Carta aberta questiona o Governo sobre o atraso na criação de uma nova Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas. Inês Barbosa coordenou a avaliação da estratégia que terminou em 2022 e partilhou com o JPN algumas das conclusões.

A bandeira cigana é um símbolo internacional da comunidade. Foto: Techari Associação Nacional e Internacional Cigana/Facebook

Um conjunto alargado de pessoas e organizações redigiu uma carta aberta ao Governo, na qual manifestou preocupação com o atraso da renovação da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas (ENICC), algo que já deveria ter acontecido em 2022. Além disso, o Executivo ainda não tornou públicos os resultados do estudo que avaliou a última estratégia, facto que a coordenadora do trabalho não compreende.

Portugal é o único país da União Europeia que ainda não adotou uma nova estratégia, que deveria abranger o período 2022-2030. A carta aberta seguiu para o Governo a 24 de março e contou com a assinatura de 22 associações e dezenas de pessoas a título individual.

O atraso pode acarretar “o risco de retrocessos” naquilo que já foi feito, na opinião de Inês Barbosa, responsável pelo envio da carta aberta. O “atraso nas bolsas do ROMA Educa e do OPRE, que garantiam que os estudantes ciganos frequentassem o ensino secundário e o ensino superior” e a falta de financiamento para as várias associações, são dois dos exemplos dados pela doutorada em Sociologia da Educação como prova do impacto do atraso na criação de uma nova estratégia.

Ainda assim, Inês Barbosa vê como um “sinal positivo” o facto de “figuras importantes” – incluindo de pessoas previamente ligadas ao ACM [Alto Comissariado para as Migrações] -, terem assinado a carta aberta, revelando “vontade de alterar as coisas, com grande dedicação à inclusão social das pessoas ciganas”.

Resultados da avaliação da ENICC por revelar

Para além de ter sido responsável pelo envio da carta aberta ao Governo, Inês Barbosa foi também coordenadora da Avaliação Externa da Estratégia Nacional de Integração das Comunidades Ciganas, uma iniciativa do Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, com um financiamento de 30 mil euros do ACM.

Os principais objetivos deste projeto incluíam compreender aquilo que mudou ao longo do tempo, de que forma as medidas foram executadas e sugerir possíveis soluções para o futuro. A avaliação teve início em julho de 2023 e terminou em novembro do mesmo ano.

Inês Barbosa desconhece a razão pela qual os resultados do estudo relativo à última Estratégia Nacional não foram ainda publicados. Ao JPN, a coordenadora apontou as “reestruturações que aconteceram na AIMA [Agência para a Integração Migrações e Asilo, onde foi integrado o ACM]” como uma possível motivo e acrescentou que “apesar de tudo, o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) funcionava melhor”.

As diversas mudanças governativas dos últimos dois anos também não terão ajudado, na opinião de Inês Barbosa, a que houvesse uma autorização para a publicação do relatório de estudo.

Dados “preocupantes” no emprego e habitação

Sobre as conclusões desse mesmo estudo, realizado no último semestre de 2023, a coordenadora afirma que, embora o relatório tenha sido feito num espaço de tempo muito curto, “foi bastante produtivo e intenso” e produziu muitos resultados. “Fizemos 19 entrevistas, seis grupos focais e um inquérito que teve quase 900 respostas”, acrescentou Inês Barbosa.

Quanto às conclusões, na área da educação, a coordenadora admite que, embora ainda haja “limitações e fragilidades, tem havido uma maior aposta” neste plano, por parte da comunidade cigana. Ao nível da participação política das pessoas ciganas, o estudo revela um crescimento e mostra que “há mais líderes ciganos e mais mulheres envolvidas também”.

Por outro lado, na empregabilidade os dados são “preocupantes”, devido maioritariamente à “discriminação”, que também existe no setor da habitação, descrito por Inês Barbosa como “o eixo mais gritante”, devido a “situações de nomadismo forçado e de despejos sem qualquer alternativa digna”.

Na saúde, o “grave problema em Portugal” está relacionado com a esperança média de vida, que nas comunidades ciganas “chega a ser dez anos mais curta em relação a uma sociedade maioritária”.

Além dos vários problemas nestes áreas, o relatório também concluiu que há fragilidades no funcionamento do Conselho Consultivo para a Integração das Comunidades Ciganas (Consig), de acordo com Inês Barbosa. A coordenadora considera, em declarações ao JPN, que o órgão em questão é pouco representativo: “vimos que muitas das pessoas que foram nomeadas ou que faziam parte do Consig ou desconheciam a realidade de muitas comunidades ciganas ou demonstravam muito pouco interesse e muito pouca vontade de realmente colaborar.”

A importância do “combate à ciganofobia”

Além do estudo que avalia a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, foram também redigidas propostas sobre aquilo que deveria ser feito para atingir determinados objetivos. Dentro desses objetivos destaca-se o “combate à ciganofobia”, que, do ponto de vista da equipa que realizou o estudo, deveria ser algo “prioritário”, no sentido em que “sem ele, tudo o que se faz é insuficiente”.

No que diz respeito à inclusão social das pessoas ciganas, Inês Barbosa reforça que é necessário que haja uma mudança na mentalidade da população. Segundo a coordenadora, essa mentalidade refletia-se também dentro do ACM, uma vez que as comunidades ciganas estavam inseridas dentro de um órgão destinado a pessoas migrantes “quando elas não são migrantes, são cidadãos portugueses há 500 anos”.

Sobre o processo de mudança social, Inês Barbosa reforça a importância do trabalho de associações e de “coletivos informais” que deem voz a todos aqueles que fazem parte da comunidade e sublinha a necessidade de trabalhar numa “escala mais pequena”, para que se conseguir ter “um impacto mais positivo”.

Inês Barbosa reforça que estas situações podem ser “altamente desmobilizadoras”, uma vez que “as pessoas lutam muito, mas estão constantemente a bater contra uma parede e sentem-se impotentes”. Nesse sentido, a coordenadora sublinha que é crucial apoiar a comunidade: “acho que é importante que as pessoas ciganas sintam que estamos com eles, que não as deixamos, que não estão esquecidas e que  vamos continuar a lutar com elas”.

Editado por Filipa Silva