Catarina Canário e Orlanda Cruz, investigadoras da FPCEUP, apostam na capacitação parental para promover um ambiente familiar mais saudável, através do programa "Standard Triple P", que apoia, de forma prática, famílias "expostas a fatores de vulnerabilidade". O JPN conversou com as responsáveis pelo projeto, para perceber como funciona.

Orlanda Cruz e Catarina Canário, responsáveis pelo “Standard Triple P” são docentes e investigadoras da FPCEUP. Foto: FPCEUP

O projeto Famílias Positivas, Crianças Saudáveis (FPCS), de fomento da parentalidade positiva e da capacitação parental, vai ser implementado até 2027. O objetivo é disseminar a metodologia do Standard Triple P – Programa de Parentalidade Positiva, através de um apoio que é prestado por profissionais do setor social – psicólogos, assistentes e educadores sociais -, ao acompanharem famílias referenciadas na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e em situação de carência económica.

O financiamento é proporcionado pela iniciativa Growing Minds da Fundação Calouste Gulbenkian e dinamizado pelas investigadoras Catarina Canário e Orlanda Cruz, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). A meta é acompanharde forma continuada cerca de 200 famílias nos próximos três anos.

Orlanda Cruz revela que uma das principais vantagens do projeto comparativamente a outros anteriores, é que este método “é mais eficaz, porque com menos tempo de intervenção se conseguem atingir objetivos que, se não tiverem este tipo de intervenção, não se atingem“.

“Queremos não só saber como é que as intervenções são implementadas na prática do dia-a-dia destes profissionais, mas também que efeitos têm nas famílias e fazer uma avaliação económica sobre o custo e a efetividade que está associada à implementação de uma intervenção como o Standard Triple P”, referiu Catarina Canário.

Ao JPN, Orlanda Cruz sublinhou que a parentalidade positiva pode ser entendida como “um conjunto de características e funções que as famílias geralmente exercem junto dos filhos“. Quanto aos resultados que se pretendem atingir com o projeto, a investigadora diz que se espera que as famílias garantam a segurança, o bem-estar, a saúde e a sobrevivência das crianças, além de proporcionarem um “ambiente que permita o estabelecimento de relações de afeto, tanto com os pais, quanto com outras pessoas”.

A investigadora acrescentou que, com este acompanhamento profissional, é expectável que as famílias consigam criar “um meio estruturado e estimulante para o desenvolvimento dos seus filhos”, bem como serem capazes de supervisionar a criança em diferentes contextos. Orlanda Cruz destacou que, com este programa, as famílias aprendem a lidar com os desafios comportamentais que as crianças podem apresentar, gerindo situações de forma assertiva.

Catarina Canário acrescenta ainda que este acompanhamento, para além de contribuir positivamente para manter a coesão familiar, acaba por impactar outras áreas, como a saúde mental dos pais e a qualidade da relação conjugal.

Circunstâncias das famílias

Para além da carência económica, são várias as circunstâncias, que podem constituir fatores de alerta na necessidade de intervenção, como por exemplo, famílias que foram expostas a violência doméstica ou que estão de alguma forma envolvidas com o sistema legal e criminal, salientou Catarina Canário. Deste modo, explica que não existe uma definição específica que possa ser utilizada para determinar o que é uma família exposta a fatores de vulnerabilidade, já que cada caso é único.

Para além disso, as investigadoras explicam que os contextos em que as famílias se inserem, as dificuldades enfrentadas no passado, e a zona onde habitam, podem “condicionar a capacidade dos pais lidarem com os seus filhos de uma forma positiva”. No entanto, Orlanda Cruz afirma que “existem famílias que estão em situação económica bastante desfavorável, mas que mesmo assim, conseguem criar um ambiente adequado, com boa supervisão e com relações muito positivas com as crianças”.

Segundo a investigadora, um baixo nível económico está frequentemente associado a um baixo nível de literacia e a um nível profissional reduzido. Orlanda Cruz frisou que, em conjunto, esses fatores podem levar a uma baixa qualidade das condições de co-habitação das famílias, e, consequentemente, fazer com que os pais estejam menos disponíveis para ajudar as crianças a crescer de forma saudável. Reforça, no entanto, a ideia de que “não é obrigatório que isso aconteça”.

Formações de intervenção parental na FPCEUP

Em março começaram as formações destinadas aos profissionais do setor social que vão acompanhar as famílias. Catarina Canário esclarece que não existe um formulário de inscrição aberto ao público. Ao invés disso, as investigadoras contactam previamente as instituições ou profissionais que trabalham na área da capacitação parental e selecionam o grupo de pessoas que vai usufruir do programa.

Quanto à forma como se estruturam os conteúdos disponíveis, a investigadora reitera que “o profissional tem que ter formação específica para poder usar estas ferramentas de trabalho. Ao serem sessões estruturadas, têm conteúdos definidos para cada sessão, que os profissionais vão utilizar para fazer esta capacitação parental“.

Destaca, para além disso, que “há três grandes dimensões” a serem abordadas nas formações. Numa primeira fase, é disponibilizada informação sobre o desenvolvimento da criança e, posteriormente, são trabalhadas com os pais estratégias para promover comportamentos desejáveis, bem como formas de lidar com comportamentos inadequados.

Já Orlanda Cruz afirma que, relativamente ao balanço feito pelos profissionais envolvidos, “uma das mensagens mais transmitidas é que possuem poucas ferramentas estruturadas de intervenção”. Nesse sentido, destacou que ter acesso a este programa, bem como estar capacitado para utilizá-lo, representa uma grande mais-valia para a eficácia do trabalho que desenvolvem.

A investigadora refere ainda que o facto de esta ser uma ferramenta que foi “validada cientificamente e submetida a investigação”, garante a credibilidade de um conjunto de benefícios para as famílias.

Antecedentes do projeto

O historial de colaboração entre Catarina Canário e Orlanda Cruz em projetos do mesmo âmbito é já longo. Em 2018, as investigadoras realizaram um outro estudo na FPCEUP, direcionado para um grupo de mães que recebiam o Rendimento Social de Inserção (RSI) – um apoio da Segurança Social para pessoas em situação de pobreza extrema.

Os resultados revelaram-se positivos, tendo contribuído para a validação de um conjunto de práticas parentais mais saudáveis e para a melhoria de comportamentos considerados problemáticos.

O objetivo do primeiro estudo era, à semelhança do Famílias Positivas, Crianças Saudáveis, formar profissionais que atuam em centros de apoio às famílias e de aconselhamento parental, intervindo de forma a prevenir a rutura familiar. Já em 2022, as investigadoras continuaram a avaliar os efeitos “desta intervenção implementada em contexto do mundo real“, afirmou Catarina Canário.

No seguimento destes dois projetos desenvolvidos, ambos financiados pela Fundação Para a Ciência e Tecnologia (FCT), o Famílias Positivas, Crianças Saudáveis, vai ser implementado em formato de estudo de disseminação, garantindo o acompanhamento individualizado das famílias e, em maior escala, contando com a ambição de alargar significativamente o público-alvo.

“Até então, a nossa investigação centrou-se nos efeitos que isto tinha nas crianças e nos pais de crianças em idade escolar, entre os seis e os doze anos. Agora, vamos incluir também a faixa etária do pré-escolar”, explicou Catarina Canário, acrescentando que o programa vai abranger crianças e jovens entre os dois e os doze anos.

Relativamente ao processo de triagem e seleção das famílias que precisam deste acompanhamento, Orlanda Cruz afirmou ao JPN que são os profissionais quem as seleciona. Segundo Catarina Canário, o contacto das investigadoras com as famílias “é muito pontual, para efeitos de avaliação dos resultados da intervenção”. A investigação funciona, deste modo, como uma ferramenta de “intervenção parental baseada na evidência”.

Recomendações do Conselho Europeu

De acordo com as investigadoras, a parentalidade positiva é um conceito que tem vindo a ser abordado já desde há cerca de vinte anos um pouco por toda a Europa, apesar de só recentemente ter começado a ser falado em Portugal.

“Há até uma recomendação do Conselho da Europa que data de 2006, feita aos estados-membro, no sentido de promover a parentalidade positiva em termos políticos, ou seja, de tomar todas as medidas necessárias para que haja ênfase na parentalidade positiva”, refere Orlanda Cruz. “Foi feita esta recomendação e, depois, cada país foi assumindo e tomando as medidas necessárias para que isso fosse acontecendo“.

“É engraçado verificar que já naquela altura, o que o Conselho da Europa recomendava era muito próximo daquilo que estamos a falar agora“, acrescenta a investigadora. Neste sentido, as responsáveis apontam como principal causa deste atraso o reduzido investimento financeiro na investigação em Portugal, de um modo geral.

Apesar das circunstâncias, Catarina Canário salienta que os investigadores sentem que têm “conseguido desenvolver uma linha de investigação neste domínio”, e refere que um dos objetivos da investigação também passa por contribuir com “um conjunto de recomendações, para que este tipo programas de intervenção parental baseados na evidência, sejam adotados de forma mais sistemática pelas instituições”, permitindo a adoção de medidas politicas concretas e mais abrangentes.

Editado por Filipa Silva