Apenas perto de 34.500 dos cerca de 220 mil beneficiários não usufruíram do vale de 20 euros. Perante a reduzida adesão, o Ministério da Cultura adiou o término do programa para depois do fim do ano letivo.

O cheque não pode ser utilizado para comprar livros escolares, dicionários, livros de apoio ao estudo e livros não editados em Portugal. Foto: Carolina Paraty

O programa cheque-livro foi prolongado pelo Ministério da Cultura até dia 15 de julho. Entre o início de novembro e esta terça-feira (22) foram emitidos quase 45 mil cheques-livro. Dos cerca de 220 mil jovens nascidos em 2005 e 2006 que podem usufruir do vale de 20 euros só perto de 34.500 é que o utilizaram.

Os números foram avançados pela Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), promotora da iniciativa, que fez um balanço da adesão ao programa. Estava planeado que prazo para pedir e utilizar o cheque-livro terminasse esta quarta-feira, 23 de abril, Dia Mundial do Livro, mas verificou-se que, até esta terça-feira, só 20% dos beneficiários tinham emitido o cheque-livro, e apenas 15% o tinha utilizado.

Tendo em conta a reduzida taxa de execução face ao potencial estimado, o Ministério da Cultura decidiu alargar três meses o prazo de utilização do cheque-livro. O secretário de Estado desta pasta, Alberto Santos, justificou num despacho que, “dado que a medida pode ainda beneficiar os seus potenciais beneficiários, muitos deles a frequentar atualmente o ensino secundário e pós-secundário, justifica-se que o termo da mesma seja prorrogado para data posterior ao final do ano escolar, a fim de alcançar um maior número de beneficiários efetivos“.

Em entrevista à rádio Observador o secretário de Estado afirmou que “a medida tem potencial, pode ser melhorada em vários aspetos: não só no valor, mas em criar alguma periodicidade no modo como os jovens beneficiários podem utilizá-la ao longo do ano nas livrarias, rever algumas questões que têm que ver com o ISBN (Número Padrão Internacional do Livro)”. “Nas conversas que temos tido com o setor livreiro e editorial, existem claramente pontos onde a medida pode ser melhorada“, acrescentou.

Alberto Santos sublinhou que é importante “chamar à atenção para esta iniciativa e divulgá-la ainda com mais eficácia”, para que seja cumprido o objetivo de “trazer os jovens para dentro das livrarias, estimular a ler, preferencialmente em português, […] criar mais hábitos de leitura, melhorar a sua literacia e também o seu pensamento crítico”.

O secretário de Estado da Cultura lembrou que esta é uma “medida que teve o seu impacto e interesse”, que “conseguiu trazer para os livros muitos jovens”, mas que está numa “fase de gestão”, podendo ser “melhorada e mantida”, e, de olhos num futuro próximo, disse que “qualquer governo que venha a tomar posse em breve vai olhar para esta questão”.

A integrar o Orçamento de Estado desde 2021, só em setembro de 2023 é que o cheque-livro foi anunciado como medida concreta, da qual os jovens que tivessem ou fizessem 18 anos poderiam beneficiar entre março e setembro de 2024.

Na sequência de atrasos na criação da plataforma de emissão dos cheques o programa só arrancou a 4 de novembro. Logo no primeiro mês foram emitidos 30 mil vales – 11 mil deles só nos primeiros dois dias. No entanto, entre o início de dezembro e o início de março foram emitidos apenas mais dez mil cheques-livro.

Em meados de março deste ano, o presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) afirmou, em entrevista à Agência Lusa, que a medida estava “aquém das expectativas”, uma vez que, entre outros entraves ao sucesso da iniciativa apontados, o valor do cheque-livro (20 euros, que significam um investimento de 4,4 milhões de euros, suportados pelo Fundo de Fomento Cultural) ficou “muito longe” dos 100 euros propostos pela associação.

“Não se criam leitores com a compra de um livro, criam-se leitores com uma regularidade do hábito da leitura e, portanto, isso pressupõe mais do que uma compra”, defendeu Miguel Pauseiro. O responsável sublinhou também que é fundamental ajustar e reforçar a comunicação junto dos jovens, para estimular a adesão, aproveitando datas especiais, como o Dia dos Namorados, por exemplo.

As dificuldades operacionais também foram apontadas pelo responsável como um aspeto a melhorar, já que o registo na plataforma na qual se emite o cheque-livro exige o uso da Chave Móvel Digital ou de um leitor de cartões.

O que dizem os beneficiários

Mafalda Correia e Salomé Maia, nascidas em 2006, fazem parte dos cerca de 220 mil jovens que podem usufruir do cheque-livro. As duas estudantes da Universidade do Porto têm experiências bastante diferentes relativas à sua utilização e contaram-nas ao JPN.
Salomé ouviu falar no cheque-livro através de um amigo, quando emitiu o dele, há uns meses, mas não fez o mesmo, entretanto. “Nem sabia o que era um cheque-livro, na altura”, admite. A estudante aponta a preguiça como principal motivo para não ter avançado com o processo, mas também considera que não tem muitas informações sobre o programa: “sinto que não estou suficientemente informada sobre o assunto, nem sei sequer como é que o posso emitir”.
Já Mafalda emitiu o cheque no dia em que ficou disponível, “logo às 9h00 da manhã”. A jovem soube do cheque-livro através das redes sociais, “ainda na primeira fase em que deveria sair” – março de 2024. “Quando fiz os 18 anos, em agosto [de 2024], mandei e-mails para a DGLAB a perguntar como é que era a situação e eles disseram-me que isso estava bastante atrasado, porque ainda não havia plataforma criada. Andei em cima do assunto e, dia 4 de novembro, efetivamente, a plataforma estava lá”, relata.
Ao contrário do que acontece atualmente, o processo de emissão do vale foi rápido e fácil para a estudante: “estranhamente, foi mesmo simples. Só pus o meu número de contribuinte, data de nascimento e, acho, o nome. Depois, emitiu logo um PDF com um código ‘QR'”, que utilizou na livraria no ato de pagamento.
Com o vale de 20 euros Mafalda Correia conseguiu comprar dois livros – “Cartas a Um Jovem Poeta”, de Rainer Maria Rilke, e “Sonhar Acordada”, de Hannah Grace, fez questão de partilhar -, “porque quis”, mas teve de “pôr cinco euros”.
A lista completa de livrarias aderentes (por distrito ou região autónoma) pode ser consultada na plataforma de registo e emissão. As livrarias que ainda não estão incluídas podem candidatar-se para integrar o programa. De notar que o cheque não pode ser utilizado para comprar livros escolares, dicionários, livros de apoio ao estudo e livros não editados em Portugal.
Editado por Filipa Silva