Comemorações iniciaram-se a 16 de março e vão prolongar-se durante todo o ano. César Santos Silva fala-nos da história do lugar onde hoje se encontra o Arquivo Histórico Municipal do Porto.

Casa do Infante

Casa do Infante foi reconhecida como Monumento Nacional em 1924, tendo servido como Alfândega do Porto e de Casa da Moeda. Foto: Luís Machado

A Casa do Infante comemora este ano 700 anos de história e tem uma programação especial para assinalar a ocasião. Uma boa desculpa também para ficar a saber mais sobre este local emblemático da Ribeira do Porto, onde de acordo com o cronista Fernão Lopes terá nascido o Infante Dom Henrique, conhecido como o Navegador. 

No edifício que acolhe atualmente o Arquivo Histórico Municipal do Porto existe um documento com as despesas das festas do seu batizado, em 1394. No entanto, apesar de historicamente este ser uma hipótese forte, não é um facto totalmente confirmado.

O edifício é considerado um dos mais antigos da cidade e também de maior dimensão. Foi construído em 1325 e serviu várias funções ao longo dos séculos.

Albergou a antiga Alfândega do Porto (que ali se manteve até ao século XIX e depois foi transferida para a Alfândega Nova, em Miragaia), e a Casa da Moeda, para além de ter servido como residência para visitas oficiais da casa real.

Reconhecido como Monumento Nacional em 1924, o edifício passou por uma ampla restauração no final da década de 1950, conduzida pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Posteriormente, o edifício foi cedido à Câmara Municipal do Porto e passou a albergar o Gabinete de História da Cidade. Em 1980, este gabinete foi transformado no Arquivo Histórico Municipal do Porto, onde se pode encontrar a documentação camarária desde a era medieval.

Nos anos 90, a casa foi restaurada e, em resultado de um conjunto de escavações arqueológicas, foram encontrados vestígios de ocupação romana e medieval.

César Santos Silva, investigador, formador e professor de História do Porto, recorda que, aquando das escavações feitas após a restauração do edifício, provou-se que o local terá sido ocupado por um patrício Romano.

“Os patrícios eram a classe social que dominava Roma e, dado o tipo de construção e o tipo de material encontrado, aquilo só podia ser de alguém rico da época”, contou ao JPN.

Relativamente ao nascimento de D. Henrique neste local, Cesar Santos Silva explica que o mais provável é que assim tenha sido, embora resistam dúvidas: “não há provas materiais, certidão [de nascimento], nem nenhuma prova que ele tenha nascido ali. A corte tinha apenas direito a um ou dois edifícios [na cidade] e este era um deles. Por exclusão de partes, e por não haver mais nenhum sítio nobre onde um infante régio pudesse nascer, tudo aponta para que tenha nascido ali”.

Certo é que o pai de D. Henrique, o rei D. João I, e Filipa de Lencastre se casaram na Sé do Porto e existem até registos dos gastos do casamento. Contudo, as cenas deste casamento não foram exatamente as que vemos nos painéis da Estação de São Bento: “Naquele belíssimo painel cerâmico, está lá o casamento do D. João I e Filipa de Lencastre. Aquilo é tudo ficção, nunca existiu. Portugal estava em guerra com Castela, o rei casou, e no dia seguinte partiu para a guerra. Não existiu uma semana de festas como era muito comum naquele tempo. Não havia hipótese. Estávamos em guerra, portanto, aquilo é tudo uma recriação histórica que não corresponde à verdade”, revelou.

O mesmo se aplica ao batismo do Infante. “É história, muitas vezes”, comenta César Santos Silva, “constrói-se história, a posteriori, para justificar o passado. Não há provas concretas de que o nascimento terá acontecido mesmo lá. Tudo aponta para isso, mas provas concretas não há”.

Já a Casa da Moeda, antes de ser extinta e transferida para Lisboa, era responsável pela cunhagem de moeda. Durante o Cerco do Porto, foi criada uma moeda exclusiva para circulação na cidade, chamada “pataco”. No entanto, após o fim da guerra, essa moeda perdeu o seu valor, dando origem à expressão popular “isso não vale um pataco”,

A Casa do Infante preserva atualmente os vestígios da época romana e medieval, além do Arquivo Histórico da cidade. “Há um espaço museológico bastante interessante, que representa a reconstrução do que ali existiu no passado”, acrescenta César Santos Silva.

Comemorações arrancam em março

Sendo o mês do nascimento do Infante D. Henrique, a programação das comemorações dos 700 anos da Casa do Infante arrancaram este mês, no dia 16, com um concerto dos Sete Lágrimas Ensemble de Música Antiga.

As iniciativas prosseguem no dia 12 de junho, com um colóquio conversado intitulado “Casa do Infante: Sete Séculos de Vivências”. Neste evento vão estar presentes especialistas e investigadores para refletir sobre a evolução histórica do edifício, as diferentes funções que teve ao longo do tempo e o seu impacto na cidade do Porto.

Em julho, decorre um concerto de música antiga típica do norte de África, enquanto em outubro, haverá uma tertúlia sobre conservação de documentos medievais.

Para o mês de novembro, está programada a publicação de uma brochura de divulgação da Casa do Infante e uma exposição, que encerra a dia 29 com um concerto-palestra.

Recorde-se ainda que o aniversário da Casa do Infante está incluído no conjunto de edifícios onde decorrem um conjunto de visitas guiadas e workshops gratuitos que celebram o Dia Nacional dos Centros Históricos.

Editado por Filipa Silva