Foi debatida esta terça-feira (11) a moção de confiança proposta pelo governo de Montenegro. Sem surpresas, a moção foi chumbada e o governo caiu após um ano e um dia em funções. Os portugueses devem voltar às urnas em maio para decidir o futuro do país, mergulhado numa nova crise política.
Debate parlamentar durou toda a tarde e não encontrou consenso. Foto: Gonçalo Borges Dias/GPM
A moção de confiança apresentada pelo Governo foi discutida e chumbada, esta terça-feira, no Parlamento, com os votos contra do PS, Chega, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN, o que implica a queda do executivo liderado por Luís Montenegro. Durante o debate, que teve várias interrupções, muitos apartes e momentos de tensão dentro e fora do plenário, o PS desafiou o primeiro-ministro a retirar a moção e a responder à comissão parlamentar de inquérito (CPI) sugerida pelos socialistas. O Governo admitiu retirar a moção, se os socialistas aceitassem uma CPI com duração inferior a 60 dias, para garantir que a crise política não se arrastasse indefinidamente.
Luís Montenegro abriu o debate questionando os deputados sobre “se há ou não confiança institucional no parlamento”. O primeiro-ministro reforçou que tem a consciência tranquila e garantiu que “exerceu as funções em exclusividade”. No entender do líder da AD, a votação da moção serve para “definir o rumo do país”. Dirigindo-se aos socialistas, Montenegro questionou se o PS se iria juntar ao Chega para “destruir um governo democrata” e advertiu que a “a posição do PS é decisiva para se saber se há ou não eleições”.
Montenegro acusou o Partido Socialista de querer “chicana política” e de contribuir para o populismo. Durante o discurso, o primeiro-ministro propôs suspender a sessão, caso o partido de Pedro Nuno Santos estivesse disposto a fazer as perguntas que entendesse necessárias ali mesmo, no plenário.
Foi Paulo Núncio, do CDS, que iniciou a ronda de intervenções dos partidos. O deputado desafiou Pedro Nuno Santos a responder ao apelo de Montenegro e a “acabar com a irresponsabilidade”, para evitar que o país entre numa “crise política”.
À esquerda, Mariana Mortágua, do Bloco, afirmou que, inicialmente, o partido entendeu que não havia conflito de interesses entre a empresa “Spinumviva” e a lei dos solos e retirou “boas explicações” do debate da primeira moção de censura.
No entanto, a líder do Bloco de Esquerda afirmou que afinal a Spinumviva não é aquilo que o primeiro-ministro fez parecer. Além disso, Mariana Mortágua reforçou que Montenegro não prestou os esclarecimentos necessários: “Continuamos sem saber o nome dos clientes não regulares, o valor das avenças, a prova dos serviços, quem prestou, como prestou, qual o vínculo desses colaboradores e quanto foi cobrado por essa prestação”. Mortágua concluiu o discurso questionando Montenegro: “Se não quer eleições, porque é que apresenta a moção de confiança?”
Da bancada do Chega, André Ventura criticou a recandidatura de Montenegro ao cargo de primeiro-ministro, se assim acontecer. Já em tom de campanha, Ventura afirmou que acredita que o seu partido vencerá as eleições e contrariou Montenegro sobre a situação atual do país: “temos hoje um país pior do que tínhamos”, afirmou. O líder do Chega lamentou a “arrogância” de Montenegro e sublinha que o “não é não” dito ao Chega no início do mandato do primeiro-ministro poderá ser responsável por levar o socialismo ao Governo “nas próximas semanas”.
Inês Sousa Real, única deputada do PAN, afirmou que o Parlamento está “há 19 dias a debater idoneidade” e apelou ao primeiro-ministro para que retirasse a moção de confiança e conversasse com a oposição.
O PCP, que viu a sua moção de censura chumbada na última semana, entendeu que esta moção de confiança é um “exercício de vitimização” e por isso, convidou o primeiro-ministro a demitir-se. Paulo Raimundo acusou Montenegro de querer “justificar o injustificável”.
À direita, Rui Rocha da Iniciativa Liberal entende que “todos os responsáveis políticos têm falhado”, ao andarem num “jogo de espelhos” que revela “uma enorme irresponsabilidade”. O líder da IL garantiu que os portugueses não querem ir a eleições legislativas antecipadas e, para evitar esse cenário, o partido anunciou o voto a favor desta moção de confiança.
Em resposta, Montenegro realçou que não está interessado em eleições, mas sim “em condições” para governar e reafirmou estar disposto a prestar todos os esclarecimentos.
O secretário-geral do PS tomou a palavra. Pedro Nuno Santos afirmou que o primeiro-ministro “só se pode queixar de si próprio” e que o partido deu as condições necessárias para o governo continuar. O socialista acredita que o único objetivo desta moção é “ir para eleições antes da comissão parlamentar de inquérito”. “Retire a moção e aceite a comissão”, atirou Pedro Nuno Santos a Luís Montenegro.
Rui Tavares do Livre fez a referência ao caso do primeiro-ministro canadiano, exemplo que Montenegro deveria ter seguido. O Livre frisou que o chefe do Governo deveria ter dado a empresa a uma gestora profissional independente e pediu “mais exigência e lealdade” uma vez que, “só a lealdade traz confiança.” Rui Tavares acrescentou que o partido iria chumbar a moção de confiança.
Trabalhos interrompidos, mas PS e PSD não chegaram a acordo
O debate já ia nas duas horas, quando numa das intervenções o líder parlamentar da AD pediu uma suspensão dos trabalhos, para que Montenegro e Pedro Nuno Santos pudessem conversar, numa reunião à porta fechada. No entanto, o requerimento apresentado por Hugo Soares foi chumbado e o debate prosseguiu. PS, Chega, PCP e BE votaram contra. Livre e PAN escolheram a abstenção, enquanto o PSD, CDS e IL votaram a favor. Depois de ver o pedido rejeitado, Hugo Soares saiu do hemiciclo e esteve em conversações com vários deputados do PS.
Alexandra Leitão insistiu que os esclarecimentos prestados devem ser públicos e desafiou mais uma vez o primeiro-ministro: “Se quer prestar esclarecimentos, faça-o publicamente. Sujeite-se à CPI e retire a moção de confiança”, atirou. Já Mariana Mortágua frisou a questão das avenças recebidas pelo primeiro-ministro e falou em “jogo político”.
O ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, tomou a palavra em nome do governo e avançou com uma nova proposta: “Seguir o que foi sugerido pelo PS [a CPI] e, nos próximos horas ou dias, definirmos a documentação. Com o compromisso de que em 15 dias se apresentarão resultados e conclusões”.
Em resposta ao governo, o Partido Socialista defendeu uma CPI séria, com “o apuramento da verdade”, onde se cumpram as regras e, por isso, relançou novamente o desafio ao governo de retirar a moção de confiança, mas Pedro Duarte insistiu numa resposta concreta dos socialistas.
Alexandra Leitão retorquiu: “Uma CPI de 15 dias não é uma CPI”. A socialista afirmou que o prazo mínimo aceitável para uma análise rigorosa são os 90 dias sugeridos pelo partido, deitando assim por terra um entendimento entre os dois partidos. Hugo Soares respondeu que o PSD “tentou de tudo” para não levar o país a eleições antecipadas. “O Partido Socialista mostrou ao país ao que vem: quer eleições e só pensa no interesse do seu secretário-geral e no interesse partidário”, declarou o líder parlamentar do PSD.
Ventura fez uma última intervenção neste debate e culpou Montenegro pela queda do Governo. O líder do partido afirmou que o Partido Social Democrata escolheu os socialistas em vez do Chega como aliado para as decisões e “é por isso que este governo cai”.
Quase a terminar o debate, Hugo Soares lamentou que “entre o país e o PS, o PS escolheu o PS”. Da bancada dos socialistas, Pedro Delgado Alves apelou, mais uma vez, ao governo para retirar a moção de confiança e evitar instaurar uma “comissão de inquérito de farsa”.
Coube ao ministro das Finanças encerrar o debate. Miranda Sarmento enumerou várias medidas implementadas pelo governo da AD, que visaram “uma vida melhor para todos” e foi aplaudido de pé pelos deputados das bancadas do PSD e do CDS.
Nenhum partido escolheu a abstenção
A sessão do parlamento ficou interrompida por uma hora, a pedido do CDS, antes de se proceder à votação final.
Antes de se voltarem aos trabalhos, Pedro Duarte afirmou aos jornalistas que o PS “empurrou o país para uma crise política”, levando os portugueses novamente às urnas.
O ministro dos Assuntos Parlamentares frisou que a proposta do governo foi construtiva e que, durante a suspensão dos trabalhos, sugeriram um novo prazo para a CPI, até ao final de maio, cenário perante o qual o PS não terá apresentado uma contraproposta.
A sessão retomou no plenário e foi tempo da votação. Sem surpresas, o PS, Chega, Bloco de Esquerda, Livre, PAN, PCP e rejeitaram. O CDS, IL e PSD votaram a favor. Nenhum dos partidos escolheu a abstenção. Esta quarta-feira (12), o Presidente da República vai ouvir todos os partidos com assento parlamentar e convocou para quinta-feira (13) o Conselho de Estado. Tendo por base as declarações do próprio Marcelo Rebelo de Sousa, o país deve voltar a ter eleições legislativas antecipadas em maio.
Editado por Filipa Silva