Lia Bettencourt Gesta, de nome artístico Noa, começou a dançar ballet aos seis anos, por recomendação médica. Estas aulas tornaram-se na base para a construção do seu futuro. O JPN conversou com a artista, que passou da dança para a música e, hoje, para além de ter uma carreira na música, é estudante de doutoramento na FLUP.

Desde cedo, Noa sentiu que a arte era, mais que uma paixão, uma forma de estar no mundo. Aos seis anos, começou a estudar ballet, inicialmente por recomendação médica para corrigir um problema nas pernas. “Nasci literalmente com as pernas viradas para dentro. Não foi propriamente porque eu queria ser bailarina”, brinca. 

Foi aí, nas aulas acompanhadas por um pianista ao vivo, que o amor pela música nasceu. Aos dez anos, começou a aprender violino, um instrumento que, com o tempo, se tornaria parte de si, apesar de a sua primeira paixão ter sido a harpa, instrumento que nunca chegou a estudar de forma aprofundada por “ser muito grande e nada prático”. Já o violino, é como se fosse “um terceiro braço ou uma segunda voz. Preciso de falar através do violino”, diz em entrevista ao JPN.

Em paralelo com a aprendizagem do violino continuou a frequentar as aulas de dança na Royal Academy of Dancing, onde concluiu o curso aos 16 anos. Para além do ballet, frequentou a escola de jazz e fez dança contemporânea.

A música corre-lhe nas veias e é à família que deve esse gosto. Cresceu ao som da guitarra do pai e das canções que ele próprio compunha. Descobriu também a escrita como forma de dar voz às emoções. Os livros foram os seus companheiros quando se encontrava sozinha. Os pais trabalhavam muito e Noa passava boa parte do seu tempo livre sozinha a ler e a escrever poemas.

Na sua casa a música sempre esteve presente. Contou que, em criança, costumava acompanhar o pai nas idas à loja para comprar CD e foi, aos poucos, absorvendo as influências musicais da família: a música clássica brasileira, as bandas de rock da época e a música clássica. Elton John, os Queen ou Tina Turner são algumas das suas maiores inspirações.

“Quando comecei a compor, aconteceu de uma forma muito espontânea, depois de um grande desgosto de amor”, lembra. Foi esse “o momento zero” de Noa no campo da composição e daí surgiu a primeira música, chamada “Baixar o Pano”.

Novo single com Armandinho Macedo

Este ano, Noa faz dez anos de carreira discográfica e lançou este mês um novo single – “Quero Ter-te Perto de Mim” – em parceria com o guitarrista brasileiro Armandinho Macedo.

A artista contou ao JPN que, em 2018, viveu em Salvador da Bahia, no Brasil. Foi na casa de praia de amigos em comum que os dois artistas fizeram nascer este novo tema: “A casa dava para a praia de Guarajuba. Eu ia sentar-me e ele puxou a cadeira dele para mim, e disse ‘quero você perto de mim’ ao que eu respondi: ‘ter teu sorriso só para mim’. Ele pega na guitarra, repetimos isso, gravamos, trouxe para Portugal e fiz a letra. Fizemos assim um fado lusitano, que fala de saudade”, conta.

A ligação ao Brasil é “de sangue”: “A minha tetra-avó é indígena”, recorda Noa na entrevista. O país inspira também a artista no plano académico. Estudante de doutoramento em Estudos Literários, Culturais e Interartísticos, com enfoque na obra literária e musical de Chico Buarque, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a artista afirmou ao JPN que “sempre quis estudar literatura portuguesa por gosto”, área em que tem também um mestrado. Explica que manter-se no universo académico é uma escolha que fez, não apenas pelo currículo, mas porque considera que a FLUP é “casa” e é uma importante fonte de conhecimento onde lhe é permitido falar dos assuntos que lhe interessam.

A artista explicou ainda que a escolha de Chico Buarque como inspiração central se prende com o seu interesse em perceber “a saudade na língua portuguesa”.

Para além de artista, professora de violino e estudante, Noa é empreendedora e mãe. Luz, a sua filha de cinco anos, foi a inspiração que a levou a criar a marca “O Mundo da Luzinha”. O projeto engloba um conjunto de dois livros para crianças, cada um deles com uma música associada. As músicas também podem ser ouvidas no YouTube.

“Esta ideia surgiu uma vez em que estávamos no carro, eu estava a conduzir e ela era pequenina. Estava a falar com ela, mas percebi que se eu dissesse a mesma coisa a cantar, havia uma mudança de reação. Então, comecei a fazer isso, principalmente nos momentos mais críticos do dia a dia e a coisa funcionava. Pensei que se isto funcionava para mim, podia funcionar para os outros pais também”, contou ao JPN. “O Mundo da Luzinha” é um dos muitos projetos da artista, a que se junta também a marca de roupa “Noa by Conceição Leite”.

Em retrospetiva, depois de tantos objetivos alcançados, Noa refere que o mais importante seria deixar um legado na música. “No momento em que eu faço uma música e a lanço, deixo de ter poder sobre ela, porque ela deixa de ser minha, passa a ser ouvida e assimilada. Há um corte físico, mas essa ligação invisível continua, porque daqui a cem anos a música não desapareceu e quem a quiser recuperar, recupera”, afirmou a artista.

Também a palavra passa a ter mais peso quando se tem reconhecimento no mundo artístico. Noa foi júri do concurso Temos Artista da Praça da Alegria, da RTP, durante três temporadas. Considera que este papel lhe trouxe uma responsabilidade acrescida e que a ajudou a dar mais credibilidade ao seu trabalho.

Quanto a ser mulher na música, Noa refere que esta posição pode, muitas vezes, tornar-se difícil, porque se dá mais valor à imagem da mulher do que ao trabalho desenvolvido.

As tarefas a conciliar na vida de Noa são muitas. Sobre a forma como lida com todas no dia-a-dia, diz que o que o predomina é uma sensação de culpa. “Ficas sempre com aquela sensação de que estás a falhar em algum lado. Em relação a ser mãe, a culpa é avassaladora. Quando ouves ‘mãe, podes dar-me um bocadinho de mimo?’ É daquelas frases que são uma facada no coração, mas tens mesmo de acabar [o trabalho] e tens mesmo de enviar aquele email”.

Relativamente à agenda para os próximos tempos, Noa revelou ao JPN que já tem concertos marcados e projetos em vista. “Em maio, vou lançar a coletânea “Saudade” que reúne os melhores temas dos álbuns anteriores. Também vou ter quatro músicas originais. Sendo que esta [“Quero Ter-te Perto de Mim “], também entra nesta compilação. A partir do momento em que a compilação é lançada, começam os concertos da tour Saudade 2025″.

Um dos seus maiores sonhos é ganhar um Grammy. Para já, pretende “continuar a editar livros de poesia infantil” e refere que em breve vai lançar mais um, chamado “Tu és”. Continuar a dar aulas é também outra das aspirações da artista.

Editado por Filipa Silva