O JPP foi uma das surpresas da noite eleitoral. O partido com sede na Região Autónoma da Madeira ficou em 4.º lugar na região e estreia-se na Assembleia da República com o deputado Filipe Sousa. São agora dez os partidos com assento parlamentar.
Filipe Sousa, deputado eleito para a Assembleia da República. Foto: juntospelopovo.pt
O Juntos Pelo Povo (JPP) já tinha dado sinais de um crescimento assinalável na região autónoma da Madeira aquando das eleições regionais em março deste ano. Desde aí que é o principal partido da oposição na Madeira, tendo derrotado os socialistas e alcançado um histórico segundo lugar na região. Este domingo, o partido voltou a surpreender com um resultado inédito: é o primeiro partido sediado numa região a ser eleito para a Assembleia da República.
O JPP concorreu em dez círculos eleitorais: Coimbra, Braga, Faro, Setúbal, Porto, Lisboa, Madeira, Açores, Europa e Fora da Europa. No entanto, era na Madeira que existia uma maior probabilidade de eleger um deputado. O partido arrecadou
0,34%, ficando em 4.º lugar na região autónoma.Foi esta posição que lhe permitiu “roubar” um deputado ao Partido Socialista, que ficou na terceira posição e elegeu apenas Emanuel Câmara. AD e Chega completam o pódio na Madeira. A coligação obteve na região autónoma um dos melhores resultados ao nível nacional, com 41,35% e 57.447 votos e elegeu Pedro Coelho, Vânia Jesus e Paulo Neves. Já o Chega, ultrapassou o PS por uma margem superior a 10 mil votos, mas também só elegeu Francisco Gomes. Foi no concelho de Santa Cruz que o JPP obteve o melhor resultado, com 24,59% e 5.759 votos, ficando apenas atrás da AD.
O recorde nacional
Pouco depois do anúncio das projeções às 20h00, Lina Pereira, atual presidente do JPP, já falava aos jornalistas. A assistente social de profissão sublinhava que estavam ainda “muitos cenários em aberto” e que a eleição de Filipe Sousa “pela confiança e pelo trabalho desenvolvido” era possível, porque decorria a contagem de votos em localidades importantes.
Já depois de confirmada a eleição de Filipe Sousa, o partido agradeceu aos eleitores, através do Facebook. O JPP enalteceu o “recorde de votação em Legislativas Nacionais” sublinhando a importância na curta história do partido.
Também Filipe Sousa reagiu à conquista em declarações aos jornalistas na Madeira. O agora deputado eleito prometeu “não passar cheques em branco a ninguém”, fazer “passar o caderno de encargos” do partido e assumiu que a maior prioridade é a estabilidade do país. Na reação, o antigo militante socialista elogiou o trabalho do JPP na região e os resultados da noite eleitoral.
“Eu acho que somos os grandes vencedores desta eleição, porque superamos o resultado em mais de 3 mil votos, em relação ao ano passado. Isto é resultado do trabalho que o JPP tem vindo a desenvolver nesta região desde 2013. A nossa forma de estar e o nosso sentido de tolerância foi ganhando aos poucos a confiança da população. Com todo o crescimento dos populismos, conseguimos superar os nossos resultados, sem estar à sombra de líderes nacionais”, declarou.
Quem é Filipe Martiniano Martins de Sousa?
O novo deputado da Assembleia da República nasceu em 1964 na freguesia da Gaula, Santa Cruz, no arquipélago da Madeira. Foi deputado pelo Partido Socialista na Assembleia Legislativa da Madeira, mas afastou-se em 2007, devido a lutas internas. É um dos fundadores do Juntos pelo Povo, juntamente com o irmão, Élvio Sousa.
Já no JPP, Filipe Sousa foi eleito presidente do partido no primeiro Congresso Nacional, em 2015, e manteve-se no cargo até ao ano passado, para dar lugar a Lina Pereira. Foi eleito presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz em 2013, mas suspendeu o mandato em abril deste ano para concorrer às eleições legislativas.
Fundação e crescimento do JPP
Em 2008, os irmãos Filipe e Élvio Sousa fundaram um grupo de cidadãos independente designado “Pelo Povo de Gaula” e concorreram às eleições autárquicas no ano seguinte. Filipe Sousa candidatou-se à Câmara Municipal de Santa Cruz, tendo ficado como vereador da oposição, numa eleição que determinou a perda da maioria absoluta do PSD nessa autarquia. Já o irmão, Élvio Sousa, candidatou-se à presidência da Junta de Freguesia e venceu.
Élvio Sousa era o líder da freguesia quando eclodiram os incêndios de verão de 2012, no concelho de Santa Cruz. Este acontecimento é apontado como um ponto determinante para o crescimento do movimento de cidadãos, que depois se viria a transformar num partido político. O presidente da Câmara, José Alberto de Freitas Gonçalves (PSD), estava de férias no Porto Santo, enquanto os dois irmãos terão estado desde a primeira hora com a população. O reconhecimento desta ajuda parece ter chegado quatro anos depois, em 2013, quando o JPP ganhou a Câmara Municipal de Santa Cruz e todas as juntas de freguesia do concelho. Com 64,42% dos votos, o JPP derrotou os sociais-democratas num município que era liderado pelo PSD desde 1976.
Em 2015, o partido é oficializado pelo Tribunal Constitucional como o 21.º partido político nacional, com Filipe Sousa a presidente e o irmão a secretário-geral. Nesse ano, o partido concorre às eleições regionais e, pela primeira vez, às eleições legislativas. Nas regionais, que deram a primeira vitória a Miguel Albuquerque, o JPP alcança mais de 13 mil votos e elege cinco deputados para a Assembleia regional. Na estreia em legislativas, o partido volta a crescer, com mais de 14 mil votos.
A liderança de Filipe Sousa não passou, no entanto, totalmente incólume. Em 2019, quando ocupava o cargo de presidente da Câmara de Santa Cruz, enfrentou uma auditoria do Ministério Público e do Tribunal de Contas. Em causa estavam sete ajustes diretos entre a Câmara e uma sociedade de advogados em Lisboa, num valor superior a 1,2 milhões de euros. Num relatório publicado pelo tribunal, considerou-se que “a assunção e a autorização da despesa pública relativa a quatro desses contratos foram ilegais”.
O partido foi às urnas nas legislativas desse ano (2019) e registou uma diminuição do número de votos de mais de 14 mil para 10.550, algo que também ocorre em 2022 quando obteve 10.935 votos. Nesse ano, há também eleições regionais e o Juntos Pelo Povo volta a sofrer nova descida. Com apenas 7.830 votos, o partido perde dois dos cinco deputados que possuía na Assembleia Regional, ainda que nas regionais de 2023, os tenha recuperado. Nestas eleições, o JPP afirma-se como a terceira força política na região da Madeira.
A 500 votos de um deputado em Lisboa
A 20 de janeiro de 2024, a liderança do partido é alterada, com Lina Pereira a assumir o cargo. Dois meses depois, em março de 2024, o Juntos Pelo Povo tem o melhor resultado de sempre em eleições legislativas, com quase o dobro dos votos de 2022. 19.145 eleitores confiaram o voto ao JPP, um número que ficou aquém da eleição por apenas 500 votos.
A história foi diferente no escrutínio deste domingo com o JPP a igualar o PS e o Chega em número de deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira. Com
“Bandeiras” do JPP
O JPP define-se como “um partido liberal de matriz social”. Não se posiciona nem à esquerda nem à direita, apesar de ter surgido de uma dissensão do Partido Socialista na Madeira. Na declaração de princípios do JPP, os responsáveis do partido dizem que “secundarizam” essa “tradicional dicotomia” e que privilegiam a “valorização do cidadão politicamente ativo”.
O partido propõe-se a ser “a voz das ilhas” no Parlamento nacional e para isso apresenta várias medidas que “defendem a autonomia insular”. O JPP exige, nas viagens aéreas, que os madeirenses paguem um valor máximo fixo por passagem entre o continente e o arquipélago. Esse valor foi este ano atualizado para 79 euros, ou 59 euros no caso dos estudantes. O partido promete “pugnar” pelo cumprimento desta medida. Querem ainda que uma viagem entre a Madeira e o Porto Santo não possa exceder o custo de uma viagem para Lisboa. O Juntos Pelo Povo quer ainda uma ligação de ferry entre a Madeira e o continente, prometida pela ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, em 2019.
Élvio Sousa já admitiu que o JPP quer estreitar ligações com a Presidência da República e o Governo para os sensibilizar para “os constrangimentos e os custos” da insularidade. O partido defende a extinção do cargo de representante da República nas regiões autónomas.
O Juntos Pelo Povo assume ainda outras posições com o objetivo de fazer reduzir, para os madeirenses, os custos da insularidade. A nível económico, o JPP defende uma redução da carga fiscal para as famílias. Falam numa necessidade de reduzir o IRS e o IRC para as empresas, assim como do IVA nos bens essenciais. Na educação, reclamam, entre outras medidas, um reforço de 30% no financiamento do Estado para a Universidade da Madeira.
“JPP tem vindo a substituir o Partido Socialista”
A “decadência do PS” na Madeira será um dos grandes motivos para a “consolidação” do JPP ao nível regional, explica ao JPN António Macedo Ferreira, investigador na área da comunicação e da política. Residente na Madeira, o investigador diz que “ao longo dos anos, [o JPP] têm vindo a substituir, paulatinamente, o Partido Socialista” na região, mas não só.
“Todo o espaço que o JPP cresce é, fundamentalmente, adquirido ao eleitorado do PS e à esquerda, em particular. Acabaram também com o Bloco de Esquerda no Parlamento”, analisa António Macedo Ferreira, que lembra que “nos últimos quatro atos eleitorais, [os resultados] têm sido cada vez piores” e que no último ato eleitoral, nas eleições para o parlamento regional, o PS caiu imenso”. Recorda também que o JPP “tem sido a força política que está em crescendo”, mas que isso já acontece “desde que nasceu”.
Do seu ponto de vista, o crescimento do partido faz com que comece “a ganhar alguns quadros” e prevê que o JPP possa, este ano, “concorrer a todas as câmaras municipais” da Madeira nas eleições autárquicas do outono, apesar de a sua influência a esse nível ser “ainda muito circunstancial”.
Questionado sobre a influência que o partido pode vir a ter na legislatura regional, Macedo Ferreira assume que é demasiado cedo para tirar conclusões, até porque a legislatura na Madeira começou há uma semana. Ainda assim, reconhece que, em comparação com o PS, e tendo por base a legislatura anterior, “são muito mais agressivos do ponto de vista político” e “passam a ideia para a população que são mais trabalhadores e mais defensores dos interesses dos eleitores, especialmente nas áreas que são consideradas mais relevantes, como a habitação ou a saúde”.
É a primeira vez que um partido com sede numa região autónoma é eleito para a Assembleia da República. Com a eleição do JPP e a manutenção do PAN, há um alargamento do espetro político no Parlamento. A AR passa a ter dez partidos, ainda que três sejam apenas representados por um deputado (Bloco, PAN e JPP).
Editado por Filipa Silva