Na Rua do Rosário, centenas de imigrantes esperam para ver certificado o seu registo criminal. Na inércia da espera, comerciantes da rua distribuíram água pelos que aguardam, ao sol, pela sua vez. Ministro garante que “ninguém perderá os seus direitos por esta eventual demora".

Na manhã desta quinta-feira, na Rua do Rosário, no Porto, centenas de imigrantes continuavam a aguardar, numa fila de cerca de 80 metros, para serem atendidos na Direção-Geral dos Assuntos Consulares. Junto a eles, com vários sacos de plástico na mão, Margarida, João e Liliana percorrem a fila para distribuir água por quem espera. “Obrigada, muito obrigada”, foram as palavras mais ouvidas pelos três proprietários de uma lavandaria que tem morada naquela rua.

“A água não se nega a ninguém”, diz ao JPN João Chão, que se sensibilizou com a situação vivida pelas centenas de pessoas que esperam, ao sol, pelo atendimento: “É impossível ficarmos indiferentes. Nós somos pessoas, tal como estas pessoas que estão na fila”, acrescentou Margarida Chão.

Os proprietários perceberam a gravidade da situação quando começaram a ver “as mesmas caras, com as mesmas roupas” durante vários dias. Há pessoas há uma semana no local. Quem observa a situação de perto sente também o descontentamento: “Eles vieram à procura de uma vida melhor. E estas pessoas são as que estão a trabalhar, são as que estão a contribuir”, lamenta Margarida.

Na noite de quarta-feira, a lavandaria abriu portas para deixar as pessoas pernoitarem no interior. Os proprietários contaram ao JPN que foram muitos os que aproveitaram a oportunidade, e contam também que, durante a noite, o seu estabelecimento serviu de abrigo a casais com crianças.

Na montra, a lavandaria tem água e bolachas à disposição de quem precisa, acompanhadas de pequenos avisos de “free water” e “free cookies”.

A “humilhação” de quem espera

Pelas 10h30 de quinta-feira, a fila de cerca de uma centena de pessoas para serem atendidas pela Direção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP) tinha perto de 80 metros. Ao JPN, houve pessoas que relataram estar já há uma semana à espera na fila, não tendo sido, ainda, atendidas. Muitos dos que aguardam pela sua vez não quiseram falar. O sentimento de desânimo estende-se por toda a fila e reflete-se na cara dos que aguardam.

Ao contrário do dia anterior, na manhã de quinta-feira não havia polícia no local, e os ânimos pareciam calmos. Das mais diversas nacionalidades, as pessoas estavam organizadas na fila de forma ordeira. Algumas, as que já tinham uma senha atribuída, esperam fora da fila, mas com o mesmo sentimento de inércia, sentados em cadeiras, bancos, ou mesmo no passeio, ao sol. Houve até quem se abrigasse do sol com guarda-chuvas e com peças de roupa sobre a cabeça.

“Eu sou imigrante, legal, desconto para esse país”, lamenta Joaquim Barrado, que está na fila desde as 23h30, e foi obrigado a pernoitar na rua para poder ter acesso a uma senha. O angolano vive em Portugal há um ano e retrata a sua situação como “uma humilhação”.

A solidariedade está também presente na espera. Estrela Adem, de 24 anos, está na fila para “dar força” à irmã: “não poderia deixar a minha irmã passar por isso sozinha”. Há dois dias na fila, Estrela conta que, mesmo dormindo na rua, sentiu-se protegida por “irmãos angolanos” que “estavam sempre connosco a proteger-nos”.

O que está em causa

A espera de todas estas pessoas deve-se à necessidade de autenticarem o registo criminal no Ministério dos Negócios Estrangeiros para regularizarem a permanência em território nacional. Para renovar o título de residência, estes cidadãos têm até dia 30 de junho para apresentarem os documentos exigidos, que incluem o registo criminal autenticado na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Segundo as explicações avançadas esta manhã por Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros, nem todos os cidadão têm acesso a um registo criminal automático: “No caso daqueles que não têm os seus certificados automaticamente reconhecidos, porque os seus estados não são signatários da convenção de Haia, precisam de um reconhecimento português”, disse o ainda ministro. Paulo Rangel identificou “Angola e Nepal” como os principais países que requerem uma certificação presencial.

Em Portugal, só existem dois gabinetes do serviço consular do Ministério dos Negócios Estrangeiros, um em Lisboa e outro no Porto. O gabinete da capital esteve encerrado temporariamente, tendo sido reaberto esta quinta-feira, o que levou a que muitos imigrantes tivessem de se deslocar ao Porto para conseguirem a certificação dos seus registos criminais.

O encerramento do serviço na capital foi consequência de uma operação da Polícia Judiciária, no dia 7 de maio, no âmbito de uma investigação que envolve funcionários deste serviço, suspeitos do crime de facilitação de documentos em troca de dinheiro. Esta operação conta com um total de 13 suspeitos, seis deles detidos em prisão preventiva e quatro em prisão domiciliária.

Perante o grande aumento da procura pelo serviço, o ministro assegurou que foram tomadas as medidas necessárias: “Aquilo que já fizemos foi reforçar as equipas tanto em Lisboa, que entretanto já reabriu, como no Porto, e reforçar os horários”.

O ministro apelou à calma e à tranquilidade: “ninguém perderá os seus direitos por esta eventual demora, que resulta de ter sido encerrado um serviço por um tempo ainda relevante”, assegurou.

Editado por Filipa Silva