Na semana em que começa a Queima das Fitas do Porto, estudantes de várias faculdades juntam-se para preparar os carros que vão parar o trânsito na Baixa do Porto durante a tarde desta terça-feira (6). O JPN visitou o local onde as decorações ganham forma, para desfilar no Cortejo Académico.

Entre placas de madeira, esferovite, tintas e papel crepe todas as mãos são bem-vindas para preparar os carros que vão encher de cor o Cortejo da Queima das Fitas. Mais de uma dezena de “casas” decoram os veículos que vão desfilar da Rua de Camões à Avenida dos Aliados, esta terça-feira (6).

O sentimento de nostalgia e orgulho pelo ano letivo ou do curso que se aproxima do fim está nos olhos de quem tem passado os últimos dias numa corrida contra o tempo para que tudo esteja a postos para um evento que para a Baixa do Porto para ver os estudantes passar.

“Falar sobre o que significa ir em cima do carro… é para começar a chorar”, confessa ao JPN Joana Lopes, que está a terminar o 5.º ano do Mestrado Integrado em Medicina, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Além da estudante, vão mais de 160 pessoas em cima do camião da faculdade, tanto praxistas como não praxistas que “fitam” este ano – são finalistas no próximo.

“Atrevo-me a dizer que será o maior carro. Tem 12 metros e não vamos caber todos em cima, nem metade. Todos os cursos da faculdade estão envolvidos, vamos ter que andar a revezar por turnos”, explica.

Acerca da preparação, a futura médica fala da importância de “cada um tentar deixar o seu bocadinho e contribuir para que o carro seja o mais representativo das vertentes todas do ICBAS”, lembrando que este é um ano particular e muito importante para os estudantes da instituição, uma vez que se assinalam os seus 50 anos. “É um ano de muita celebração e esperamos representar a honra que é estudar neste instituto ao resto da academia”, sublinha.

Joana Lopes partilha que o tema – “uma mistura de aviação, turismo e viagens” –  já está a ser pensado “há uns bons tempos”. Os estudantes vão guardando acontecimentos que marcam o curso e que consideram relevantes de incluir na decoração: “desde que entramos para a faculdade, todo o nosso percurso vai contribuir para a montagem do carro”.

“Já que vamos circular pelas ruas do Porto, estar em frente à Tribuna, ter imensas pessoas a olhar para nós, tentamos passar algumas mensagens daquilo em que acreditamos e que o carro não seja apenas um veículo para abanar fitas lá em cima. Tentar concentrar isso em meia dúzia de placas é um desafio também na montagem”, reitera.

Todos ajudam

Também os pais se juntam para ajudar a decorar os veículos. Evaristo Mota, pai de uma finalista do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM), diz que não é carpinteiro, mas “desenrasca-se” e decidiu ajudar a fazer o barco que vai em cima do camião da faculdade. “Vamos ver se ele navega”, brinca.

Os estudantes contam com a ajuda de alguns pais ou amigos para resolver dificuldades técnicas e lutar contra o tempo. Foto: Beatriz Tavares/JPN

“É muito divertido, é fantástico, esta gente é maravilhosa. Só está a faltar a música, neste momento. Tenho gostado muito”, afirma sobre a experiência. Evaristo adianta que vai tentar estar na fila da frente para ver a filha no desfile: “espero que corra tudo bem e que eles não destruam o que construí”.

O tema do carro é “vikings”, porque os atuais finalistas tinham um viking desenhado no ‘kit’ de caloiro, tal como a Carolina Sobral esclareceu ao JPN. Sobre a preparação do carro a finalista salienta: “Embora sejam muitas noites mal dormidas, é um sentimento único, visto que estamos a contribuir para algo que vai dar uma boa imagem à nossa faculdade”.

Críticas à habitação, ao Ministério da Educação, representação dos grupos da praxe e referência a Camilo Castelo Branco são alguns dos elementos que decoram o carro da FLUP. Foto: Beatriz Tavares/JPN

Já Beatriz Colaço, a frequentar o primeiro ano do mestrado em Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), realça o orgulho e a felicidade em fazer tudo com os colegas: “significa muito, porque temos o mérito para lá estar. A parte mais difícil é mesmo não termos qualquer tipo de conhecimento em carpintaria e termos de fazer isto tudo do zero, porque o nosso carro é preparado apenas por estudantes. Ao mesmo tempo, é a melhor parte, por vermos na terça-feira um carro feito apenas por nós, até à última”.

A estudante sintetiza que ir em cima do camião representa uma “sensação de missão cumprida”. Beatriz realça também as sensações de pertença e de união, que atribui ao espírito da praxe e destaca que “o cortejo é dos momentos mais altos de demonstração – o Porto para, para ver os estudantes nesse momento”. “Ver a nossa família lá, saber que passaram quatro anos, mas que vêm muitos mais pela frente, mas também um bocado de nostalgia pelo que já passou e vontade de continuar por aquilo que vem”, são o melhor que conta levar desta jornada.

Dezenas de pessoas são envolvidas na construção dos carros, que levam cerca de uma semana para estarem prontos. Foto: Beatriz Tavares/JPN

Incertezas sobre o futuro

O carro da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto (FMDUP) tem o formato de um barco rabelo, símbolo da cidade e que simboliza as incertezas quanto ao futuro que os estudantes desta faculdade têm. Quem o explica é Viviana Freitas, que frequenta o 4.º ano na instituição: “é um barco rabelo à deriva, que é como nos sentimos, às vezes, sempre assim meio perdidos, por causa do futuro”.

No carro estão escritas algumas críticas, uma delas relativa à grande percentagem de alunos que têm de emigrar, porque “há um excesso de dentistas em Portugal”, justifica a estudante. “Fazemos as coisas aqui, porque gostávamos de ficar no nosso país, mas depois, à partida, temos de ir para fora e vamos ficar à deriva”, conclui.

Momento de festa com homenagem

Várias das 42 “casas” que integram o cortejo vão prestar homenagem a Américo MartinsDux Veteranorum da Academia do Porto – o mais alto posto da hierarquia da praxe académica -, que faleceu aos 73 anos em dezembro.

O carro do Instituto Superior de Serviço Social do Porto (ISSSP) é um deles. “O excelentíssimo Américo Martins foi muito importante para a Academia do Porto, principalmente para os mais velhos. Sentimos que ele teve muito impacto na praxe. Sem ele, a praxe não existia hoje, não estávamos cá, nem tínhamos oportunidade de usufruir disto, destas memórias todas. Homenageá-lo foi o mínimo que conseguimos fazer por tudo o que ele nos fez”, reitera Carolina Azevedo, estudante do 3.º ano do ISSSP.

O mastro do barco do IPAM simboliza o luto dos estudantes pela perda, explica Carolina Sobral, finalista de Gestão de Marketing: “vamos ter um mastro no meio do barco em homenagem ao Dux Veteranorum, que partiu este ano [letivo] com o nome dele. É uma pequena homenagem”. Também o carro da FLUP vai prestar homenagem ao Dux Veteranorum.

O Cortejo Académico da Queima das Fitas do Porto tem início marcado para as 14h01 desta terça-feira (6) e vai da Rua de Camões até à Avenida dos Aliados, o mesmo percurso do ano passado.

Editado por Filipa Silva