No terceiro episódio do Pela Tua Saúde!, Jo Rodrigues, ativista LGBT, com formação em medicina e pós-graduação em sexualidade humana, fala-nos sobre o espectro da orientação sexual e romântica, de heteronormatividade, dos avanços sociais e do que falta fazer no sentido de uma sociedade mais inclusiva e igualitária, no plano da sexualidade.

Áudio do programa

Transcrição do programa

Maria Marques (MM): Olá, sejam bem-vindos ao Pela Tua Saúde!, um podcast sobre saúde feito por jovens a pensar em jovens.

Tiago Lima (TL): Em estúdio, montamos uma espécie de consultório informal, medicamente assistido, para dissipar dúvidas, discutir dados e curiosidades e explicar o que muitas vezes parece complicado, mas não é.

MM: Tudo numa linguagem acessível e sem tabus. Eu sou a Maria Marques.

TL: E eu sou o Tiago Lima.

MM: Esta primeira temporada é dedicada à sexualidade e hoje vamos falar sobre o tema da orientação sexual, com Jo Rodrigues, ativista LGBT, com pós-graduação em sexualidade humana e atualmente na formação específica em psiquiatria. A pedido de Jo Rodrigues, iremos tratar-te por “tu”.

TL: Jo, para começarmos, quando nós falamos da orientação sexual, o pensamento comum é de que há um espectro linear, que vai do heterossexual ao homossexual, e entre uma coisa e a outra temos o bissexual. É verdade que a orientação sexual é assim algo tão linear ou é mais complexo?

Jo Rodrigues (JR): Ok, logo diretamente às perguntas boas. Eu, pelo menos a forma como vejo isto e como tem sido abordado, a sexualidade acho que a encaixaria mais num espectro, sim, sem dúvida, com várias nuances. Portanto, quando nós falamos de sexualidade, falamos da parte romântica, falamos da parte física, falamos da parte sexual, emocional, portanto, todo um conjunto de componentes e que estão normalmente associados ao nosso género e ao género da pessoa pela qual nós nos atraímos em cada um destes componentes. E, portanto, consigo perceber as pessoas que colocam tudo num espectro, ou melhor, numa linha, como tu disseste. Penso que é um bocadinho mais complexo que isso.

Portanto, nós sabemos que existem várias sexualidades e vários rótulos para algumas orientações sexuais e depois até podemos falar melhor do porquê destes rótulos e qual é a importância deles. Quando falamos da orientação heterossexual e homossexual, depois nós sabemos que existem várias outras caixinhas aqui pelo meio que são as formas que as pessoas arranjaram para melhor se descreverem e melhor descrever aquilo que sentem, principalmente na sua atração por outra pessoa nestes componentes que eu falei, físico, romântico, sexual.

E depois aqui surgem vários termos e expressões que eu confesso que não os sei todos. De forma geral, eu diria que existe uma orientação heterossexual, sim, pelo género oposto ao meu, homossexual pelo mesmo género e depois bissexual, pansexual, que seria uma atração pelo mesmo e por outro género. Depois há pessoas que gostam mais de utilizar um termo ou outro, mas na prática acabam por ser muito parecidos.

Portanto, sim, eu diria que isto é um espectro, tem vários componentes, várias partes, mas depois muitas vezes existem estes termos, vários termos, que são mais criados comunitariamente do que propriamente o que nós usamos no dia-a-dia. Mas não diria ser algo linear.

MM: E o espectro da orientação romântica, especificamente, funciona dessa forma também?

JR: Sim, ou seja, uma pessoa quando se sente atraída por outra pessoa tem várias características que podem cultivar essa atração, certo? Existe, e acho que todas as pessoas podem identificar, atrações mais físicas, atrações mais emocionais.

E existem mesmo pessoas, por exemplo, imaginando aqui uma pessoa bissexual, que se atrai por pessoas independentemente do género que a pessoa tenha, que possa ter uma atração mais física por mulheres, por exemplo, e depois mais romântica, mais emocional por homens. Isto existe e as pessoas têm estas experiências. Agora, se de facto cultivam e se trabalham estas suas atrações e se de facto a sua atração é puramente física ou se é algo mais, mas nunca pensou nisso ou se foi reprimida a ser de determinada forma, isto depois entra tudo para a identidade da pessoa.

Agora, pensando num mundo em que as pessoas conseguem vivenciar a sua atração e a sua experiência, estas várias componentes da atração e da orientação sexual acabam por ser muito diversas, porque nós não somos pessoas iguais, as pessoas não se atraem todas pelas mesmas pessoas, portanto vão ter formas diferentes de se atrair aqui em relação com o género. Obviamente, quando falamos de orientação sexual, tem sempre um género à mistura.

TL: E nessa linha da orientação sexual e da orientação romântica, achas que nos podias explicar melhor o que é que são as pessoas arromânticas e assexuais? E achas que há um certo estigma por estarem um pouco fora do espectro com estas pessoas?

JR: Ok. Portanto, na sigla LGBTI, muitas vezes, dependendo da altura e do tempo e do país em que nós estamos, a sigla é mais ou menos completa. O A da sigla LGBTIA+, ou QA+. Isto diverge muito e há várias associações que tendem a escolher mais uma forma ou outra.

No A, incluímos muitas vezes as pessoas aliadas ou as pessoas assexuais ou arromânticas. Aqui serão pessoas que não desenvolvem qualquer tipo de atração romântica por outra pessoa. Por outro lado, podem não desenvolver uma atração romântica, mas desenvolver uma atração sexual e, portanto, serem puramente arromânticas.

Serem puramente assexuais e não desenvolverem qualquer tipo de atração sexual por outra pessoa, mas até conseguirem estabelecer relações românticas e emocionais com outra pessoa. E depois, as pessoas, de facto, não se conseguem relacionar. Ficam, às vezes, um bocadinho colocadas à margem.

Eu diria, talvez, por não ser tão frequente, por não ser tão falado e depois não terem tanto peso e autodeterminação para poderem falar sobre estas questões. E depois, existe um estigma muito grande relacionado com pessoas se consideram pessoas assexuais, que é terem uma patologia. Ou seja, sofrerem algum tipo de perturbação sexual, de disfunção sexual, que as condiciona a ser assim.

A verdade é que, se uma pessoa tem um problema de saúde, trata-o. Uma orientação sexual, por si, não é um problema de saúde e não é resolvível ou resolvido com nenhum tipo de terapia e tratamento. Portanto, é um dos estigmas e de estereótipos que existem relativamente a pessoas assexuais e que não se verifica.

Uma orientação sexual nasce com a pessoa. É desenvolvida muito cedo, mas o que pode acontecer e acontece muitas vezes é a pessoa descobrir-se ou dar-se à liberdade de poder experienciar a sua orientação sexual. E isto acontece com as várias orientações que já fomos falando e a assexual sendo uma delas.

MM: Acreditas que vivemos numa sociedade heteronormativa, ou seja, centrada na heterossexualidade, onde se assume a heterossexualidade nas pessoas?

JR: Isso é mais que óbvio. Nós não só vivemos numa sociedade heteronormativa, cis-heteronormativa, e numa sociedade muito patriarcal, conservadora, com determinados valores que nos são incutidos e que, de certa forma, alguns vamos conseguindo desconstruir, muitos deles ainda vivem connosco no dia-a-dia. Obviamente que casais não heterossexuais sofrem estas pressões no dia-a-dia, sofrem estigma e situações de violência, por exemplo, em determinados contextos e, portanto, isto é um reforço que nós tentamos combater ativamente, mas que ele existe e que está presente.

Ou seja, a minha presença nesta pergunta nem é muito importante, porque nós sabemos que isto existe. Os casamentos, quando são pensados ainda pela Igreja, então ainda nem se fala, porque a Igreja tem aqui um papel em Portugal, principalmente. Falando, principalmente, por exemplo, nos valores judaico-cristãos que a Igreja tem sobre a população portuguesa e que, sem dúvida, incute esta ideia de heterossexualidade e heteronormatividade desde a nascença do padrinho e da madrinha, que tem que ser um homem e uma mulher, dos casais que é sempre uma mãe e um pai que tem a criança que será batizada, ou seja, isto tem uma história e certos valores que nos são passados.

Se toda a gente em Portugal é cristã, não, mas mesmo assim estes valores ficam connosco. Portanto, terá alguma relação histórica, não é? Sabemos que não são todos os países, por exemplo, que são heteronormativos nem todos são cristãos, mas a religião tem aqui um peso também muito grande nestas questões.

TL: Vivemos num mundo onde já houve vários avanços na aceitação das várias orientações sexuais. Achas que continua a existir aquilo que se chama de heterossexualidade compulsória?

JR: É assim, eu acho que a nossa sociedade tem caminhado para um melhor rumo para pessoas LGBTI, de forma geral. Acho que agora mais recentemente temos tido uns setbacks e as coisas não têm estado tão confortáveis, mas ainda existe muita gente que ser heterossexual é uma obrigação, seja por questões de sobrevivência, seja por questões laborais em que o emprego pode ficar em risco se a pessoa não se comportar, não corresponder a um certo grupo de expectativas. Existem países onde as pessoas LGBT morrem por não serem heterossexuais e pessoas cisgênero.

E Portugal, felizmente, não é um país em que ser gay seja crime, nem que seja doença, apesar disso já ter sido uma realidade não assim tão antiga. Mas, como eu falei há pouco, esses valores e essas ideias que foram construídas com essas leis e com essa patologização ainda existem. E existe, e acho que toda a gente conhece, histórias de pessoas LGBT jovens que foram expulsas de casa porque os pais não aceitaram que elas fossem como são.

E, portanto, há depois o outro lado da moeda que são pessoas LGBT que sabem destas histórias e sabem que em casa podem correr esse risco. E, sendo tão difícil hoje em dia ter acesso à habitação, um trabalho que nos dê as condições para pagar as contas todas, tantas pessoas das nossas idades que vivem com os pais e que a orientação sexual pode ser um motivo de expulsão e depois não conseguirem seguir com a sua vida. E, portanto, aqui há quase uma compulsão a serem heterossexuais.

E não é uma ou duas histórias. Isto eu acho que ainda é uma realidade muito presente. Acho que as coisas não estão iguais há 50 anos. Há 50 anos era crime. Um casal homossexual não podia andar na rua de mãos dadas, porque podia ser, de facto, conduzido à prisão e sabe-se lá mais o quê. E isso mudou.

Mas eu acho que estas ideias ainda existem hoje em dia. E claro que depois a autonomia é muito variante de outras nuances da vida das pessoas. O poder económico também tem aqui um fator.

Mas a própria legislação do país tem este poder quase “compulsório” de uma pessoa à heterossexualidade.

MM: Há pessoas, até mais recentemente, com mais voz sobre estas opiniões, que acreditam e defendem que as pessoas queer hoje em dia têm algum tipo de vantagem social face a pessoas heterossexuais. Com base na tua experiência pessoal e médica, o que é que pensas quando ouves estas ideias?

JR: Eu acho que pessoas queer visíveis e, como nós dizemos, fora do armário, e calhar têm aqui uma vantagem que é que são livres para serem quem são.

E eu acho que muitas destas vozes conservadoras, com as aspas que são livres, dependendo do sítio onde estamos, ou daquilo que nós vemos na sociedade aceitável progressista, é que são quem são e deram-se essa liberdade, ou conquistaram essa liberdade de serem quem são. E eu acho que isso às vezes mexe um bocadinho com as mentes mais conservadoras, que até gostavam de ser de uma certa forma e não podem ser pelos seus próprios valores. E então têm esse discurso.

Mas nós sabemos que isto não é verdade, porque a opressão e a discriminação que existe face a pessoas LGBTI têm impactos económicos, familiares, como já falei, habitacionais, têm impactos na saúde mental das próprias pessoas, porque quando uma discriminação, um evento de violência acontece ao longo do tempo, de forma sistemática, repetida, isto vai ter impactos na vida da pessoa. E há vários estudos que demonstram o aumento da prevalência de perturbações e de sintomatologia depressiva, de ansiedade, de adição, exatamente em resposta a esta violência de que pessoas LGBTI são sujeitas. Portanto, esta vantagem que existe, não sei onde, quanto muito o que existe, de facto, e em alguns países isto até acontece, é uma compensação por estas desvantagens que existem precisamente.

Existem países agora a falarem cotas para pessoas trans, fugindo um bocadinho ao tema da orientação sexual, existem países que estão a criar cotas, por exemplo no Brasil, de acesso à universidade para pessoas trans, porque se sabe precisamente que pessoas trans, pelo clima e pela discriminação e vivência que têm, não conseguem aceder da mesma forma à faculdade como pessoas cis. E, portanto, foram criadas cotas para que isso aconteça e para que as pessoas possam estar no mesmo pé de igualdade. Portanto, quando eu vejo este discurso de vantagens, não são vantagens, são medidas para tentar igualar aquilo que não é igual.

TL: E nesse sentido, de pensamentos mais conservadores, a próxima questão tinha a ver com a orientação sexual dos pais, se tem alguma relação ou não com o conceito de família. Achas que uma criança precisa de ter um pai e uma mãe? Há algum estudo que revele que existe uma orientação ou uma relação entre a orientação sexual de pais e filhos?

JR: Eu não conheço nenhum estudo nesse sentido. Se a orientação sexual fosse uma característica que fosse influenciada pelo ambiente, eu acho que não existiriam pessoas homossexuais, porque a maioria que conheço tem um pai e uma mãe vivendo num ambiente heterossexual e depois isto não se “contagiou”.

O que eu acho que é importante uma criança ter é uma família. O que é que adianta uma criança ter sido gerada por uma mãe, por uma mulher cis e por um homem cis e viver sozinha e não ter esse apoio, ser abandonada pelo pai, não conseguir ter contacto com a mãe? Ou seja, isto não faz sentido. São discursos, mais uma vez, conservadores, que se propagam, que se disseminam.

O que nós sabemos é que uma criança deve ter um ambiente familiar que seja seguro, que lhe dê aquilo que ela precisa para ser depois uma pessoa adulta, autónoma, com todas as ferramentas. Se eu acho que faz sentido ter uma figura masculina, uma figura feminina, se calhar até pode haver sentido, até por questões de identificação, questões de desconstrução de preconceitos, de estereótipos, se essa figura tem que ser necessariamente a mãe e o pai, na minha visão, não acho porque conheço e porque sabemos que existem pessoas muito funcionais que não tiveram a mãe e o pai presente ou ambos, e que conseguiram ser pessoas bem-sucedidas e felizes.

E, portanto, casais homossexuais que são pais ou que são mães, muitas das vezes o que estão a fazer é precisamente até dar uma família e condições a crianças que não tiveram. Porque as adoções normalmente são de casais heterossexuais que não deram as condições à criança para ter as condições que precisava. Portanto, isso é um discurso muito problemático que existe e que nós temos e que os dados existem todos para contrariar essa retórica, sem dúvida.

MM: E agora, queremos saber qual é a diferença entre a orientação sexual e a identidade de género, como é que a perceção de género afeta a orientação sexual?

JR: São características que fazem parte da vida de uma pessoa, assim como a altura, como a sua nacionalidade. São características distintas. Obviamente, tocam aqui em temas na mesma temática.

O nosso género e o género da pessoa que se tem atração ou das pessoas que se têm atração. Mas são características efetivamente distintas. Quando nós falamos de orientação sexual, portanto, é o género das pessoas pelo qual eu tenho atração. E como é que esse género se relaciona com o meu.

Quando eu falo de identidade de género, o meu género é com que género eu me identifico. Como é que eu me vejo, qual é a perceção que eu tenho da minha relação com o ser mulher, homem ou uma identidade não binária.

Depois varia e existem várias identidades não binárias, até pelo mundo fora, com diferentes terminologias. Há aqui um choque, por vezes, de perceções. Ou seja, como é que eu perceciono a outra pessoa e essa perceção pode colidir com a minha orientação sexual.

Mas a orientação e a identidade de género têm aqui distinções, são características diferentes. Uma tem muito a ver com quem eu sou e a outra tem muito a ver com quem eu me relaciono, aquilo que me atrai, quem me atrai e quem essa pessoa é. E muitas vezes acaba por se colocar tudo no mesmo saco, mas são características distintas.

TL: E por que é que achas que hoje as pessoas queer sentem a necessidade de se assumir, de sair do armário?

JR: Olha, por vários motivos. Um deles até por reação a anos de opressão. Eu tinha até aqui nas minhas cábulas, por exemplo, a homossexualidade só foi retirada da Organização Mundial de Saúde do código de diagnósticos em 1990. Ou seja, até 1990 existiam médicos e médicas e profissionais de saúde que consideravam a homossexualidade uma doença. Portanto, isto é uma realidade muito próxima. E em Portugal até 82 era crime. Portanto, muitas das vezes as pessoas LGBTI têm esta necessidade de utilizar o rótulo, porque foi de facto uma necessidade de reagir a estas tentativas de controlo e de normalização daquilo que não é normal, daquilo que é diferente. Portanto, as orientações sexuais não são só uma.

Nem todos os homens gostam de mulheres. Nem todas as mulheres gostam de homens. E não só existem homens e mulheres.

E muitos dos nossos rótulos e de posições tão vincadas e necessidades de afirmação têm relação com esta necessidade também de reagir e de contrariar estas correntes. Por outro lado, quando nós criamos um termo, nós conseguimos construir comunidade e conseguimos encontrar pessoas que sentem aquilo que nós sentimos e que são como nós somos. Se eu nunca falar de pessoas bissexuais, se eu não criar um termo, porque o termo até não existe, ninguém o criou e de dizer que existem pessoas que se atraem, seja em que aspeto for, por qualquer género, independentemente do género, se eu não falar disto, eu não vou saber que existem outras pessoas que partilham esta visão e que sentem o mesmo.

Portanto, quando eu dou nomes às coisas, quando eu crio rótulos eu estou a criar comunidade e estou a saber e depois posso falar sobre o assunto, estudar sobre o assunto identificar locais em que não estão a cumprir com as obrigações legais ou que nos estão a discriminar ou que estão a criar barreiras para que eu possa aceder à saúde por estas determinadas características. Se eu não falar sobre elas, nós não vamos poder avançar. E portanto, eu vejo não só uma necessidade de reação mas também uma necessidade de construção e de criar comunidade e de nos encontrarmos e também podermos ter o que se fala muitas vezes das famílias escolhidas que é uma realidade que eu não sei se todas as comunidades e grupos têm, mas a nossa tem muito. Muitas vezes o ambiente familiar não existe e temos que escolher nós uma família.

MM: E acredita que existem barreiras no acesso à saúde sexual para pessoas queer?

JR: Quase em continuação ao que eu estava a dizer, acho que sim, sem dúvida que existem barreiras no acesso à saúde sexual de toda a população, porque a sexualidade é algo que não é falado. A educação sexual é muito pobre nas escolas e existem até grupos que querem ainda retirar aquilo que já existe. Quando falamos da população LGBTI, aí as coisas acho que ainda são piores precisamente porque quando existe educação sexual é uma educação sexual muito centrada nas doenças, muito centrada nas transmissões de doenças de forma heterossexual e heteronormativa aquilo que estávamos a falar também. Na gravidez, e nem todos os casais vão engravidar e têm estas nuances e depois qualquer contacto sobre estas formas de relacionar não heteronormativas. Depois isto começa na educação e nas escolas, mas propaga-se porque a nossa formação médica e nas outras áreas da saúde, eu penso que seja semelhante, nem sempre são abordados estes temas. Portanto, se eu não tenho formação, se eu não falo do assunto, se eu não sei que o assunto existe, se eu não tenho sequer conceitos para o assunto eu vou falhar neste assunto.

Portanto, isto depois tem as consequências reais de casais não conseguirem ter acesso a cuidados de, por exemplo, formar uma família pensando aqui no casal lésbico não conseguirem ter acesso às técnicas de inseminação artificial, por exemplo. Formas de proteção e de práticas de sexo seguro que não são abordadas, consequências na nossa saúde que existem de falta desta educação sexual e que profissionais de saúde não têm qualquer tipo de formação e que muitas das vezes existem estudos.

Eu fiz parte de um estudo que dizia precisamente isto e que mostrava precisamente isto. As próprias pessoas LGBTI a serem o veículo de informação a profissionais de saúde portanto, as próprias pessoas chegarem à consulta com mais informação e terem profissionais a dizerem “ah, eu não sei sobre isto”. Portanto, isto constitui barreiras depois no acesso à saúde.

TL: Para finalizarmos, tínhamos duas questões de resposta rápida deixadas pelos nossos ouvintes.

MM: Então, a primeira pergunta é sobre a bifobia e é por que é que a bifobia centra sempre o homem, ou seja, por que é que quando afirmam que ser bissexual é uma fase é sempre no sentido de que o homem bi no fundo é gay e a mulher bi no fundo é heterossexual?

JR: A bifobia é algo que não se fala muito, fala-se muito da lesbofobia e da homofobia e depois da bifobia acabamos por não falar tanto e cada uma destas discriminações tem os seus estereótipos e as suas caricaturas que nós até brincamos mais entre nós, porque também é uma forma quase de reclamar alguma desta violência que nos é deixada.

A bifobia tem esta coisa de tentar afirmar que as pessoas são confusas que são indecisas, que não sabem bem, que ainda estão a passar por uma fase sendo que essa fase dura a vida toda portanto, uma fase que dura a vida toda, o que é que ela é?

E tem esse lado da moeda que eu acho que tem muito a ver com os estereótipos e com os papéis de género que existem e com o machismo que existe e com o quão mau é um homem ter características femininas e o quão mau aos olhos da sociedade é o machismo ou seja, o machismo a ter aqui este papel, este peso em cima de homens. E de mulheres depois para o outro lado da sexualização, porque o que acabam por fazer com homens bis é precisamente dizer que não, que estão a esconder e depois a fazer uma associação de que de alguma forma são menos homens por também gostarem de homens e portanto estão a mascarar-se, não estão a ser quem são e de facto é impossível gostarem de mulheres porque só gostam de homens e não têm a coragem de admitir quem são.

Por outro lado, a sexualização da mulher de que não pode gostar de mulheres e de homens, quando está com mulheres é para satisfazer o fetiche de outros homens. Estas ideias, eu acho que vêm do machismo que existe por trás. A homofobia está muito ligada com o machismo precisamente por este motivo, porque estes estereótipos de género que existem acabam por se reforçar depois na orientação sexual.

TL: A segunda questão que nos fizeram, o que procurar quando a família e os amigos não são a opção que nós sentimos ser a mais segura para assumir a nossa orientação sexual?

JR: Acho que é importante dizer que uma pessoa, nem todas as pessoas LGB e LGBT também quando falamos de pessoas trans, têm que fazer um coming out. Acho que o coming out é uma coisa muito própria, fazemos vários ao longo da vida em vários contextos e nem sempre é seguro fazê-lo em determinada altura. É muito fácil dizer “ah, a pessoa tem que se assumir, ser quem é”, mas nós não sabemos necessariamente em que condições é que essa pessoa está e se é seguro fazê-lo até porque falamos de países em que pode levar até à morte portanto, fazer aqui a salvaguarda que nem todas as pessoas têm que fazer o coming out.

Posto isto, não havendo pessoas próximas, não havendo família, não havendo amigos que se possa fazer, existem sempre associações. Aqui no Porto temos várias, desde já a que faço parte, a Associação Anémona que pode servir de ponte para outras associações e podemos mesmo, obviamente, fazemos os nossos eventos e os nossos momentos em que lá está tentamos dar comunidade a quem não tem.

Depois existem momentos pelo país, por exemplo as marchas são ótimos momentos para conhecer pessoas e diria, isto num mundo perfeito em que as coisas estão mais encaminhadas, que profissionais de saúde estariam capacitados e com empatia necessária para compreender estas questões e que podiam ser também um porto de abrigo para receber estas questões e poder ajudar, ouvir e partilhar informações sobre estes temas.

MM: Obrigada, Jo Rodrigues! Fica por aqui este episódio do Pela Tua Saúde!, o podecast do JPN sobre saúde feito de jovens para jovens.

TL: Regressamos em breve com mais um tema ligado à sexualidade. Fiquem atentos e até à próxima!

Ficha técnica
Pela Tua Saúde! #3 Orientação Sexual

Entrevista
Maria Miguel Marques
Tiago Lima

Convidado
Jo Rodrigues

Operação da Câmara
Cláudia Campilho
Luísa Vilarinho

Edição vídeo/som
Maria Miguel Marques

Vox Pop
Maria Miguel Marques
Tiago Lima

Identidade sonora
Joana Damas Martins

Identidade visual
Maria Miguel Marques

Ideia e coordenação
Paulo Frias

Edição geral
Filipa Silva
Beatriz Tavares

Consultoria médica
Daniela Duarte Silva
Joana Queiroz Machado