Estratégia Municipal de Combate à Pobreza apresentada e discutida há duas semanas volta esta quarta-feira à ordem de trabalhos para ser votada pelo Executivo. Bloco de Esquerda acusa plano de não trazer nada de novo e reclama que a estratégia seja sujeita a consulta pública de 30 dias.

Câmara do Porto vota esta quarta-feira a Estratégia Municipal de Combate à Pobreza. Foto: Laura Luchtenberg/JPN

A Estratégia Municipal do Porto de Combate à Pobreza vai esta quarta-feira (23) a votos na reunião pública da autarquia, debaixo de críticas do Bloco de Esquerda. O partido que, em janeiro de 2024, viu aprovada uma proposta de recomendação para a criação do plano, considera que os partidos deviam ter sido ouvidos para a sua elaboração e também não percebe a razão pela qual a estratégia não vai ser sujeita a um período de consulta pública. Vai, por isso, apresentar hoje ao Executivo uma recomendação nesse sentido.

Além da “falta de mecanismos de participação alargados”, o vereador Sérgio Aires critica, em declarações ao JPN, a Estratégia por considerá-la apenas “um plano que somou um conjunto de medidas e de projetos que já existiam” com “uma ou outra coisa nova”. Para Sérgio Aires, o documento só tem em conta a dimensão social e deixa de parte, por exemplo, a dimensão económica, do emprego, cultura ou justiça.

Além disso, o bloquista, que já presidiu à Rede-Europeia Anti-Pobreza, a Estratégia Municipal “não tem quase nenhuma capacidade de prevenir ou de alterar a situação” de pobreza.

O vereador acrescenta que os números de pessoas em situação de pobreza não se têm alterado, salvo pequenas oscilações, ao longo dos últimos 30 anos. São cerca de 100 milhões na União Europeia e dois milhões em Portugal. Quer Sérgio Aires dizer que as consequências do problema têm vindo a ser “acolchoadas”, ao invés de se tentar prevenir as causas.

“Se aquele plano tivesse de facto capacidade de alterar alguma coisa, já o teria feito, porque aquele plano não é novo. O plano de desenvolvimento social da cidade existe há muito tempo. Foi renovado agora, mas, se aquilo resultasse, nós não estávamos na mesma circunstância”, concluiu.

A “dimensão da democracia” é outra das críticas salientada pelo vereador. “Consideramos absolutamente inaceitável que uma estratégia, logo uma estratégia de combate à pobreza, uma estratégia local, não tenha um período de consulta pública, ou seja, não seja permitido que a cidade a conheça, se pronuncie e dê os seus contributos”, realçou.

Sobre isto, o vereador Fernando Paulo, que tutela a Coesão Social, considerou no final da reunião privada da Câmara do dia 7 de abril – na qual a estratégia era para ser votada, tendo o executivo acedido ao pedido da oposição para que a votação passasse para a reunião pública seguinte – que o executivo é o fórum apropriado para a “discussão e apresentação” destes planos, segundo declarações reproduzidas pelo jornal “Público”.

A Rede Social do Porto terá participado na elaboração da Estratégia. Ainda assim, Sérgio Aires argumentou que as instituições que nela colaboram são apenas uma parte da sociedade e que é preciso ouvir “todos”.

Sobre a falta de definição de objetivos concretos na Estratégia, Sérgio Aires defende que existem muitas “atividades em que se confunde a atividade com a meta”. A não inclusão da Estratégia no orçamento da Câmara é, para o vereador, a prova de como “não há compromisso sério com metas, responsabilidade e recursos”.

Sérgio Aires concluiu que os eixos fundamentais de uma estratégia de combate à pobreza são a comunicação, ou seja, “na capacidade de mobilizar a sociedade para um objetivo”, e a governação, “na capacidade de criar compromissos entre os diferentes setores, os diferentes responsáveis dos objetivos”. Isto seria o que faria a Estratégia ser efetivamente uma estratégia, e não um plano de ação, segundo Sérgio Aires. Neste sentido, o vereador diz que “está tudo mal”, porque o ponto de partida da Estratégia não é o correto, ainda que as intenções das pessoas envolvidas sejam as melhores.

Estratégia estende-se até 2030

A Estratégia Municipal de Combate à Pobreza contempla cinco grandes eixos de atuação que visam apoiar crianças, jovens, idosos, migrantes, desempregados e pessoas em situação de sem-abrigo ou a aguardar por uma habitação social.

O primeiro eixo da estratégia municipal, que se estende até 2030, foca-se nas crianças, jovens e respetivas famílias em condições de vulnerabilidade.

Neste plano, o Núcleo de Garantia para a Infância é um dos que vai tentar promover e proteger os direitos de quase 2.500 crianças e jovens em situação de risco. Esta linha orientadora contempla a dinamização de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), de animação, de promoção do consumo de fruta e produtos hortícolas e ainda assegurar que as cantinas escolares abrem em períodos de férias, para garantir refeições aos alunos que necessitem.

O segundo eixo foca-se no desenvolvimento integral dos jovens e valoriza a educação e formação profissional. As ações passam, em grande medida, por programas de desporto e ações de sensibilização para temas como a igualdade de género ou a violência doméstica.

Promover o emprego e a qualificação são as ferramentas que o eixo três prioriza para eliminar a pobreza. As medidas passam por promover atividades com vista à diminuição das discriminações no mercado de trabalho, aproveitando o potencial de todos os cidadãos. Educar financeiramente ou proporcionar experiências no mercado de trabalho a pessoas com deficiência são outros exemplos de ações deste eixo.

Reforçar as políticas públicas de inclusão social e de proteção das pessoas e grupos desfavorecidos é o foco do quarto eixo. Os programas inseridos neste eixo querem promover o voluntariado, a solidariedade, a companhia face aos que estão em isolamento e o apoio ao nível dos preços da habitação e dos transportes.

Por fim, o quinto eixo compromete-se com a coesão territorial e o desenvolvimento local. As atividades deste eixo visam fortalecer as dinâmicas comunitárias.

Ligar projetos novos e outros que já existem

Além do Núcleo de Garantia para a Infância, foram criadas outras entidades com o objetivo de acompanhar a implementação das ações de cada um dos cinco eixos. Paralelamente, o Modelo Integrado de Acompanhamento e Gestão de Casos (MIAGC) vai permitir, ao nível das freguesias, a realização de uma análise sistémica dos casos sociais mais complexos e o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social Integrado foi criado para acompanhar, em todo o concelho, pessoas e famílias, numa relação de reciprocidade e confiança, com vista à promoção de condições de bem-estar e qualidade de vida.

No âmbito do acompanhamento dos beneficiários de Rendimento Social de Inserção, o Município do Porto vai passar a coordenar os três Núcleos Locais de Inserção (NLIS) e as respetivas equipas, que acompanham as famílias beneficiárias e controlam as ações necessárias ao desenvolvimento dos contratos de inserção dessas famílias.

O Programa Radar é outro exemplo criado para a Estratégia Municipal do Porto de Combate à Pobreza (ENCP). É um programa de sinalização de agregados familiares em situação de vulnerabilidade, que vai integrar os dados obtidos nos sistemas oficiais de intervenção social, da Rede Social do Porto, bem como tentará cruzar essas respostas com as necessidades identificadas.

Neste sentido, e através também de outras ações, a Estratégia Municipal reforça a colaboração das 334 entidades que compõem a Rede Social do Porto, uma iniciativa que promove respostas sociais e fomenta a responsabilidade social, bem como do Departamento Municipal de Coesão Social.

Entre medidas, parcerias e projetos, a Estratégia Municipal incide sobre os principais determinantes de pobreza e desigualdades e pretende garantir uma melhor articulação ao nível municipal no cumprimento dos objetivos da estratégia nacional.

Estes objetivos prendem-se com a redução da taxa de pobreza monetária, de pobreza das crianças e de pobreza monetária dos trabalhadores e ainda com a redução da disparidade da taxa de pobreza dos diferentes territórios.

Além de outros planos, a Estratégia Nacional e o Plano de Desenvolvimento Social 2024-2028 foram tidos em conta para se alinharem com a elaboração da Estratégia de Combate à Pobreza e Exclusão Social do município do Porto.

Editado por Filipa Silva