A conferência final do FEMglocal, incluída no festival internacional de cinema Porto Femme 2025, decorreu na passada segunda-feira (7), na Universidade Lusófona. A iniciativa tem como objetivo perceber o passado, o presente e o futuro dos movimentos ativistas feministas em Portugal. O JPN falou com Carla Cerqueira, investigadora principal do projeto, para perceber as principais conclusões tiradas da análise.
Carla Cerqueira, investigadora principal do FEMglocal, é doutorada em Ciências da Comunicação, com especialização em Psicologia da Comunicação pela Universidade do Minho, e docente na Universidade Lusófona. Foto: Sofia Martins/JPN
A violência contra as mulheres, as manifestações e a legislação são os temas-chave abordados pelos media em Portugal, no âmbito da representação do feminismo. Já as organizações feministas não recebem atenção de forma consistente por parte dos meios de comunicação nacionais.
Estas são duas das várias conclusões apresentadas na conferência final do FEMglocal, na passada segunda-feira (7), um projeto que, durante cerca de três anos, localizou e analisou os movimentos feministas no contexto português, tendo em consideração as interações e as contradições entre o global e o local e o digital e o presencial. O evento que encerrou o festival internacional de cinema Porto Femme 2025 teve lugar na Universidade Lusófona.
Quanto ao género jornalístico, o estudo concluiu que as notícias são o formato mais utilizado pelos meios de comunicação em Portugal, seguindo-se os artigos de opinião. Contudo, notou-se uma ausência do tema no jornalismo de investigação. Relativamente aos elementos visuais, as fotografias são um recurso quase constante na cobertura dos movimentos feministas.
Embora os jornais tabloid e os media digitais tenham publicado um número superior de artigos sobre o tema, verifica-se que os jornais líderes e de referência fazem uma maior cobertura do tema. O jornal Público e o semanário Expresso foram, entre os títulos de referência, os meios de comunicação que mais cobriram o ativismo feminista, com foco em notícias internacionais, de última hora e ainda artigos em secções editoriais como Sociedade e Cultura.
O projeto concluiu ainda que, das 205 entidades feministas portuguesas que responderam ao inquérito do estudo, apenas 74 foram consideradas válidas, devido à falta de informação sobre cada uma.
Percebeu-se também que, embora os movimentos feministas estejam espalhados um pouco por todo o país, os focos estão nas principais áreas urbanas do país: Lisboa, Porto e Coimbra. Sobre a interação entre as várias entidades, conclui-se que há cada vez menos colaboração e interação entre organizações em Portugal, ao contrário do que acontece entre organizações nacionais e internacionais.
Quanto ao contraste entre o digital e o presencial, o estudo chegou à conclusão de que os movimentos feministas em Portugal recorrem bastante à internet e às redes sociais para facilitar as estratégias de comunicação, mobilização e promoção das várias atividades e também de agilizar o debate.
Como exemplo prático sobre o quão importante é o digital, os investigadores deram o exemplo da Covid-19. Durante o período de quarentena, foram ainda mais notórias as desigualdades em vários aspetos, particularmente no trabalho doméstico e no teletrabalho. Foi também feita referência ao aumento do número de casos de violência doméstica, enquanto as mulheres eram forçadas a estar confinadas com os seus agressores e tinham menos acesso a serviços de apoio.
Estas conclusões foram trabalhadas e apresentadas por uma equipa multidisciplinar composta por 17 pessoas, que contribuíram para diferentes fases e tarefas no estudo, desde a contextualização histórica à criação de um website informativo e aos resultados recolhidos, por fim. Carla Cerqueira, professora na Universidade Lusófona, é a investigadora principal do projeto.
Ao JPN, a doutorada em Ciências da Comunicação reforçou o objetivo do projeto: “Não queremos extrair dados, queremos que estes dados lhes [aos movimentos feministas] sejam úteis”. Carla Cerqueira sublinhou que a equipa não quer “tratar as pessoas que fazem feminismo em Portugal como objetos de investigação”, mas sim como “coparticipantes da investigação”.
Quatro estudos de caso e 21 entrevistas, três anos depois
O #MeToo é um dos movimentos mais conhecidos a nível internacional no que diz respeito ao combate dos casos de assédio e violência sexual, sobretudo em contexto de trabalho, e foi um dos quatro estudos de caso do FEMglocal.
Embora se tenha concluído que os media, nomeadamente as revistas, reconhecem o impacto revolucionário do movimento, registaram-se também artigos de opinião que tendem a normalizar tendências misóginas e a contrariar o propósito do movimento. Esta conclusão aliada a questões como a associação do #MeToo à cultura do cancelamento e ao facto de, em Portugal, o movimento não ter sido inclusivo o suficiente ao nível da nacionalidade, etnia e classe social, fez com que os investigadores questionassem se o país realmente experienciou o #MeToo ou se continua a ser dominado por ideais do patriarcado.
A marcha “SlutWalk”, o movimento #EleNão e a Rede 8 de Março (8M) foram os restantes movimentos analisados durante o período de investigação. Para além destes estudos de caso, a equipa realizou também entrevistas a 21 movimentos feministas, ao longo dos três anos de desenvolvimento do projeto.
O que fica depois do projeto
A investigadora principal sublinhou a importância de criar ferramentas que continuam disponíveis mesmo após o fim do período dedicado ao projeto, uma vez que diz ter noção que “os projetos de investigação têm sempre um tempo limite muito escasso”. Neste sentido, o projeto contou com a criação de quatro iniciativas que têm como objetivo prolongar o propósito do estudo.
O podcast “Feminisms in Action” é uma dessas iniciativas e já tem quatro episódios lançados que se focam na revisão literária dos temas abordados durante toda a análise. Foi ainda desenvolvido um Booklet sobre os ativismos feministas portugueses e os conceitos-chave a ele relativos, cujo público-alvo são os jovens, principalmente entre os 15 e os 18 anos.
O documentário “History of Feminist Activism in Portugal” foi mais uma das iniciativas dadas a conhecer, também incluídas no programa do festival internacional de cinema Porto deste ano, na qual se pretende expor a História do Feminismo em Portugal e dar voz àquelas que foram sendo esquecidas ao longo do tempo.
De forma a expor toda a informação recolhida de forma simples e clara, a equipa está também a desenvolver uma plataforma que pretende, entre outros aspetos, mapear os vários movimentos feministas presentes no contexto nacional.
Embora o projeto seja financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Carla Cerqueira não deixa de reforçar a importância do trabalho voluntário da maioria dos membros da equipa.
De acordo com a informação avançada por Carla Cerqueira, os relatórios e conclusões detalhadas do projeto vão ser publicados em breve no site oficial do FEMglocal.
Editado por Filipa Silva