Nações Unidas têm chamado à atenção da comunidade internacional para o bloqueio de ajuda humanitária ao país, desde 2021. O JPN fez um resumo, para responder as questões a responder face à contextualização política à volta do mais recente desastre natural.
Rua tradicional em Yangon, Rangoon, no Myanmar, país do sudeste asiático. Foto: Vyacheslav Argenberg/Wikimedia CommonsCC 4.0
A 28 de março, o Myanmar foi atingido pelo terramoto mais forte desde 2012, o segundo mais mortífero da história moderna do país. O balanço mais recente das consequências da catástrofe contabiliza 3.649 mortos e 5.018 feridos, para além de 145 desaparecidos e cerca de 49 mil habitações danificadas. A entrada de ajuda humanitária nas regiões afetadas tem sido dificultada pelo atual regime que está à frente do país desde 2021, na sequência de uma junta militar.
Golpe militar de 1 de fevereiro de 2021
O desastre soma-se à crise humanitária já existente no Myanmar, consequente da tomada do governo do país por uma junta militar a 1 de fevereiro de 2021. Neste dia, o partido Liga Nacional pela Democracia (NLD), de Aung San Suu Kyi estava prestes a regressar ao poder por mais cinco anos, após a vitória nas eleições gerais do Myanmar ocorridas em novembro de 2020.
A junta militar do Conselho de Administração do Estado, liderada pelo general Min Aung Hlaing, prendeu centenas de membros do parlamento – incluindo a ex-líder e importantes membros do partido NLD. Na altura, o golpe foi denunciado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Os militares tomaram o poder alegando que ocorreram irregularidades generalizadas e sistemáticas no processo eleitoral, ainda que as alegações não tivessem fundamento e fossem contestadas por observadores internacionais e nacionais. A junta apresentou várias denúncias contra Aung San Suu Kyi, entre elas, por corrupção, incitação à desordem pública e violação da Lei sobre Segredos de Estado.
A contestação também se fez sentir nas ruas por todo o país com os protestos pacíficos de milhões de mianmarenses, que, maioritariamente, pediram aos militares que renunciassem ao poder. No mesmo sentido, membros do parlamento, representantes de minorias étnicas e ativistas formaram o Governo de Unidade Nacional de Oposição.
A Associação de Assistência a Presos Políticos do Myanmar contabilizou a morte de, pelo menos, 1.200 manifestantes e transeuntes, incluindo crianças, apenas nos primeiros nove meses após o golpe militar. Mais de 8.700 oficiais do governo, ativistas, jornalistas e funcionários públicos foram presos no mesmo período.
Após ter sido completamente tomado pela junta militar, a 14 de março de 2021, o governo alargou a imposição da lei marcial para 37 municípios, em oito das 14 regiões e estados do país. Esta legislação transfere a autoridade política de uma área para comandantes militares regionais. Desde o golpe, as forças armadas intensificaram as operações contra grupos étnicos em áreas como o estado de Chin.
O Myanmar é um país pobre?
A 17 de março deste ano, as Nações Unidas reportaram que o número de pessoas que sofre de insegurança alimentar no Myanmar subiu para os 15,2 milhões. Ao contrário dos países vizinhos, o crescimento económico do país tem sido negativo. A ONU atribui responsabilidades diretamente ao governo pós-golpe militar.
Até ao momento do sismo, o Myanmar tinha mais de 19,9 milhões de pessoas a precisar de assistência, de acordo com a organização. Os ataques militares têm vindo a destruir a agricultura, porque contaminam terras aráveis com minas e outros explosivos. Mesmo onde existe chance de plantar, não há trabalhadores suficientes por causa do deslocamento massivo de pessoas que fogem do recrutamento das Forças Armadas, acrescenta a ONU.
Histórico de relações internacionais
Em 2022, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China definiu a relação do país com o Myanmar como a de “vizinhos que partilham uma amizade de longa data” e estabelecem inúmeros acordos e iniciativas culturais juntos.
Em janeiro deste ano, os Estados Unidos da América (EUA) afirmaram que apoiam “um Myanmar pacífico, próspero e democrático que respeite os direitos humanos de todo o seu povo”. Os EUA reconhecem “uma grave crise política, económica, de direitos humanos e humanitária” e “uma repressão brutal por um poderoso exército que age com impunidade” neste país do sudeste asiático.
Por outro lado, no início de março deste ano, a Rússia assinou acordos intergovernamentais sobre “reconhecimento mútuo de qualificações e graus educacionais”, “cooperação e assistência mútua em assuntos alfandegários” e “os princípios básicos de cooperação na construção de uma usina nuclear de baixa capacidade” em Myanmar.
Posição da ONU e entraves ao apoio humanitário
41 países que integram as Nações Unidas, incluindo Portugal, apresentaram uma proposta de resolução ao Conselho de Direitos Humanos da organização no dia 26 de março. O documento condena veemente o golpe militar de 1 de fevereiro de 2021, a declaração da lei marcial e “a prisão, condenação e sentença politicamente motivadas” do Presidente Win Myint, da Conselheira de Estado Aung San Suu Kyi, de “outros funcionários do governo e políticos, defensores dos direitos humanos, líderes e membros sindicais, jornalistas, membros da sociedade civil, conselheiros locais e estrangeiros, líderes religiosos e muitos outros”.
O mesmo relatório das Nações Unidas denuncia contínuas restrições e ataques à ajuda, por exemplo, a instalações médicas e humanitárias e ao transporte de equipamentos de assistência, em particular nas áreas com pessoas deslocadas. No dia 2 de abril, a junta militar do Myanmar declarou que as suas tropas dispararam tiros de advertência contra um comboio de ajuda da Cruz Vermelha Chinesa.
Scot Marciel, embaixador dos EUA no Myanmar entre 2016 e 2020, avançou ao jornal inglês The Guardian que a junta militar do país restringia fortemente a ajuda humanitária durante a fase mais crítica da pandemia de Covid-19, tendo fornecido oxigénio principalmente apenas a apoiantes do regime. O diplomata lembrou também que, em 2008, durante o ciclone Nargis, um desastre que ceifou quase 140 mil vidas, os líderes militares do Myanmar inicialmente rejeitaram toda a ajuda internacional.
A Rússia enviou dois aviões com equipas de resgate, médicas e equipas de busca e salvamento K9, a 29 de março. Dois dias depois, a China fez chegar o primeiro lote de ajuda humanitária com tendas, cobertores e equipamento de primeiros socorros. Já os Estados Unidos anunciaram a 1 de abril que vão investir dois milhões de dólares para ajudar o povo do Myanmar através de grupos humanitários locais, após um “pedido formal” feito pela assistência da junta militar no poder.
Agora, as forças rebeldes da oposição Karen National Union, um dos exércitos étnicos mais antigos do Myanmar, declarou que a junta militar “continua a realizar ataques aéreos visando áreas civis, mesmo enquanto a população sofre tremendamente com o terramoto”.
Adicionalmente, três ex-funcionários dos Estados Unidos revelaram à BBC que o país não conseguiu responder significativamente ao terramoto em Myanmar, devido aos cortes da administração Trump na ajuda externa (USAID).
Editado por Filipa Silva