Idosos e crianças são os que mais sofrem com os desalojamentos e mudanças de casa, por razões financeiras. As transformações da cidade do Porto afetam a saúde psicológica dos residentes. O ISPUP estudou o impacto da gentrificação e da insegurança habitacional na saúde dos habitantes do Porto.

Autarquia quer criar "algoritmo de monitorização da cidade" para observar pressão exercida pelo AL.

Gentrificação afeta sobretudo idosos e crianças da cidade do Porto. Foto: Francesca Gallina/Flickr

Os idosos são o grupo populacional mais afetado pela chamada gentrificação (ver caixa) e pela crise do mercado habitacional associada ao fenómeno. Esta faixa etária sente solidão e ansiedade e envelhece de forma menos saudável quando é forçada a mudar de casa, por razões económicas. Mudar de casa afeta ainda o desenvolvimento cognitivo das crianças com até dez anos. Os resultados constam do estudo “HUG: Os efeitos na saúde da gentrificação, da relocalização e da insegurança residencial nas cidades”, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), apresentado na semana passada.

O que é a gentrificação?

O termo “gentrificação” (do inglês gentry, que significa “pessoa de berço nobre”) serve para classificar o processo de transformação das características de uma área ou comunidade urbana, na qual a classe economicamente mais pobre é, paulatinamente, substituída por outra com maior poderio económico, por regra, em resultado de operações de requalificação urbana que conduz à prática de preços na habitação não comportáveis pelos residentes e comerciantes tradicionais.

Foi a localização do próprio ISPUP, na Rua das Taipas, em pleno centro histórico do Porto, que inspirou a realização do estudo. Em 2010, o ISPUP mudou-se para a baixa da cidade, numa altura em que Portugal passava por uma crise económica. Foi este o “observatório incrível” que serviu de base para o que se seguiu, como disse ao JPN Ana Isabel Ribeiro, a investigadora responsável pelo projeto que inclui vários estudos.

“O Porto era marcado pelo abandono, pela degradação do edificado e, a partir daí, vimos a cidade a transformar-se. Mas não foram só coisas boas que aconteceram, porque nós também assistimos à expulsão dos residentes originais, à expulsão dos comerciantes. Portanto, foi um bocadinho a partir da nossa observação, a partir do nosso posto de observação, do nosso local de trabalho, que surgiu a ideia”, explicou Ana Isabel Ribeiro.

O projeto previa a realização de vários estudos. Em 2021, o primeiro procurou estudar a relação entre a gentrificação e a saúde, através do método Photovoice – “que consiste em pedir a um grupo de pessoas que tire fotografias sobre um tema importante para a sua comunidade e que discuta em conjunto o que essas fotografias querem dizer”, pode ler-se na nota de imprensa enviada às redações.

Liderado pelo investigador José Pedro Silva, este estudo qualitativo de base participativa selecionou 16 participantes da coorte EPIPorto. Esta coorte é seguida há 25 anos pelo ISPUP e inclui residentes do Porto em contextos sociais e demográficos distintos.

As fotografias e os testemunhos das pessoas permitiram aos investigadores identificar seis situações principais, em que a gentrificação se fazia notar e as respetivas consequências para a saúde pública.

O aumento da população flutuante (como turistas ou estudantes de outras cidades e países) revitalizou a cidade e estimulou a economia, mas trouxe stresse, ruído e poluição, por exemplo. A dificuldade de acesso à habitação traduziu-se em aumento de preços, desalojamentos e deslocação de residentes para outras zonas da cidade e para a periferia, enfraquecendo laços sociais. A construção e reabilitação urbana melhoraram infraestruturas, mas aumentaram o ruído, as dificuldades de mobilidade e o stresse. As mudanças no comércio local reduziram o acesso a bens essenciais. A perda do sentido de lugar, enquanto espaço geográfico com significado afetivo para os seus habitantes, causou alienação e mal-estar psicológico. As mudanças socioeconómicas aumentaram as desigualdades, impactando negativamente a saúde pública e, particularmente, a saúde das populações mais vulneráveis.

O método Photovoice revelou ainda que são os mais velhos e as pessoas com mobilidade reduzida quem sofre mais com as consequências da gentrificação. Neste sentido, realizou-se um novo estudo qualitativo, baseado em “entrevistas semi-estruturadas, só focadas em pessoas com 60 anos ou mais”, explicou Ana Isabel Ribeiro ao JPN. Paralelamente, foi ainda feito um estudo quantitativo.

Lideradas por Cláudia Jardim Santos e José Pedro Silva, as entrevistas comprovaram o impacto negativo nos mais velhos da transformação do ambiente urbano, do aumento da população flutuante, da falta de habitação a preços acessíveis e da perda de coesão social.

O estudo quantitativo, coordenado por Cláudia Jardim Santos, envolveu outra coorte do EPIPorto, com 600 participantes. O objetivo era estabelecer agora uma relação entre fatores como as condições de habitação, a acessibilidade económica ou a segurança – comprovados antes – e os marcadores-chave da saúde das pessoas mais velhas, como a solidão, a qualidade de vida, a função cognitiva, a perceção do envelhecimento saudável e a qualidade do sono.

A falta de aquecimento ou de iluminação, por exemplo, estão associadas a maiores níveis de solidão e a uma pior qualidade de vida das pessoas mais velhas. O ruído, a poluição e a criminalidade também contribuem para a solidão e prejudicam o envelhecimento saudável. A insegurança habitacional, caracterizada por dificuldades financeiras, despejos e mudanças frequentes de residência, deteriora a qualidade de vida e piora a função cognitiva.

Gentrificação também afeta as crianças

“Decidimos também fazer um estudo centrado na população infantil. Isto porque a infância é um período crítico e sensível do desenvolvimento”, acrescentou a investigadora Ana Isabel Ribeiro.

Desenvolvido no âmbito da tese de mestrado em Saúde Pública do estudante Obinna Ezedei, para este estudo foi necessária uma outra coorte – Geração XXI. O aluno investigou a forma como as mudanças frequentes de residência até aos dez anos de idade afetam a saúde e o bem-estar infantil.

Os resultados sugeriram que a instabilidade residencial está associada a um maior risco de vitimização por bullying e a comportamentos agressivos. “E aí vimos que as crianças que mudavam mais de casa tinham de facto uma pior performance cognitiva em determinados índices do teste do QI”, acrescenta a investigadora Ana Isabel Ribeiro.

Ainda assim, estes resultados estão dependentes da qualidade ambiental dos destinos de mudança. A pior qualidade ambiental tem um impacto negativo maior.

A investigadora do ISPUP adiantou ao JPN a vontade de aprofundar o tema do impacto da gentrificação nas crianças. Revelou que, dada a falta de orçamento, estes estudos serão feitos no âmbito de uma tese de doutoramento.

Angústia depois da saída

Uma das consequências da gentrificação é, como referido, o desalojamento e a deslocação de residentes para outras zonas da cidade e para a periferia. Este aspeto motivou um quarto estudo centrado nos impactos do deslocamento forçado da população.

A equipa do ISPUP acompanhou 12 pessoas que foram obrigadas a sair das casas que arrendavam. Os voluntários que fizeram parte do estudo revelaram sentir angústia, incerteza, ansiedade e depressão, desde a ameaça de despejo. Mesmo quando conseguem realojar-se, as pessoas continuam a sentir tristeza, impotência e dificuldades em dormir. Os laços sociais e interações desses residentes ficam ainda afetados.

“Acima de tudo, queremos mostrar quais são os impactos e abrir espaço para a discussão”, acrescentou a investigadora. Ainda que a equipa de investigação não possa trabalhar em soluções políticas, Ana Isabel Ribeiro disse que, a partir dos resultados, é possível refletir sobre possíveis soluções.

Editado por Filipa Silva