Numa época de mudança de ciclo diretivo e técnico, o FC porto encontra-se a atravessar a pior época dos últimos dez anos. Mas será Anselmi é o grande responsável? O JPN conversou com Luís Freitas Lobo e José Manuel Ribeiro sobre o tema.
Martín Anselmi ainda não conseguiu fazer o FC Porto apresentar um bom futebol. FC Porto | Facebook
O FC Porto enfrenta uma época difícil. Na sequência de uma profunda transição de comando, tanto diretivo como técnico, com as saídas, no ano passado, de Jorge Nuno Pinto da Costa – que foi 42 anos presidente dos dragões – e de Sérgio Conceição – que treinou a equipa durante sete temporadas -, os dragões vêem-se a passar a pior temporada dos últimos anos. Martín Anselmi chegou há menos de dois meses e não conseguiu ainda estabilizar a equipa. Por que razão? Um sistema de jogo ainda em “dessintonia” com os jogadores, os erros individuais em números “muito anormais” e as limitações do plantel são alguns fatores que podem ajudar a explicar o momento da equipa, atual terceira classificada do campeonato. Mas vamos por partes.
Vítor Bruno, o antigo adjunto de Sérgio Conceição, começou a época 2024/2025 com a difícil missão de conseguir bons resultados com um plantel que já sofria da desconfiança dos adeptos desde a época anterior e sem a possibilidade de fazer grandes contratações devido à má condição financeira do clube.
Na sua primeira missão como técnico principal, tentou, mas não conseguiu convencer nos 29 jogos em que esteve à frente da equipa. Apesar de conquistar a Supertaça no início da época, foi despedido a 20 de janeiro deste ano, após três derrotas consecutivas (1-0 contra o Sporting, 2-0 contra o Nacional e 3-1 contra o Gil Vicente). Desta maneira, o antigo treinador disse adeus ao clube com 18 vitórias, três empates e oito derrotas.
A culpa é do sistema?
Martín Anselmi desembarcou na cidade Invicta em finais de janeiro, com o objetivo de reverter a má fase dos dragões. O argentino, que vinha do Cruz Azul, do México, chegou como uma grande aposta ao ter alcançado bons resultados com um estilo de jogo próprio nos clubes por onde passou. Na apresentação aos meios de comunicação social, foi considerado por André Villas-Boas como “o líder” que a equipa precisava.
Logo no segundo jogo, Anselmi promoveu uma drástica mudança no esquema tático da equipa. Armou os jogadores em 3x4x3, um esquema que é a sua marca registada desde o Independiente del Valle, do Equador, primeiro clube do argentino como técnico principal, e onde conquistou cinco troféus. Ao comando dos dragões, até agora, a equipa enfrenta grande dificuldade em jogar desta maneira.
Além de sofrer com uma defesa frágil, com uma média de um golo sofrido por jogo, a equipa também não consegue atacar de maneira eficiente. Na última partida (8), contra o SC Braga, o FC Porto não foi capaz de rematar à baliza uma única vez na segunda parte. Até agora, o treinador venceu apenas três vezes (contra o Maccabi Tel Aviv, Farense e Arouca). Além de ter quatro empates e duas derrotas – uma delas valeu na eliminação para a Roma na Liga Europa. Além disso, sob o seu comando, o FC Porto ainda não venceu no Estádio do Dragão.
Para Luís Freitas Lobo, analista e comentador de futebol da Sport TV, há uma grande “dessintonia” entre as características dos jogadores e a forma de jogar proposta pelo treinador. Em declarações ao JPN, Freitas Lobo também afirmou que “é claro que Anselmi tem de se adaptar mais aos jogadores que tem e não tanto querer fazer adaptar os jogadores à sua ideia de jogo”.
Ainda assim, o comentador afirma que o insucesso da equipa nos últimos tempos não pode ser atribuído apenas ao treinador e que há “uma série de condicionantes” que levaram o clube à situação em que se encontra. Para ele, isso também se deve à limitação do plantel: “se ele tivesse um plantel com outra qualidade e características, as ideias dele podiam resultar”.
José Manuel Ribeiro, antigo diretor de “O Jogo”, e atual comentador no Canal 11, é da mesma opinião de Freitas Lobo e ainda acrescenta que grande parte do problema está nos erros individuais dos jogadores.
“Não consigo perceber até onde é que o sistema ou a utilização que é feita do sistema é mais importante nesses resultados do que os erros individuais, que são muitos, muitíssimos, demasiados para uma equipa, já não digo que queira ser campeã, mas uma equipa de meia tabela para cima. Não pode errar tanto”, afirmou.
Sobre as críticas acerca da mudança de estilo de jogo repentina promovida por Martin Anselmi, Ribeiro lembrou que isso já se passou anteriormente no FC Porto. Em 2013, Paulo Fonseca (atualmente no Lyon, da França) chegou do Paços de Ferreira em condição similar ao argentino: sem experiência em clubes grandes, com ideias muito diferentes das que existiam no clube e com um plantel limitado.
Para o comentador, Fonseca sofreu com críticas injustificadas sobre o seu estilo de jogo e isso contribuiu para sua saída do clube. Para ele, deve-se levar em consideração a qualidade do plantel e o impacto dos jogadores nos resultados, na hora de avaliar o trabalho de um treinador: “não se pode deitar fora o bebé com água de banho”, comenta.
Além disso, José Manuel Ribeiro acredita que o problema da equipa não é o novo sistema. Questionado sobre se Anselmi devia recuar e voltar ao antigo esquema de jogo, o ex-diretor d'”O Jogo” foi enfático ao afirmar que “a produção ofensiva do Porto seria exatamente a mesma, com uma diferença: que os laterais teriam menos liberdade do que a que têm agora. Não adiantaria muito colocar mais um médio, porque não há [no plantel] um médio que venha a contribuir”, declarou.
As peças que faltam
É consenso entre os dois comentadores que um problema grave enfrentado por Anselmi é o facto de não possuir jogadores à disposição com as características que o seu estilo de jogo exige. Além de ter um plantel que pode ser considerado mais fraco em comparação com os dois grandes rivais, o FC Porto ainda perdeu Galeno e Nico González na última janela de transferências, que foram para o Al-Ahli (Arábia Saudita) e Manchester City, respetivamente.
Os dois jogadores, que eram presenças constantes no 11 inicial da equipa, não tiveram as suas saídas compensadas à altura. Para a vaga de Galeno, chegou William Gomes, jovem avançado brasileiro que é capaz de atuar nas mesmas funções do seu compatriota, mas que apesar de gerar grande expectativa, ainda é inexperiente e tem apenas 25 jogos na carreira.
Para José Manuel Ribeiro, o FC Porto deve melhorar, acima de tudo, a qualidade dos seus centrais, “mas isto em qualquer modelo de jogo”. Afirma, também, que o estilo tático do treinador pede centrais com características diferentes, “um pouco acima da média no tratamento da bola”.
José Manuel Ribeiro explica parte da dificuldade da equipa ao citar o passado de Anselmi: “na maior parte das boas épocas que ele fez, o central do meio não era um central, era um médio defensivo, e, portanto, pode ser essa uma das dificuldades, porque não há médios que cheguem para ele fazer isso, tirando o Tomás Pérez, que acabou de chegar e tem 19 anos”.
Além disso, Ribeiro também citou o problema no meio-campo. Para ele, após a saída de Gonzaléz, a equipa ficou com dois médios de características iguais (Alan Varela e Eustáquio) e isso faz com que haja dificuldade na construção de jogo. “Nenhum deles é um jogador particularmente lúcido ofensivamente, capaz de um rasgo que altere o jogo. Também nenhum dos dois tem o comando que é preciso ter no meio-campo, mas, sobretudo, em termos de características, falta um ‘oito’”, analisa.
Freitas Lobo segue a mesma linha de Ribeiro e afirma que na hora de reforçar o plantel, o FC Porto deve pensar nos defesas como “o ponto principal”. Concorda também que falta versatilidade à equipa – “Tem que ter médios com outras características” –, além de reconhecer o défice criativo: “[falta] aquele ‘número 8’, na criação, que pode ser feita desde trás. Não é só a criação lá na frente”.
Apesar das dificuldades encontradas na época e do desempenho aquém do esperado, o treinador conta com a confiança dos dois comentadores. José Manuel Ribeiro afirma que estudou o modelo de jogo do treinador no Cruz Azul e gostou do que viu: “uma equipa com princípios muito modernos de pressão, de uma pressão bem feita, bem coordenada, nos sítios certos, com uma pressão que resultava e com um ataque variado”.
Afirma também que manteria o treinador para a próxima época e que o desempenho até agora não pode ser propriamente avaliado, por ser superado pelos erros individuais, que considera “demasiados e muito anormais”.
Freitas Lobo é enérgico ao afirmar que manteria Anselmi no cargo, mas criticou a momento da contratação. A ideia de jogo do treinador é tão diferente daquilo que o FC Porto estava a fazer e a sua forma de jogar é tão difícil de colocar em prática com os jogadores que o FC Porto tem, que o que está a acontecer hoje era previsível, na visão do comentador. “É um excelente treinador para o FC Porto, mas para começar a época. Para fazer a pré-época, escolher a equipa, escolher os jogadores, na medida que pode. Agora, já vai começar a próxima época um bocado queimado”, analisa Freitas Lobo.
A sequência de uma má temporada
Com 50 pontos conquistados em 25 jogos, os dragões correm sérios riscos de alcançar um recorde negativo: o da época com menos pontos conquistados desde 2014/2015, quando a Liga Portugal voltou a ter 18 equipas. A pior marca do clube no período foi na temporada passada, quando conquistou 72 pontos na liga. Este ano, para igualar a pontuação, a equipa precisa somar pelo menos mais 22 pontos de entre os 27 possíveis. Ou seja, pelo menos sete vitórias e um empate nos próximos nove jogos.
Os últimos adversários da equipa na Liga Portugal deste ano são: AVS (casa), Estoril (fora), Benfica (casa), Casa Pia (fora), Famalicão (casa), Estrela da Amadora (fora), Moreirense (casa), Boavista (fora) e Nacional (casa).
O FC Porto volta à ação no próximo sábado (15), contra o AVS SAD, no Estádio do Dragão, às 18h00.
Editado por Filipa Silva