Como ir para o trabalho, para a escola, sair à noite, ler um livro, ver um filme, escrever, pintar, combinar cores, misturar diferentes tonalidades. Como navegar na internet, estudar, elaborar um documento em Word ou construir um site. Como passear descontraidamente pela rua sem temer os veículos, os buracos no passeio ou na estrada, as escadas íngremes e os obstáculos inesperados. Sentir-nos-íamos completamente isolados do mundo, presos numa caixa escura, feita de sons, texturas e odores, errando à margem de uma sociedade dominada pelas imagens visuais.

Assim é para alguns. Mas para outros o mundo é muito mais do que isso, é mais complexo e intenso, formado pelas imagens sonoras, textuais, olfactivas, pelas memórias de um passado normavisual que guardam com saudade e tristeza e pelas múltiplas possibilidades que as novas tecnologias da comunicação e da informação lhes colocam à disposição.

Maria de Lurdes, cega aos 23 anos devido a uma retinopatia diabética, conseguiu transformar a deficiência visual num desafio sem fronteiras: aprendeu a mestria da locomoção através da bengala, o Braille e, sobretudo, como utilizar as potencialidades da informática para facilitar a comunicação e o exercício das suas funções no trabalho. Não desistiu de lutar contra a diabetes e, em 2001, fundou uma Associação de Diabéticos em S. João da Madeira, que se veio a tornar oficial quatro semanas depois da sua morte, no dia 16 de Abril de 2004. A associação promete manter-se e avançar com os apoios necessários à população diabética de S. João da Madeira, numa homenagem a Maria de Lurdes.

No Porto, o Centro de Apoio ao Deficiente da Biblioteca da Faculdade de Letras fornece ferramentas úteis para todos aqueles que queiram fazer da cegueira ou de outro tipo de deficiência não um obstáculo mas um desafio à prossecução dos objectivos profissionais e académicos.

Depois de ter cegado, Maria de Lurdes contactou com este serviço da Universidade do Porto e com ele aprendeu a melhorar as suas habilitações no campo das novas tecnologias da informação e da comunicação. António Silva e Maria João são dois funcionários do serviço, ambos cegos, e com uma experiência notável na área das novas tecnologias. Eles criaram uma forte amizade com Maria de Lurdes e recordam-na como uma mulher muito corajosa e determinada e, ao mesmo tempo, muito sensível e doce.

Com a reportagem multimédia a seguir apresentada, fica a homenagem a esta senhora que conseguia ver muito além dos nossos olhos.

Salomé Silva