Livro Branco com propostas para reforço bélico foi publicado pela Comissão Europeia. Entre os planos está um maior investimento em armas e desenvolvimento de tecnologia bélica.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que publicou o Livro Branco sobre o “Plano de defesa da Europa” Foto: Dati Bendo/European CommissionCreative Commons

A Comissão Europeia (CE) publicou na semana passada o Livro Branco sobre a Defesa Europeia, no qual explica a sua estratégia de retoma da indústria de defesa e também o caminho para o rearmamento do bloco até 2030.

O documento, lançado na última quarta-feira (19), enumera as medidas que podem ser tomadas pela União Europeia (UE) para ajudar os Estados-Membros na construção de uma defesa militar sólida, tendo em vista uma possível guerra.

No Livro Branco é explicado que o bloco pretende realizar uma série de ações para facilitar a implementação de uma defesa coletiva robusta. O documento assenta em quatro pilares considerados fundamentais e que serão facilitados pela organização. São eles:

  • Desenvolvimento da indústria europeia de armamento;
  • Cooperação entre Estados-membros para diminuir custos de aquisição e produção;
  • Apoio a estruturas de dupla-utilização;
  • Realização de parcerias internacionais.

A exploração destes pilares é apontada como essencial ao desenvolvimento mais efetivo da indústria militar europeia, seja em termos económicos seja no plano logístico. A cooperação entre países na aquisição de equipamentos, por exemplo, faria com que países do bloco se organizassem para comprar mercadoria militar em conjunto e, assim, pudessem pagar menos por ela.

Além disso, o uso de “estruturas de dupla-utilização” tornaria possível a exploração de infraestruturas existentes para a produção de material bélico. A Alemanha já anunciou que algumas empresas como a Rheinmetall, que fabrica peças para automóveis, vai passar a fabricar armas. É um exemplo do que esta “dupla-utilização” quer dizer.

Noutro ponto do relatório, é indicado que a União Europeia encontrou, com a colaboração dos Estados-Membros, uma série de lacunas na capacidade de defesa europeia atual, que devem ser resolvidas no curto-prazo. São elas:

  • Defesa aérea e de mísseis;
  • Sistema de artilharia (para ataques a longa distância);
  • Produção de munições, mísseis, drones e sistemas anti-drone;
  • Mobilidade militar (entre países);
  • Produção de IA, quântica, ciber e eletrónica militar;
  • Proteção de infraestruturas críticas.

As resoluções para as lacunas vão ser feitas de maneira conjunta entre os países-membros. De acordo com o documento, o trabalho em conjunto promoveria, entre outras coisas, a organização na produção de artigos bélicos e o fim de burocracias que dificultam a dinâmica em movimentações militares.

Em relação às questões regulatórias, o Livro Branco fala sobre o fim do red tape – uma referência à burocracia excessiva e regulamentação desnecessária. A UE afirma que isso permitiria mais agilidade nas movimentações de exércitos entre países. Além disso, a organização fala em criar “corredores” militares por “estrada, trilhos, água e ar”, fazendo com que tropas de países europeus se movimentem com mais facilidade em países do bloco e, assim, se fortaleça a defesa do continente.

Outro ponto citado no documento é referente à proteção de fronteiras europeias. A proposta é que haja um fortalecimento aéreo e terrestre, principalmente no lado oriental do continente, junto à Bielorrússia e à Rússia (considerada pela Comissão como a maior ameaça ao continente na atualidade). A organização afirma que pretende fortalecer fronteiras através de barreiras terrestres, desenvolvimento de infraestruturas e sistemas de vigilância.

Por fim, a UE promete abrir o diálogo com o setor industrial europeu da defesa para perceber melhor as dificuldades regulatórias e os desafios da indústria, bem como discutir as melhores medidas para a área. Além disso, a organização planeia criar stocks de equipamentos de defesa e de matéria-prima crítica. 

Ajuda à Ucrânia

Mais um ponto que recebeu grande importância no Livro Branco foi o incremento no apoio à Ucrânia. O documento apresenta medidas a serem tomadas pelos europeus com o objetivo de auxiliar os ucranianos no seu combate contra a Rússia. Para a CE, a vitória ucraniana na guerra é “a tarefa de defesa mais urgente na Europa”, pois o país resiste à “maior ameaça à nossa segurança comum”.

Entre as medidas apresentadas estão o aumento do apoio militar, através do envio de armas e munições, de drones e de materiais de defesa antiaérea; também do apoio à indústria militar e  defesa ucranianas, entre outros.

Gastar mais em defesa

A publicação trata também da necessidade do aumento de gastos na defesa europeia. O documento afirma que a quantia absoluta gasta em defesa é muito menor do que a dos Estados Unidos e também da China e da Rússia, facto que a CE classifica como “preocupante”.

Nesse sentido, a organização apresenta o “Plano ReArm Europe”, com medidas que podem ser tomadas para aperfeiçoar a indústria de defesa europeia. São elas:

  1. Criar um instrumento financeiro para apoiar os investimentos em defesa dos Estados-Membros: a UE compromete-se a promover empréstimos aos países-membros através do Security and Action for Europe (SAFE), que conta com um fundo de 1.500 milhões de euros.
  2. Ativar a cláusula de escape nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC): permite aos países aumentarem gastos em defesa com maior flexibilidade, com a possibilidade de um gasto adicional de 1,5% do PIB.
  3. Tornar os instrumentos atuais da UE mais flexíveis para permitir maior investimento em defesa, abrindo a possibilidade do uso dos Fundos de Coesão na defesa nacional.
  4. Contribuição do Banco Europeu de Investimentos (EIB): UE vai dobrar o investimento (atualmente em dois mil milhões) para financiar equipamentos militares.
  5. Mobilização de capital privado e previsibilidade financeira: Comissão Europeia promete continuar em busca de fontes de financiamento para este plano.

Regresso a 1945?

Antes de serem apresentadas as propostas, o relatório definiu um panorama da geopolítica mundial atual. Nele, a Comissão Europeia afirma que o mundo está a passar por uma profunda mudança e que a gravidade do cenário atual não era vista desde 1945. Além disso, declara que a Europa está a ser “coagida por agentes externos”.

“É uma época de mudança, ou a Europa decide ser livre da coerção e seu povo viver em segurança, paz, democracia e prosperidade ou mantém-se como está e será diminuída, dividida e vulnerável”.

Além disso, a organização alega que os Estados Unidos, tratados como um “aliado tradicional”, não olham mais para o continente do mesmo modo, focando a sua atenção noutros locais do globo. A relação entre o bloco europeu e os norte-americanos ficou mais distante desde que Donald Trump, ao voltar à presidência, ameaçou tirar o seu país da NATO – a aliança de defesa transatlântica, criada depois da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo, na altura, de garantir a segurança da Europa face ao bloco soviético – caso os países da União Europeia não aumentassem o investimento em defesa.

Outros países citados no documento são a Rússia e a China. Em relação aos asiáticos, é dito que apesar de serem um “parceiro comercial chave para a Europa”, também são um Estado autoritário que, cada vez mais, tenta afirmar o seu autoritarismo na economia e sociedade europeia. Em relação à Rússia, o Livro Branco tratou-a como a nação com o maior e mais bem estruturado exército na Europa e também a considerou como “a maior ameaça ao bloco” atualmente.

Vale a pena sublinhar que as propostas apresentadas no Livro Branco não são definitivas e nem vão entrar em execução prontamente. Para isso, elas ainda devem ser discutidas pela Comissão Europeia em encontros que vão acontecer a 21 de março e 26-27 de junho.

Editado por Filipa Silva