Princeton, Harvard, Columbia e Johns Hopkins são algumas das instituições mais afetadas pelos cortes e ameaças da administração Trump, que exige às instituições que combatam a "esquerda radical", a cultura 'woke' e o antissemitismo. “Nem na época da Guerra do Vietname, o ataque do Governo às instituições foi tão forte", considera um professor universitário brasileiro da Universidade da Califórnia, com quem o JPN falou.

Dezenas de universidades americanas estão a ser visadas pela administração Trump. Foto: Daniel Torok/The White House/Flickr

Após a chegada de Donald Trump à Casa Branca, depois de ter vencido Kamala Harris nas eleições presidenciais de novembro do ano passado, muitas universidades norte-americanas passaram a ser um alvo da nova administração. Através de ameaças e cortes no financiamento e tentativa de interferência na administração das instituições, o presidente norte-americano afirma que quer combater a “esquerda radical”, a cultura woke e o antissemitismo nas instituições de ensino superior norte-americanas.

Com a guerra na Faixa de Gaza, os protestos pró-Palestina têm-se multiplicado por várias universidades, já desde a administração de Joe Biden, que era criticada pelo seu alinhamento relativamente a Israel. Estes protestos são uma das razões que levaram Donald Trump a ordenar uma investigação a cerca de 100 instituições, por alegada discriminação e antissemitismo. 

Segundo a Associated Press (AP), as universidades investigadas receberam, entre 2022 e 2023, 33 mil milhões de dólares (30 mil milhões de euros) do Estado americano, correspondendo as transferências do erário público a cerca de 13% dos seus orçamentos. Relativamente às ameaças de Trump, a maior parte das instituições cederam, de acordo com a AP, de forma a não sofrerem cortes de financiamento. 

“A maior ameaça às universidades desde os anos 50”

A Universidade de Columbia, que esteve no centro dos protestos pró-Palestina no ano passado, sofreu um corte de 400 milhões de dólares (365 milhões de euros) e, desde aí, tem vindo a anunciar e a fazer várias reformas institucionais. Uma maior vigilância nos departamentos de estudos sobre o Médio Oriente é um dos exemplos das mudanças prometidas por Columbia. 

Princeton sofreu um corte de 210 milhões de dólares (191 milhões de euros) em bolsas de investigação. Foram afetados projetos que recebiam fundos da NASA, do Departamento de Energia e do Departamento de Defesa.

O presidente da Universidade de Princeton, no podcast “The Daily” do “The New York Times”, afirmou que as ações da administração Trump são “uma ameaça séria à parceria entre as universidades e o governo”. Christopher L. Eisgruber defende que “combater o anti-semitismo é uma responsabilidade fundamental”, mas as ameaças de Donald Trump são feitas sem investigações nas universidades. O reitor de Princeton considera que aquilo que Trump está a fazer constitui “a maior ameaça às universidades americanas desde os anos 50” e que “todos os norte-americanos deviam estar preocupados”.

A Universidade de Johns Hopkins também perdeu 800 milhões de dólares (731 milhões de euros), a sanção mais pesada da administração Trump. A instituição já anunciou o despedimento de mais de 2 mil funcionários. Harvard também anunciou que ia analisar e rever contratos e subsídios federais no valor de 9 mil milhões de dólares (8,2 mil milhões de euros). 

Investigações em risco e “fuga de cérebros”

Muitos contestam as ações de Donald Trump, comparando as suas medidas àquelas utilizadas pelo Governo dos Estados Unidos na década de 60, durante a Guerra do Vietname. Na altura, as instituições que eram consideradas “antiguerra” e que tinham protestos contra a Guerra do Vietname também sofriam cortes no financiamento. 

Eraldo Souza dos Santos, professor brasileiro de Criminologia, Direito e Sociedade na Universidade da Califórnia, defende que “nem na época da Guerra do Vietname, o ataque do Governo às instituições foi tão forte”. Para o investigador, as ações de Trump são, “historicamente, algo novo”. “Nem na oposição à Guerra do Vietname, nós vimos algo tão sistemático e forte”, afirmou Eraldo Souza dos Santos. 

Apesar de Trump estar a lançar uma nova ofensiva contra as instituições de ensino universitário, o historiador defende que, “infelizmente, estamos a falar de uma continuidade entre as duas administrações”, referindo-se a algumas posições tomadas pela administração Biden. “Toda a retórica usada pelo Biden e pela Kamala Harris, no ano passado, foi justamente a mesma retórica que o Nixon usava contra os estudantes que se opunham à Guerra do Vietname”, defendeu o professor.

Para Eraldo Souza dos Santos, Donald Trump está apenas “a colocar a cereja no topo do bolo de um movimento que começou com a administração Biden”, que já tinha incentivado a esfera pública a posicionar-se contra os movimentos pró-Palestina nas universidades americanas.

Apesar da administração Biden ter “encorajado as universidades a penalizarem os estudantes” que se manifestavam, Trump adota uma postura diferente em que “a administração federal usa o seu poder para expulsar estudantes do país, em muitos casos, deportados e colocados em prisões do ICE”, a polícia da imigração nos Estados Unidos.

Marcus Wright, um jovem estudante norte-americano que frequenta a Universidade de Temple, a única universidade pública de Filadélfia. Além dos cortes aplicados às universidades, Marcus Wright considera que o facto da administração Trump ter ordenado o desmantelamento do Departamento de Educação é “acrescentar mais um obstáculo para jovens americanos terem acesso ao ensino”.

A universidade de Marcus é uma das universidades na mira dos cortes de Donald Trump, assim como a Universidade de Drexel, outra instituição de ensino superior na cidade de Filadélfia. O estudante afirma ao JPN que é recorrente ver manifestações pró-Palestina no seu campus. “O Governo vê jovens a juntarem-se e a manifestarem-se por uma causa e vê isso como uma ameaça”, considera Marcus Wright.

Com os cortes avançados por Trump no financiamento às instituições, muitos projetos e investigações académicas foram terminados ou comprometidos. As universidades começaram também a despedir funcionários e a cortar noutros gastos. O professor Eraldo Souza dos Santos, que ainda está também associado à Universidade de Cornell, experienciou alguns destes cortes. “No meu departamento, não vamos mais poder ter acesso ao almoço, agora temos de comprar o nosso próprio almoço”, afirmou o historiador.

Apesar do financiamento do Governo contribuir bastante para o orçamento das instituições, Eraldo Souza dos Santos considera que as grandes universidades teriam, se quisessem, capacidade financeira para suportar as pressões e cortes da administração americana: “o que nós estamos a ver são máquinas de gerar dinheiro [universidades] que conseguiriam, muito facilmente, sobreviver se usassem os seus próprios fundos nas bolsas de valores”. Para o investigador, “universidades como Harvard, Cornell, Princeton e Penn conseguiam sobreviver sem o financiamento”. Seguir as instruções da administração Trump é, por isso, na opinião do docente ,”uma opção dos regentes”.

A longo prazo, Eraldo Souza dos Santos considera que as medidas da nova administração vão ter várias consequências. “Eu acho que a consequência imediata é aquilo que se chama de fuga de cérebros”, defende o historiador, que garante ter conhecimento de vários investigadores que estão a abandonar os Estados Unidos, em busca de outros países para continuarem os seus trabalhos, como a Finlândia, França e os Países Baixos.

Outra consequência das ações de Trump é a alteração dos conteúdos lecionados “na sala de aula”. A administração de Trump defende que é necessário “ensinar mais sobre os méritos da civilização ocidental”, levando a que se evite “falar sobre questões como a injustiça, a desigualdade, o racismo e a transfobia”, conta Eraldo Souza dos Santos.

Apesar de várias críticas à atuação de Trump, Eraldo Souza dos Santos considera que “a perceção geral sobre o que ele está a fazer com as universidades é [de que o plano é] justificado”. “No que toca ao ataque às universidades, o argumento é de que a culpa é dos pesquisadores nas Humanidades e nas Ciências Sociais que não estão a tornar as universidades abertas o suficiente para o pensamento conservador”, considera o professor.

Editado por Filipa Silva