Jimmy P, NTS, $tag One e The Brain foram os convidados do "Hip Hop Tuga Não Morreu", um evento onde se falou de hip hop, da arte de rimar, mas também da arte de influenciar com consciência.

Cartaz do evento “Verso Tuga” realizado na FLUP esta quinta-feira. Foto: Duarte Rêgo/JPN

O auditório nobre da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) encheu-se de energia, esta quinta-feira (5), para ver o hip hop tuga fazer prova de vida. Jimmy P, NTS, $tag One e The Brain foram os convidados de “Hip Hop Tuga Não Morreu”, um evento onde se falou de hip hop, da arte de rimar, mas também da arte de influenciar – com consciência. Durante mais de uma hora, o rap tomou conta do palco e muito se falou dele como forma de intervenção cívica.

À boleia da conversa com os rappers convidados, o público viajou por entre vivências urbanas divergentes, mas que contam uma história comum: a forma como o hip hop “salvou” a vida de cada rapper e como cada rapper continua a salvar vidas através da sua influência. “O hip hop foi uma tábua de salvação”, disse Jimmy P, antigo aluno da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Para Joel Plácido, nome de nascimento, rappers como Chullage e Valete foram guias que fizeram Jimmy P entrar em contacto com a sua ancestralidade africana, através de rimas que fazem qualquer ouvinte ir buscar um dicionário. “Deram-me um sentido de pertença”, contou o autor de “Natty Dread”.

A ideia de influência esteve sempre presente: o que significa, quem a exerce, como se transforma. Para Jimmy P, quanto maior a exposição, maior a responsabilidade. “Podemos mudar a vida de alguém com uma conversa de 15 minutos”, disse. O rapper recordou a experiência em campanhas contra a violência no namoro, que o levou a percorrer escolas por todo o país.

Mas influência nem sempre significa moralismo. NTS, uma figura proeminente no rap de improviso e host do RedBull Francamente, rebate que, até aos 30, evitava expor fotos onde aparecesse a fumar para não influenciar os seus fãs. Após ser pai, Fábio (NTS) percebeu que o tabagismo não mudava a sua qualidade como figura paternal e que os fãs “vão ser influenciados por aquilo que quiserem que os influencie”. O mestre do improviso acrescentou que o seu foco está na autenticidade que coloca nas músicas e o sentimento que delas advém. Acrescenta que a sua maior responsabilidade é estar bem consigo mesmo. A influência positiva que pode gerar junto dos fãs, segundo NTS, está na inspiração que a sua história de sucesso e trabalho árduo pode proporcionar.

O evento trouxe também o testemunho de $tag One, rapper de Rio Tinto. Daniel, nome civil, destacou a evolução do rap enquanto ferramenta de consciência social – “antes era só música para dançar”, lembrou. Contudo, desde os seus primórdios até aos tempos de juventude de $tag One, a cultura do hip hop foi fulcral para a reflexão de temas como o racismo, a xenofobia ou a violência doméstica.

$tag One recordou que participou, como técnico pedagógico, no Centro Juvenil de Campanha e lidou com crianças que foram entregues ao sistema devido aos problemas que vivenciaram no seio familiar ou a crimes praticados antes da maioridade. O rapper contou que reabilitou, no local, uma biblioteca abandonada há 14 anos e transformou-a num estúdio provisório, para os jovens utilizarem a música como forma de expressão. Ao serem confrontados com letras de cariz violento, os outros técnicos do centro pedagógico de Campanhã viram $tag One “como um invasor no processo de pedagogia” dos jovens. O rapper considerou, contudo, que a influência positiva, nesse caso, não estava no conteúdo das rimas, mas sim em fazer com que os jovens ocupassem o seu tempo livre com algo criativo: “Já não estão na rua, já não estão a magoar-se, já não estão a lutar, já não estão a chorar…”, disse.

Da esquerda para a direita, The Brain, NTS, Jimmy P e $tag One foram os convidados do evento Verso Tuga. Foto: Duarte Rêgo

$tag One defendeu ainda que expor uma estética de gangsta rap não é fazer apologia de um estilo de vida. “Referenciar não é glorificar”, explicou. Para ele, censurar letras é um caminho perigoso. “Se formos por aí, metade dos livros e filmes que conhecemos desaparecem”, afirmou.

O painel encerrou com The Brain, que apresentou a faixa “Sketch” do álbum “Crisálida”. Natural dos Açores, o rapper falou das dificuldades em singrar num meio com poucos recursos. “Mas não é impossível”, sublinhou. Também aluno da FLUP, vê na música um caminho para dar visibilidade à sua região e recorda o começo em 2018 a rimar por cima de instrumentais produzidos por amigos, também naturais dos Açores, e das suas influências como Travis Scott e Lil Baby.

A conversa abriu também espaço para falarem dos bastidores da criação artística. Jimmy P partilhou o processo de composição do single “Fogueira”, escrito após uma pausa por motivos de saúde mental. “Voltar ao início, ajudou-me a reencontrar-me”, comentou. Já NTS, com duas décadas de carreira, explicou que o improviso surgiu da urgência de expressar o que sentia quando não conseguia escrever. “Escrever sobre temas pessoais é mais natural, sai mais rápido”, disse.

A ligação entre arte e território também foi tema. $tag One relembrou o impacto que teve nele o graffiti dos Una Crew e a cultura urbana do Porto. “Queria fazer parte”, lembrou. O seu percurso cruzou-se com a FLUP em vários momentos, desde a Universidade Júnior até a projetos de escrita criativa no Bairro do Cerco. Atualmente, funde jazz e rap, e apostou num álbum com formato físico inusitado: além do disco, e seguindo um conceito de “música líquida”, Gaiato” incluiu uma garrafa de vinho e uma curta-metragem exclusiva, acessível via QR code.

O evento, organizado por estudantes do Curso de Ciências da Comunicação da FLUP [curso de que o JPN faz parte], terminou com entusiasmo e rimas ao vivo. À saída, questionados pelo JPN sobre a experiência, os quatro artistas foram unânimes: “tem de se repetir”. The Brain sugeriu a expansão do evento para outros palcos, como o Plano B ou o Hard Club. $tag One ressalvou que é importante passar conhecimento aos fãs, mas também aprender com eles. Jimmy P afirmou que foi uma boa oportunidade de voltar à faculdade onde se formou e que é bom ver pessoas que ainda se interessam pela cultura hip hop, e ressalvou que eventos como este têm de se repetir porque é sempre “um ambiente bom e saudável” de aprendizagem.

Editado por Filipa Silva