A Nova de Lisboa vai coordenar um estudo nacional de nove meses, com investigadores de mais sete instituições e ensino, sobre a utilização de Inteligência Artificial nos media portugueses. O JPN falou com o investigador principal do projeto, Paulo Nuno Vicente.

O quarto congresso de jornalistas em Portugal vai realizar-se emm 2017, quase 20 anos depois do último

A IA já chegou às redações nacionais? Foto: KOMUnews/Flickr

Paulo Nuno Vicente é o investigador principal do estudo de nove meses que vai ser coordenado pelo Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa (ICNOVA) sobre a presente aplicação de Inteligência Artificial (IA) no jornalismo, em Portugal. Além do estado da arte neste campo, o projeto quer também deixar contributos para o futuro. Embora a coordenação científica e operacional tenha sede na Nova de Lisboa, a equipa contar com a participação de investigadores de mais sete universidades.

Um dos objetivos do projeto passa, então, pela “sensibilização e consciencialização do setor jornalístico em Portugal sobre a Inteligência Artificial”, explicou o investigador da Nova ao JPN. Outra finalidade do estudo é a “avaliação e contextualização do cenário nacional” sobre o uso de inteligência artificial nos “diferentes órgãos de comunicação social portuguesa”.

O estudo será baseado num “grande questionário nacional”, em parceria com a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, de modo a fazer com que “o questionário chegue ao maior número possível de jornalistas profissionais”. Além disso, serão também feitas entrevistas a grupos focais. Com esta abordagem quantitativa, a equipa ambiciona chegar a um “diagnóstico de larga escala”.

Paulo Nuno Vicente prevê um “período muito intensivo para o trabalho de campo”, entre os meses de abril e julho e acrescenta que a partir de setembro o foco vai estar na “análise do próprio estudo”.

Para além do “diagnóstico” dos media portugueses, o projeto ambiciona também “abrir caminhos para o desenho de possibilidades” para as “redações do futuro”. Nesse sentido, o investigador principal do estudo reforça o quão importante é “ouvir os ambientes onde se formam os futuros jornalistas”.

Um projeto abrangente na geografia e nos formatos

Para que o estudo seja verdadeiramente representativo, tem de ser feito em todas as regiões do país e em todos os suportes de media.

Quanto à representatividade geográfica, Paulo Nuno Vicente garante que o estudo vai ser de âmbito “nacional”, sem deixar de parte as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Para além de contar com a colaboração de alguns dos principais grupos e media nacionais (Impresa, Media Capital, Agência Lusa, Observador, Público, RTP, Renascença Multimédia e TSF), o estudo vai também ser aplicado em meios de comunicação regionais e locais. “Não queremos que seja um estudo centrado no litoral, queremos também olhar para sítios onde já existem poucos meios de comunicação”. Sobre os formatos, Paulo Vicente garantiu que a abrangência de todos os suportes de media está também assegurada.

Para além de “auscultar” os meios de comunicação, o projeto vai também ter em consideração entidades reguladoras como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social e a Comissão Nacional de Proteção de Dados

“Auscultar o setor tecnológico”, desde especialistas em ciências da computação até empresas Big Tech, como a Google e a Meta, também faz parte da lista de objetivos do projeto.

Oito universidades, 70 mil euros e nove meses para executar

O investigador e coordenador do iNOVA Media Lab explicou que o projeto surgiu de uma candidatura realizada ao Fundo Europeu para os Media e Informação. Dada a necessidade de realizar um estudo “abrangente e transversal”, estão envolvidos 12 investigadores especializados em diversas áreas e de oito universidades.

Além da Nova de Lisboa, participam investigadores da Universidade do Minho, Universidade Católica Portuguesa, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Universidade Europeia, Universidade da Beira Interior, Universidade de Coimbra e Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no Brasil.

Por estar “consciente” da brevidade do projeto, Paulo Nuno Vicente afirma que a equipa vai estar “organizada por eixos temáticos” e que em determinadas alturas, várias subequipas terão de “trabalhar em simultâneo e de forma paralela em diferentes frentes”. Embora reconheça o “desafio”, o coordenador da iNOVA Media Lab assegura o contributo de uma “equipa experiente e preparada”.

O projeto é financiado pelo Fundo Europeu para os Media e Informação, que em Portugal é gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian. O orçamento máximo disponibilizado é de 70 mil euros.

“O Jornalismo sobreviverá sempre”

Paulo Nuno Vicente aponta a “plataformização do jornalismo” como uma das transformações mais “evidentes” das últimas décadas neste setor. Ainda assim, o investigador defende que “apesar de tudo, em Portugal tem havido uma lenta transição para o digital” e que a presença digital dos media “não se resolve apenas colocando coisas no feed das páginas de Instagram”. Segundo Paulo Nuno Vicente, é “necessário dar um salto para abraçar verdadeiramente novos formatos e novas formas de trabalhar”.

Porém, a evolução tecnológica não deixa de representar um desafio ao jornalismo, criando o chamado “dilema do inovador”. Isto é, as organizações de media têm de optar entre “alimentar o seu modelo de negócio tradicional” ou “investir fortemente na diversificação desse modelo”. De acordo com a visão de Paulo Nuno Vicente, Portugal ainda tem dificuldades em explorar a segunda opção.

O investigador afirma que existe uma elevada discrepância entre as “possibilidades” e o real “impacto da utilização de inteligência artificial no campo jornalístico”. “São muitíssimo poucas as redações em Portugal que têm no seu livro de estilo diretrizes internas para ajudar os seus jornalistas a definir como utilizar ou como não utilizar e se utilizar ou não”, acrescenta Paulo Vicente.

Nesse sentido, o investigador sublinha que existe “o risco de uma oportunidade desperdiçada” e reforça a ideia de que “se não for o jornalismo a liderar” o processo de análise de grandes quantidades de dados e documentos,  “outras entidades liderarão”, o que é um “risco ainda maior para o jornalismo”, uma vez que “a noção de instituição jornalística é absolutamente fundamental para a sobrevivência das democracias”.

O coordenador da iNOVA Media Lab acredita que “o jornalismo sobreviverá sempre”, por ser algo que depende de “um método de investigação de informação”, crucial em qualquer meio de comunicação. Contudo, Paulo Nuno Vicente não deixa de lembrar que é “absolutamente essencial que as empresas de media invistam” e que haja “mais vontade e proatividade das instituições jornalísticas”.

Segundo o investigador, o “ponto central” para que seja possível aliar a IA ao jornalismo é a existência de “um pensamento jornalístico e editorial sobre como utilizar e não sobre utilizar ou não. Para isso, há valores que não se podem perder, como é o caso da “transparência” que abrange a “obrigação deontológica de ser transparente com o leitor” sobre o uso de inteligência artificial: “se determinada peça ou investigação recorre a aplicações de IA, isso deve estar na assinatura do artigo”.

Quanto ao debate sobre os direitos de autor, que já deu origem a processos judiciais como os ques opõem a Getty Images à Stability AI ou o “The New York Times” à OpenAI e à Microsoft, Paulo Nuno Vicente lamenta que ainda não haja “uma grande preocupação com esse aspeto”, o que pode ser “problemático para o jornalismo”, uma vez que é um “risco para democracia do ponto de vista da sustentabilidade das instituições”.

Editado por Filipa Silva