Tal como tinha sido anunciado por Rui Moreira, a cedência de dois edifícios para a construção de mesquitas no Porto não foi votada na reunião privada do executivo desta segunda-feira. Dos partidos da oposição, apenas o Bloco de Esquerda confessou que votaria a favor da cedência. O PSD apoiou a retirada das propostas para votação, enquanto a CDU falou numa reflexão necessária sobre o assunto.
Câmara estima que exista uma comunidade de mais de 7 mil muçulmanos no Porto. Foto: JPN
As “dúvidas, inquietações e reações intensas” geradas pela proposta de cedência, pela Câmara Municipal do Porto, de dois edifícios devolutos para a construção de duas mesquitas na cidade, levaram a autarquia a concluir que a ideia não tem, neste momento, as condições necessárias para ser aprovada, nomeadamente por se aproximar o período de eleições autárquicas.
O vereador com o pelouro do Urbanismo, Espaço Público e da Habitação, Pedro Baganha, justificou desta forma, na reunião privada do executivo da CMP decorrida esta segunda-feira, a retirada da ordem de trabalhos da proposta que ele próprio tinha assinado, mas que acabou por não ir a discussão.
Pedro Baganha alertou também que “o Porto não deixa de ter milhares de cidadãos muçulmanos nem deixa de ter espaços de culto indignos” e concluiu a intervenção dizendo que a decisão sobre esta matéria terá de ser tomada pelo “próximo Executivo Municipal”, como de resto já tinha sido anunciado por Rui Moreira numa publicação feita na sua página de Facebook.
Já depois da reunião municipal, PSD, CDU e BE tornaram públicas, em declarações aos jornalistas, as suas posições relativamente à cedência dos edifícios.
A vereadora do PSD, Mariana Ferreira Macedo, assumiu que o PSD votaria contra a proposta do atual executivo, por não ser “uma prioridade” e por se tratar de uma proposta que não “servia os interesses dos portuenses e da cidade do Porto”. Por esse motivo, a vereadora saudou o recuo, aproveitando, ainda assim, para sublinhar que o partido “respeita a liberdade religiosa” e defende um “papel ativo da Câmara Municipal do Porto na área da integração, desde a língua à cultura”.
Já o Bloco de Esquerda e a CDU percebem a intenção do executivo liderado por Rui Moreira. Sérgio Aires, vereador do BE, manifestou alguma preocupação relativamente ao adiamento de decisão, num “contexto que tem tendência a agravar-se do ponto de vista das intolerâncias, do ódio, do racismo”. Alertou que não resolver o problema destas comunidades é “particularmente perigoso” e teme que a situação se arraste até “explodir”.
Joana Rodrigues, da CDU, afirmou que “a cidade tem de fazer uma reflexão muito profunda sobre esta questão, no sentido de continuarmos a ser uma cidade de inclusão e de tolerância”. A deputada e o partido reconhecem, no entanto, que há “questões complexas no processo”, nomeadamente devido aos problemas da habitação.
À saída da reunião, defendeu o “levantamento dos imóveis devolutos para se proceder a uma distribuição”, tendo em conta vários critérios, sendo a habitação “obviamente um dos critérios que tem de estar em cima da mesa, senão o prioritário”. Reiterou, no entanto, a posição favorável do partido à inclusão de todas as comunidades na cidade.
Os vereadores do Partido Socialista não quiseram prestar declarações à saída da reunião.
O que propunha o Executivo?
As propostas assinadas pelo vereador com o pelouro do Urbanismo, Espaço Público e da Habitação, Pedro Baganha, iam ser discutidas esta segunda-feira na reunião de câmara. Em causa estava a cedência de dois edifícios: um na Rua do Pinheiro Grande, em Campanhã, e outro na Rua da Porta do Sol, na União de Freguesias do Centro Histórico para a construção de duas mesquitas.
Nos documentos de suporte à proposta, a que o JPN teve acesso, a Câmara Municipal do Porto falava de uma necessidade da Associação Comunidade do Bangladesh do Porto e do Centro Cultural Islâmico do Porto de construir mesquitas com maior capacidade para acolher os fiéis. Esses documentos revelam que a cidade já alberga “uma grande comunidade muçulmana”, com cerca de 7 mil pessoas.
Os edifícios foram adquiridos pelo executivo liderado por Rui Moreira já com o objetivo de serem cedidos às duas comunidades, para a construção das mesquitas, em condições muito semelhantes. Ao Centro Cultural Islâmico do Porto (CCIP), que refere “para além da atividade religiosa e de participação em diversas conferências” ter “compromissos sociais”, nomeadamente com o apoio financeiro e em géneros alimentícios a mais de 400 famílias carenciadas, seria cedido um imóvel devoluto na Rua do Pinheiro Grande com mais de 2.800 metros quadrados, durante 40 anos.
Este prédio está avaliado em 550 mil euros. Já o valor do direito de superfície, ou seja, possibilidade de “construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio ou de nele fazer ou manter plantações” (artigo 1524.º do Código Civil) está na casa dos 440 mil euros.
O CCIP ficaria encarregue de pagar um valor mensal de 50 euros, o que totaliza 24 mil euros no período dos 40 anos. O apoio global da Câmara Municipal do Porto, além da cedência temporária do imóvel, atingia os 416 mil euros (diferença entre o valor do direito de superfície e as mensalidades durante 40 anos). Na proposta surgia ainda o compromisso do município em autorizar a execução das obras no prédio – que ficariam a cargo das entidades a quem é cedido o edifício -, desde que iniciadas num prazo de três anos e concluídas em seis.
No caso da Associação Comunidade do Bangladesh do Porto (ACBP), o prazo de 40 anos e a quantia de 50 euros por mês mantinha-se. O imóvel a ceder localiza-se na Rua da Porta do Sol e tem quase 400 metros quadrados. Está avaliado em 769 mil euros, sendo o valor do direito de superfície de 615 mil e 200 euros. O apoio global do município ascenderia, retirado o valor das rendas, aos 591 mil e 200 euros.
Contas feitas, o apoio da autarquia rondaria, grosso modo, quase um milhão de euros no caso da CCIP e 1,3 milhões no caso da ACBP.
Moreira anunciou retirada
O recuo da Câmara do Porto foi anunciado por Rui Moreira na página pessoal de Facebook e num comunicado à Lusa, surgiu depois de múltiplas reações críticas nas redes sociais à notícia, avançada pelo “JN”. O autarca entendeu que a decisão do executivo estava a “contribuir para o exacerbamento de tensões na cidade” por ser não consensual.
Lembrou, no entanto, que a cidade do Porto sempre foi tolerante com todas as comunidades, nomeadamente durante a II Guerra Mundial, quando “a maior sinagoga da Península Ibérica manteve as suas portas abertas, paredes-meias com a escola alemã do Porto”. Na rede social, Rui Moreira apelou, por isso, à discussão do tema “fraturante” na sociedade, com foco na cidade. Relembrou que o tema será decidido pelo próximo executivo e, por essa razão, deve ser debatido na “campanha eleitoral que se avizinha”.
Editado por Filipa Silva