A ANEM apresentou um conjunto de propostas para responder aos problemas associados aos custos do curso de medicina. Entre as medidas, está a atribuição de verbas para cobrir os gastos associados aos transportes e alimentação durante o período de estágio e a garantia de equipamento de proteção individual a todos os estudantes.

ANEM realizou sessão de debate na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, na qual se discutiram os principais custos associados ao curso de medicina. Foto: ANEM

A Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) está a criar um Observatório para agregar “os principais custos de cada uma das licenciaturas ou mestrados” do Ensino Superior português. O objetivo é que possam ser adotadas “soluções mais aprofundadas” e específicas para apoiar os estudantes de cada um dos cursos. A informação foi avançada esta terça-feira (30) pela presidente da ANEM, Rita Ribeiro, durante uma sessão de debate, que se realizou na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, na qual se discutiram os principais custos associados ao curso de medicina.

A proposta foi apresentada pela ANEM no Encontro Nacional de Direções Associativas, que se realizou em fevereiro, no Algarve. O Observatório foi, inicialmente, pensado para agregar dados relativos apenas a estudantes de saúde, mas, durante o encontro, foi decidido um alargamento aos restantes cursos do Ensino Superior. Os dados vão ser recolhidos junto das restantes Direções Associativas.

“Um estudante deslocado que estuda numa instituição de ensino superior (IES) suporta, em média, mensalmente, o mínimo de 544, 58 euros“, valor relativo à propina, habitação e alimentação, ao qual acrescem, segundo Rita Ribeiro, o valor das taxas e emolumentos. No que diz respeito aos estudantes de medicina, para além dos custos gerais, transversais a estudantes de outros cursos, existem outros custos específicos.

“O curso de medicina tem algumas particularidades, nomeadamente o facto de uma parte significativa do nosso percurso ser passada em hospitais e unidade de cuidados de saúde primários, alguns dos quais bastante afastados das nossas escolas médicas“, disse uma estudante do 6.º ano na Universidade do Minho numa compilação de testemunhos recolhidos pela ANEM. No caso da instituição que Rita frequenta, os estágios clínicos, “com uma duração mínima de cerca de dois meses”, são divididos entre os hospitais de Braga, Guimarães e Viana do Castelo.

“Para muitos, isso implica o recurso a viaturas pessoais com tudo o que isso acarreta; para outros, que não as têm, como é o meu caso, implica recorrerem a transportes públicos que, muitas vezes, não tem a frequência ou a flexibilidade que seria desejável. Estes custos são sempre suportados por nós. Eventualmente, também chegou a minha vez de estudar em Viana do Castelo. Avaliando os custos e a duração da deslocação diária de e para Braga, acabei por optar por procurar outro alojamento. Portanto, durante esses três meses, a minha família teve de suportar os custos do meu segundo alojamento em Braga e do meu terceiro alojamento em Viana do Castelo“, contou.

Também Leonor, estudante a frequentar o 6.º ano, ficou alocada “num hospital a 80 quilómetros do Porto, durante quatro semanas, sem qualquer tipo de apoio”. “As únicas alternativas viáveis seriam alugar um quarto perto do hospital e assumir todas as despesas ou, tal como muitos colegas, realizar cerca de 160 quilómetros diários, assumir um carro próprio para estas deslocações e as despesas de combustível e portagens“.

Para tentar colmatar este problema, a ANEM propõe “a atribuição de verbas monetárias à comunidade estudantil de medicina” que possam cobrir os gastos associados ao transporte para os estágios clínicos em meio hospitalar, que são obrigatórios, ou a “disponibilização de redes de transporte diretas” que façam a ligação entre as universidades e os locais de estágio “num tempo adequado de viagem”. Segundo Rita Ribeiro, apenas os estudantes da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior recebem apoio neste sentido. De acordo com a ANEM, a NOVA Medical School fornece alojamento aos estudantes que realizam o estágio clínico nos estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde primários nas localidades de Serpa, Beja, Caldas da Rainha e Coruche”.  

Equipamento de proteção individual

Para frequentarem as aulas práticas, os estudantes precisam de adquirir alguns materiais, cujo custo, “inteiramente suportado pela comunidade estudantil”, de acordo com a presidente da ANEM, varia consoante o local de compra. Entre esse materiais, está a bata ou a farda. Ao JPN, Rita Ribeiro disse que só a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto disponibiliza “uma farda no início do ciclo clínico no quarto ano“.

Para além disso, quando os estudantes ingressam no chamado “ciclo clínico”, têm de comprar um estetoscópio. Este equipamento é, segundo Guilherme, aluno do 2.º ano do ICBAS, “uma coisa pessoal, que não podemos partilhar, e obrigatória para o curso de medicina”. No testemunho, partilhado em vídeo na sessão, o estudante disse que o seu custo pode chegar aos “100, 120 ou 130 euros” e que é um investimento que “muitos estudantes não conseguem suportar”.

A Associação Nacional de Estudantes de Medicina propõe que haja “garantia do equipamento de proteção individual de medicina”, sendo que esse direito deverá “ser integrado num diploma próprio que garanta um estatuto de estudante de saúde”.

Outras propostas

Para além de propostas para o apoio na aquisição de equipamento de proteção individual, a ANEM defende que seja atribuído, em cartão, um valor que possa cobrir o custo das refeições associadas aos estágios clínicos em meio hospitalar. “O valor despendido pelo estudante deverá ser o valor médio da refeição social completa nas IES, que é de 2,77 euros, devendo o restante valor ser coberto”, quando “o tempo de estágio clínico durante a parte da manhã ou durante a parte da tarde somado ao tempo de transporte até à Universidade respetiva é superior a cinco horas”, “o estágio clínico engloba a manhã e a tarde” ou “a tarde e a noite”, disse a presidente da associação.

De acordo com Rita Ribeiro, nos estágios em meio hospitalar, os estudantes “não têm acesso aos preços praticados nas IES”, sendo que o custo de uma refeição completa pode variar “entre os 2,70 e os sete euros“. No caso dos estabelecimento de prestação de cuidados de saúde primários, como não existe cantina, os alunos têm de recorrer aos estabelecimentos de restauração existentes nas áreas circundantes.

Outro problema apontado durante a sessão diz respeito ao facto de as bibliotecas das instituições apresentarem “uma percentagem elevada de bibliografia, mas em percentagens significativamente inferiores às necessárias para o número de estudantes” existentes. Além disso, um livro, que pertence à bibliografia obrigatória, pode custar 94 euros.

A presidente da ANEM propõe “o reforço do material bibliográfico para que exista em quantidade suficiente para a comunidade estudantil de medicina nas bibliotecas das IES, a aferição de parcerias e criação de licenças institucionais entre as escolas médicas e plataformas ou bibliotecas online para a disponibilização do conteúdo bibliográfico”.

Ao JPN, à margem da sessão de terça-feira na FMUP, Rita Ribeiro disse que as propostas, que foram, inicialmente, discutidas no Encontro Nacional de Direções Associativas, vão agora ser reunidas num dossiê a ser entregue ao Ministério da Educação, Ciência e Inovação, juntamente com um pedido de reunião. O próximo passo passa também por “estabelecer um protocolo geral com o Conselho de Escolas Médicas Português, que reúne os diretores e presidentes das escolas médicas portuguesas públicas, com principio gerais a que se anexem estes dados e que permita o estabelecimento de protocolos mais locais a acompanhar”, disse.

Para a elaboração destas medidas, a ANEM ouviu estudantes de cinco das oito escolas que representa na iniciativa ANEM on Tour, “esperando chegar à totalidade até junho”.