O projeto promovido pelo INESC TEC vai ler atas de reuniões de câmaras municipais e transformá-las numa linguagem acessível aos cidadãos. O objetivo é promover a participação nas decisões políticas. A Universidade do Porto faz parte das instituições parceiras.

A Câmara Municipal do Porto é uma das autarquias parceiras do projeto. Foto: Nádia Neto/JPN

A partir do próximo ano, acompanhar as discussões das reuniões de câmara ficará mais fácil. É pelo menos esse o objetivo do Citilink, iniciativa que promete traduzir as atas camarárias para linguagem acessível aos cidadãos, através de inteligência artificial. O projeto do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) visa promover a participação democrática da sociedade. Liderada por Ricardo Campos, docente da Universidade da Beira Interior (UBI), a investigação conta com a participação da Universidade do Porto, entre outros parceiros académicos e municipais.

O projeto assenta sobre algumas premissas: ainda que as câmaras municipais tenham feito esforços na tentativa de integrarem os cidadãos nos processos de decisão, há ainda muito a fazer no que toca à comunicação do que se passa nas reuniões do Executivo ou da Assembleia Municipal. As câmaras disponibilizam as informações em forma de atas, mas a dificuldade está na leitura e interpretação da linguagem técnica pelos cidadãos comuns, e mesmo pelos próprios investigadores. Acompanhar as discussões das câmaras torna-se difícil e acaba por afastar cada vez mais pessoas da política.

O Citilink surgiu para combater estas falhas. O projeto, aprovado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), pretende modernizar a administração pública. O desenvolvimento de modelos de inteligência artificial são a chave para a simplificação da linguagem técnica das atas camarárias, crendo os investigadores que um acesso mais facilitado à informação resultará numa participação mais ativa dos cidadãos no meio político.

Para testar modelos, foi necessário criar “sinergias” entre a comunidade científica e as câmaras municipais. As câmaras do Porto, Guimarães, Covilhã, Fundão, Alandroal e Campo Maior são as parceiras deste projeto ao facultarem aos investigadores o acesso às atas, em formato textual (e não digitalizadas, como o cidadão comum tem acesso).

Para além das câmaras municipais, o Citilink reúne investigadores de várias instituições de ensino superior: das faculdades de Letras, Ciências e Engenharia da Universidade do Porto, da Universidade da Beira Interior (UBI), e ainda do Centro de Linguística da Universidade do Porto (CLUP) e do Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória (CITCEM) – estes dois últimos sediados na FLUP – e o Laboratório de Comunicação da Universidade da Beira Interior (LabCom). Além de docentes e investigadores, há ainda estudantes bolseiros de licenciatura e mestrado a desenvolver o Citilink.

Organizados em três equipas, foi a da linguística que se começou a debruçar-se sobre as atas fornecidas pelas câmaras parceiras. O trabalho visou decifrar o que eram os assuntos e quem eram os participantes nas discussões. “Tipicamente os participantes são deputados [municipais] que votam naquele assunto”, explicou ao JPN Ricardo Campos, o investigador principal do projeto. Além disto, as linguistas tiveram de “definir o tópico dos assuntos”: desporto, habitação social, entre outros. Por fim, esta primeira etapa de trabalhos passa por resumir os assuntos, simplificando-os.

A equipa das ciências da comunicação (e dos jornalistas) entra nesta fase para decifrar os resumos e os transformar numa linguagem acessível aos cidadãos. Os intervenientes tentam evitar “uma linguagem mais técnica” e utilizar “uma linguagem mais próxima do jornalismo” – que facilita a leitura e interpretação por parte dos cidadãos, explicou o investigador.

“No meio, existe o nosso trabalho enquanto investigadores de Inteligência Artificial”, na área da ciência de dados. Ricardo Campos leciona unidades curriculares relacionadas com estas áreas na UBI. O investigador do INESC TEC explicou que a equipa tem vindo a desenvolver modelos automáticos “que olhem para uma ata, para um texto, e determinem os assuntos em discussão, os votos a favor e contra, se o assunto foi aprovado ou não, e que façam os tais resumos”, acrescentou.

Projeto inovador também para o jornalismo 

Ricardo Campos realçou que o projeto pode ser útil para os próprios jornalistas, já que “existem desertos noticiosos, existem inclusive vilas e cidades que não têm um jornal, e, portanto, a única forma que existe de fazer chegar aos cidadãos o que se passa é através das atas ou boletins municipais.” Por outro lado, o investigador falou com jornalistas e revelou que o Citilink poderá dar a possibilidade aos jornais nacionais de gerarem notícias, de forma mais fácil, de âmbito mais local.

O Citilink estará operacional e disponível para toda a comunidade a partir de fevereiro do próximo ano. “Estes projetos servem muitas das vezes para lançar sementes para outros projetos. Cabe, naturalmente, depois às câmaras e, eventualmente, à Associação Nacional de Municípios, entender se quer dar depois um outro seguimento ao projeto”, admitiu Ricardo Campos.

Ainda que não se perspetive a extensão do projeto ao nível nacional, o investigador sublinha a importância do Citilink ao nível do desenvolvimento de modelos computacionais que possam fazer avançar a comunidade científica. Além disto, o investigador considera que o projeto é já inovador pelo facto de aplicar modelos de inteligência artificial “à área das atas municipais”, algo que nunca terá sido feito antes.

Editado por Filipa Silva