A sexta sessão das “Conversas debaixo da Ponte”, no Museu do Carro Elétrico, contou com a participação do engenheiro Miguel Ferraz, que explicou o processo de construção de uma ponte e esclareceu dúvidas da comunidade sobre o impacto das obras na zona do Vale de Massarelos, onde estão a nascer as fundações da "Ferreirinha".

“Conversas debaixo da Ponte”, iniciativa do Observatório do Vale de Massarelos sobre a Ponte Ferreirinha, têm lugar no Museu do Carro Elétrico, uma vez por mês. Foto: Bárbara Sequeira Pinto/JPN

O Museu do Carro Elétrico recebeu, na passada terça-feira (11), a sexta sessão das “Conversas debaixo da Ponte”, intitulada “Como se constrói uma ponte?”. O encontro contou com a participação de Miguel Ferraz, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), que “trocou por miúdos” o processo de construção de uma ponte, nomeadamente, onde intervém o engenheiro e onde entra o arquiteto. O modo como a edificação se integra na comunidade da zona onde vai nascer e a escolha desse local são exemplo das várias questões exploradas.

Miguel Ferraz começou por explicar a função das pontes: “surgem porque existe uma necessidade. Temos que distinguir o que são pontes e o que são viadutos. O objetivo primordial de uma ponte é atravessar uma massa de água, enquanto um viaduto atravessa outras estruturas ou terrenos irregulares”.

O engenheiro descreveu ainda que a necessidade de construir uma ponte é algo “muito técnico”, que envolve cálculos, materiais específicos e normas de segurança. “Os arquitetos, em princípio, não têm muito a dizer em relação à solução estrutural, mas o seu papel pode ser importante na integração da ponte na paisagem e na experiência dos utilizadores. Hoje, as pontes precisam não só de cumprir a sua função estrutural, mas também de dialogar com a cidade, o ambiente e as pessoas que por ali passam”, sublinhou o docente da FEUP.

Quando questionado sobre a escolha arquitetónica da Ponte Ferreirinha, Miguel Ferraz falou sobre a inspiração na Ponte da Arrábida, que, à data da inauguração, em 1963, tinha o maior arco em betão armado do mundo. “Todos os projetistas que concorreram para esta ponte, fizeram uma ponte em arco. E porquê? Por causa da existência da Ponte da Arrábida”, fundamentou, enfatizando a importância de preservar tanto o património histórico quanto a paisagem ao redor do Vale de Massarelos.

Durante a apresentação, o engenheiro usou uma metáfora para explicar o princípio do pré-esforço, fundamental para garantir a segurança das estruturas, enquanto o arco está a ser concebido: “imaginem dez livros seguidos. Se os quisermos levantar na horizontal, todos ao mesmo tempo, que movimento iremos utilizar?”.

Miguel Ferraz afirmou que a preocupação com o equilíbrio dinâmico das estruturas ganhou mais relevância nos últimos anos, especialmente, por exemplo, após o fecho temporário para manutenção da ponte Millennium (ponte pedonal em Londres), devido a problemas de segurança relacionados com a abertura de fendas. Tendo em conta as respostas dadas pelos participantes na conversa foram ao encontro do pretendido, o engenheiro destacou a importância da compressão entre peças durante a construção de uma ponte, a fim de evitar um excesso de movimento (oscilação) da estrutura, que propicia a formação de fendas e outro tipo de danos.

Em tom de brincadeira, Miguel Ferraz foi questionado a propósito da sua tese de doutoramento intitulada “Modelo para Avaliação do Comportamento Estrutural de Obras de Arte”. O engenheiro respondeu que uma ponte pode ser considerada uma obra de arte, afirmando de forma categórica que se “qualquer engenheiro civil almeja vir a construir uma ponte, claro que uma ponte é uma obra de arte.”

Neste encontro, alguns moradores de Massarelos expuseram algumas preocupações relativas ao impacto das obras: “o que vai ser feito quando se começar a construir o pilar ou o arco? Vai perturbar o trânsito, vai perturbar muito esta zona, as pessoas não vão poder circular aqui durante uns meses ou vão?”. Segundo o engenheiro convidado, Miguel Ferraz, perguntas como estas vão ter de ser respondidas por “alguém ligado à própria questão da obra”. No final da sessão, o grupo saiu e foi até à Rua da Boa Viagem, para ver o estado da construção dos pilares do lado de Gaia.

Seis meses de conversas sobre a nova ponte

O Observatório do Vale de Massarelos, que organiza as “Conversas debaixo da Ponte”, é promovido pelo Museu do Carro Elétrico, a Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP) e a Associação de Moradores de Massarelos. A iniciativa tem acompanhado de perto o nascimento da nova ligação entre Porto e Gaia, a Ponte Ferreirinha, com a realização de uma reunião no início de cada mês, desde outubro do ano passado. O objetivo é dar espaço para ouvir e responder às dúvidas da comunidade (e, sobretudo, do Bairro) de Massarelos, a mais afetada do lado da Invicta, mas a participação é aberta a todos os interessados.

A primeira reunião das “Conversas debaixo da Ponte” aconteceu em outubro e consistiu numa ida a pontos da cota alta (zona de Gólgota) e da cota  baixa da freguesia (marginal), para o grupo recolher oralmente opiniões, dúvidas sobre as obras da Ponte Ferreirinha.

Em novembro, entre os presentes estiveram uma aluna da FAUP, representantes de uma empresa de materiais de construção, uma moradora do Bairro de Massarelos e uma porta-voz da Associação para o Museu dos Transportes e Comunicações, além de funcionários do Museu. O grupo foi ao Vincci Hotel e à Confeitaria Portilho, para perceber qual a perspetiva destes estabelecimentos sobre a construção da ponte.

Catarina Nolasco, a gerente do hotel, mostrou preocupação com a sua equipa, que está dependente de um só autocarro ou do elétrico para chegar ao local de trabalho, caso se desloque em transportes públicos. Por outro lado, a responsável tem esperança de que, com o surgimento da nova ponte, os transportes na zona melhorem também. Já o dono da confeitaria tem uma perspetiva muito positiva, tanto a nível pessoal como profissional, porque acredita que a “Ferreirinha” vai trazer novos clientes ao café.

Na terceira “Conversa debaixo da Ponte”, o grupo dirigiu-se ao Bairro de Massarelos e, mais uma vez, à marginal, com o objetivo de saber o que pensam sobre a futura Ponte Ferreirinhab as pessoas que vivem, trabalham e passam por estas zonas. No caminho até ao bairro, o grupo falou com Maria Augusta, uma moradora, que se mostrou entusiasmada pela criação de uma nova estação de metro “à porta” de sua casa. No entanto, revelou-se também bastante receosa pelo ruído que pode vir a causar.

Em janeiro, Laís Pettinati, doutoranda na FAUP, contribuiu para o Observatório, uma vez que a tese que está a desenvolver desde 2021 estuda o território do Vale de Massarelos, com base na identificação dos principais atributos, valores e problemas, quer a nível tangível, como intangível.

A sessão do Observatório de fevereiro convidou os participantes a refletir sobre as pontes, não apenas como estruturas físicas, mas também como metáforas das conexões que criamos na vida.

Ponte D. Antónia Ferreira: a nova ligação entre Porto e Gaia

A Ponte D. Antónia Ferreira, conhecida como a “Ferreirinha”, vai ser construída entre a zona da Arrábida, em Vila Nova de Gaia, e o Campo Alegre, em Massarelos, no Porto. Esta construção integra a futura Linha Rubi (H) do Metro do Porto, que vai ligar Santo Ovídio à Casa da Música. As obras da Linha Rubi começaram no início de 2024 e devem estar concluídas até ao final de 2026. Esta vai ser a sétima ponte a unir Porto e Vila Nova de Gaia, mas a primeira a ser dedicada exclusivamente ao metro e à circulação pedonal e ciclável.

Editado por Filipa Silva