Permutas da Diocese nas Eirinhas e em Miragaia levaram Rui Moreira a fazer declarações duras, esta quarta-feira, visando a Diocese do Porto e o Bispo D. Manuel Linda durante a reunião pública do Executivo. Para a igreja não haverá "qualquer tostão" até ao fim do mandato, assegurou Moreira.

Rui Moreira é presidente da Câmara do Porto desde 2013. Foto: JPN

O presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, anunciou esta quarta-feira (23) que vai escrever uma carta ao Núncio Apostólico – o representante da Santa Sé em Portugal – a dar nota da “preocupação” da autarquia com o comportamento da Diocese do Porto em alguns negócios imobiliários que têm sido notícia na comunicação social. E foi mais longe, assegurando que até ao final do mandato, que termina em outubro, não contribuirá com “qualquer tostão” para a igreja católica.

Na reunião pública do Executivo foi ainda aprovado, por unanimidade, um voto de protesto, apresentado pela CDU, que visa também a Diocese.

Em causa, está a permuta de 15 habitações no Bairro das Eirinhas, no Bonfim, com uma empresa de construção, que deixou em suspenso o futuro dos moradores deste complexo habitacional. Mais recentemente foi também noticiada uma situação similar no centro histórico, em Miragaia, onde foram permutados três prédios que eram da Diocese por três apartamentos na Boavista. 

A propósito da discussão do voto de protesto e recomendação da CDU, Rui Moreira adiantou-se para afirmar que nas Eirinhas a autarquia nada podia fazer em matéria de exercício do direito de preferência, mas que em Miragaia tal teria sido possível, por ser uma área enquadrada numa ORU [Operação de Reabilitação Urbana]. 

Contudo, disse, a explicação que lhe foi dada pelo padre responsável pela área financeira da diocese foi a de que a opção pela “permuta era exatamente para impedir o direito de preferência.” “Ficou claro que o objetivo era mesmo impedir o direito de preferência, seja dos moradores, que tendo contrato de arrendamento têm [teriam] direito de preferência, seja da câmara que tem [teria] no caso de Miragaia”, concluiu.

Resposta “insultuosa”, diz Moreira

Rui Moreira recordou aos vereadores que escreveu ao Bispo do Porto, a 18 de março, sobre o assunto, mas não gostou da resposta que recebeu: “Na carta que escrevi, não pedi para ele reverter nada”. “Era para dar nota ao senhor Bispo que, no futuro, sempre que quiserem alienar património desta natureza, não faria mal nenhum consultar a Câmara, porque, em condições de igualdade com o mercado, teria sempre interesse em comprar. A resposta do senhor Bispo é resposta nenhuma. Eu considero que é uma resposta insultuosa para este Executivo. Porque uma não resposta numa matéria destas é insultuosa”, acrescentou.

De acordo com a Agência Lusa, que teve acesso a ambas as missivas, o Bispo do Porto, D. Manuel Linda, respondeu a Rui Moreira que “quando está em causa o bem comum” a Diocese colabora com “as muitíssimas organizações e entidades presentes nos 28 concelhos que constituem a sua área geográfica”.

“Necessita, porém, de tomar conhecimento das suas propostas e intenções e que essa colaboração assente nos princípios da igualdade, do reconhecimento da especificidade de cada uma e do respeito mútuo”, afirmou nessa carta com data de 4 de abril Manuel Linda. Mais recentemente, a Diocese do Porto assegurou num comunicado publicado a 15 de abril que não procedeu à alienação das habitações com a “intenção de realizar capital”. O objetivo, refere, foi “arrumar os vários imóveis dispersos, na cidade, num só lugar”, no âmbito de uma estratégia de gestão e concentração patrimonial.

O presidente da CMP considerou “difícil” de classificar o teor da carta que recebeu e lembrou que “a relação histórica entre a Câmara do Porto e a Diocese sempre foi complexa”. O autarca notou que as duas instituições “fizeram as pazes” durante o Estado Novo e foram capazes de “conjugar esforços” em tempos mais recentes em prol de “interesses e desígnios” comuns, dando a obra diocesana como exemplo disso. Nos 12 anos que leva na autarquia referiu que “foi possível manter” uma boa relação com o Bispo D. Manuel Clemente e António Francisco dos Santos, já falecido. Com o atual Bispo, contudo, sente que tem “tido episódios particularmente infelizes”.

A autarquia queixa-se do comportamento da Diocese no que toca à obra diocesana – “temos sido confrontado por decisões sem sequer sermos informados o que não é normal para quem é um pagador de parte significativa daquela obra” – e, mais recentemente, diz-se descontente com as permutas de imóveis.

“Estas casas foram oferecidas à Igreja Católica com determinada perspetiva. Estamos a falar de um legado que pretendia garantir os direitos daqueles moradores e preocupa-nos muito que esta matéria seja analisada pela Igreja Católica de uma forma economicista, como se fosse um qualquer agente imobiliário”, afirmou o independente. 

O autarca do Porto concluiu à frente, dando conta de que não aprovará qualquer deliberação até ao final do seu mandato que “contribua com qualquer tostão para a Igreja Católica” e anunciando a decisão de “escrever uma carta sobre esta matéria ao Núncio Apostólico”,  para dar conta da “preocupação” do município com o facto da Diocese não se estar “a comportar de com aquilo que é tradição na cidade do Porto”.

Todos os partidos da oposição solidarizaram-se com a posição assumida pelo presidente da autarquia, consideraram “estranho” o negócio das permutas da Diocese e, por isso, votaram favoravelmente o voto de protesto apresentado pela CDU no início da reunião. 

Reunião que começou com outro voto de pesar unânime, pela morte do Papa Francisco. Todas as forças partidárias representadas no Executivo aprovaram ainda outro voto de pesar pela morte da jovem fotojornalista palestiniana Fatma Hassona, morta no contexto de um ataque militar de Israel na Faixa de Gaza.

Estratégia de Combate à Pobreza aprovada

A Estratégia Municipal de Combate à Pobreza foi uma das propostas aprovadas na reunião pública do Executivo Municipal desta quarta-feira (23). O Movimento Independente Rui Moreira e o PS votaram a favor, enquanto que o PSD e a CDU se abstiveram e o Bloco de Esquerda (BE) votou contra.

Rosário Gamboa (PS) justificou o sentido de voto afirmando que vai acompanhar a proposta e felicitou o trabalho do vereador Fernando Paulo e da respetiva equipa de trabalho, bem como o presidente da Câmara “e o município pela integração que existe”.

Mariana Macedo (PSD) absteve-se justificando que, ainda que a implementação da estratégia seja “um pontapé de saída extremamente importante” e, mesmo revendo e homenageando “o mérito de muito do que está contemplado [na proposta]”, não se pode “rever integralmente”.

Com o mesmo voto, a CDU disse que, “apesar de a estratégia ter um bom enquadramento teórico e político, tem fragilidades significativas que podem comprometer a sua eficácia”. A vereadora sugeriu que a estratégia “precisa de maior clareza operacional, definição de indicadores de sucesso e um compromisso financeiro estruturado”.

Ainda antes da ordem do dia foi rejeitada uma proposta do BE para que a Estratégia Municipal de Combate à Pobreza fosse levada a consulta pública. O Movimento Independente Rui Moreira, o PSD e o PS chumbaram a sugestão.

Rui Moreira abreviou, nessa fase, a discussão, reiterando: “Nada disto é eterno. Em outubro, quem cá chegar e formar maioria, tem toda a possibilidade de apresentar uma nova estratégia. Nós não queremos ir embora sem apresentar esta estratégia”.