedência de direitos de exploração de minérios em solo ucraniano aos Estados Unidos. De entre esses minérios, estão metais considerados fundamentais para as novas indústrias e materiais das chamadas terras raras.
A exploração de terras ucranianas
Tal exigência feita por Donald Trump foi justificada como sendo uma compensação pela ajuda financeira dada pelos Estados Unidos durante os três anos de guerra. O valor total disponibilizado no apoio diverge entre as partes. Enquanto o presidente americano afirma que o seu país enviou entre 300 e 350 mil milhões de dólares, Zelensky insiste que só cerca de 75 mil milhões chegaram ao seu país.
Apesar de Trump ter acusado posteriormente o presidente ucraniano de ter “desaparecido” com metade do apoio enviado, dados de fontes oficiais do governo americano, citados pela Euronews, mostram que foi aprovado o envio de 182 mil milhões à Ucrânia, mas que apenas 83,4 mil milhões foram efetivamente enviados, enquanto o resto do montante está pendente de aprovação ou de autorização para pagamento.
Não se sabe ao certo o teor do acordo de exploração de minerais. Entretanto, sabe-se que ele dá aos Estados Unidos o direito a explorar uma série de minerais preciosos, além de gás natural e petróleo. Boa parte dos minérios que atraem a atenção de Trump fazem parte das consideradas “matérias-primas críticas”, um conjunto de elementos que são fundamentais para as novas indústrias tecnológicas.
As listas de “matérias-primas críticas” variam de acordo com o local em que se elabora. No caso da União Europeia, foram elencados 34 materiais, em sua maioria metais. Desses, 17 estão presentes em solo ucraniano e são conhecidos por “terras raras”. Esses elementos têm esse nome porque não são encontrados juntos, em grandes quantidades, e a sua extração é considerada complexa. Alguns desses elementos são fundamentais na produção de baterias, ecrãs, imans de resistência e ligas metálicas.
O acordo já foi aceite, mas ainda não foi assinado pela Ucrânia. No final do mês passado (28), Zelensky esteve na Casa Branca, onde assinaria o acordo, mas teve desentendimentos com Trump e os dois discutiram em frente aos media. A situação gerou constrangimento de ambas as partes, o encontro foi interrompido e as demais ações planeadas para a visita [como a assinatura do acordo] foram suspensas. Espera-se que o acordo seja assinado em breve.
Alteração na dinâmica geopolítica
As movimentações de Trump como presidente estão a alterar as relações dos Estados Unidos com os países ao redor do globo. A maneira como ele lida com as negociações pela paz na Ucrânia geram grande aflição na Europa. De acordo com a professora Sandra Fernandes, a tensão reside no facto de o atual presidente americano ser pró-russo, ao contrário de seu antecessor, Joe Biden.
Trump, além de ter exigido o ressarcimento do apoio financeiro americano, num primeiro momento, não envolveu os ucranianos nas negociações por um cessar-fogo. Além disso, até agora, não deu garantias de segurança à Ucrânia ou à Europa em relação a possíveis ataques russos no futuro.
Para Sandra Fernandes, o cenário atual marca claramente uma “histórica mudança da relação transatlântica”, em que os países europeus não põem em causa a relação com os Estados Unidos, mas fazem um movimento no sentido de alcançarem uma maior autonomia militar. Para a docente, os líderes europeus não sabem ainda o que esperar de Trump e querem ver até onde ele vai com a política “Make America Great Again”.
Conselho Europeu ao lado da Ucrânia
Os líderes dos países da União Europeia reuniram-se na última quinta-feira (6), em Bruxelas, para debater o futuro da Ucrânia e as negociações para o fim da guerra lançadas pela administração Trump. No sentido contrário ao do presidente norte-americano, que demonstra uma proximidade maior com a Rússia, os europeus mostram-se mais alinhados com a Ucrânia.
Na reunião, foi destacada a importância de se incluírem ucranianos e europeus nas negociações. Além disso, afirmaram que qualquer acordo de paz deve incluir garantias de segurança para o país atacado e que as tentativas de paz devem respeitar a soberania e integridade territoriais ucranianas.
António Costa, presidente do Conselho Europeu, afirmou que “o acordo [que venha a ser fechado] não pode ser um prémio ao infrator” e que a “ambição expansionista e dominadora da Rússia vai para lá da Ucrânia”.
Editado por Filipa Silva