Ozlem Tanrikulu é uma representantes do Conselho Nacional do Curdistão (KNK), organização que tem como objetivo a defesa e luta pelos direitos dos curdos. Em entrevista ao JPN, falou dos desafios e da atualidade do Médio Oriente.

O Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto organizou uma conferência a 12 de abril com a representante do Conselho Nacional dos Curdos (KNK), Ozelm Tanrikulu. Em entrevista ao JPN concedida à margem do evento, a ativista falou sobre os direitos do povo curdo, as dinâmicas do governo autónomo curdo no norte da Síria e a luta da mulher curda. Ozlem Tanrikulu enfatiza a força de um povo que “apesar dos massacres e bombardeamentos se sente curdo onde quer que esteja”.

Composto por 48 partidos, 18 organizações e intelectuais, o KNK quer chamar a atenção para as violações dos direitos humanos e questões políticas enfrentadas pelo povo curdo. A representante Ozelm Tanrikulu deu a sua perspetiva sobre a situação no norte da Síria, onde cerca de cinco milhões de pessoas vivem num regime de autogoverno na Administração Autónoma Democrática do Norte e do Leste da Síria ou DAANES, na sigla inglesa.

Além disso, a entrevista abordou as relações complexas da região com os Estados Unidos e a Rússia, que têm “instrumentalizado os curdos”, na visão de Ozlem, deixando igualmente críticas à Turquia, Irão, Síria e ao partido curdo do Iraque.

Abordado foi também o papel das mulheres curdas que na DAANES desempenham papéis vitais na preservação da língua e cultura, apesar dos desafios históricos de assimilação. Com uma presença significativa em todas as esferas da sociedade, as mulheres curdas lutam há décadas pela liberdade, considerando que uma “mulher livre é uma sociedade livre, e uma sociedade livre é um país livre”.

As lutas dos curdos na Síria e dos palestinianos encontram paralelos históricos e desafios comuns, sofrendo consequências do cenário deixado pelo colonialismo europeu no Médio Oriente. Para Ozlem Tanrikulu “ambos os povos, palestiniano e curdo, viram a sua terra ancestral ser roubada e foram alvo de genocídio físico e político. Mas ambos os povos são resistentes e não permitem que o seu futuro seja negado”.

JPN – Qual é o papel do KNK (Congresso Nacional do Curdistão)?

Ozelm Tanrikulu (OT) – O Congresso Nacional do Curdistão (KNK) foi fundado em 1999. É uma coligação de organizações políticas e sociais das quatro partes do Curdistão e de toda a Europa, Estados Unidos, Austrália e Médio Oriente. É composto por partidos políticos, figuras políticas, intelectuais, advogados e ativistas. Reúne representantes de todas as regiões curdas para influenciar os governos nacionais, a União Europeia, o Conselho da Europa, a Organização das Nações Unidas e outras organizações internacionais, sensibilizando para a situação no Curdistão através dos media e em fóruns públicos, ao mesmo tempo que trabalha com políticos, grupos de direitos humanos e ONG para chamar a atenção para questões políticas e violações dos direitos humanos no Curdistão. Atua a favor do direito à autodeterminação dos curdos e colabora na elaboração de um quadro estratégico para uma solução democrática da questão curda no Médio Oriente. O Congresso baseia-se na coexistência de diversas comunidades étnicas (assírio-siríaca-caldeia, arménia, judaica, árabe, turcomana, azeri, turca e persa) e religiosas no Curdistão.

Os povos do Curdistão devem unir-se e mobilizar-se contra o agressivo sistema colonialista. Os seus interesses comuns residem principalmente na destruição do sistema colonialista e devem lutar como um só e unir esforços numa clara vontade nacional. Os 300 membros do KNK – 48 partidos, 18 organizações e muitos intelectuais – reúnem-se numa plataforma democrática, cujo princípio básico é juntar os movimentos políticos, os grupos de pressão e desenvolver uma cultura de diálogo.

O KNK é a única instituição na história do Curdistão que há 25 anos realiza este trabalho, principalmente com a sua base de diálogo entre os curdos. Também tem enfatizado a participação das mulheres em todos os campos da vida. 

JPN – Quais são os maiores desafios que o KNK enfrenta?

OT – O facto de não ser reconhecido como identidade política e cultural e a criminalização de todas as organizações curdas ou organizações democráticas que colaboram com o povo curdo são desafios importantes. Há, também, um desafio importante: o Partido Democrático do Curdistão (PDK, ou KDP, em inglês) é o único partido no Curdistão do Iraque que não partilha a ideia de “unidade nacional”. Eles não estão a proteger os valores curdos, mas sim os seus próprios interesses familiares, os da família Barzani. Atualmente, o PDK coopera diretamente com o Estado turco. A nossa sociedade também o vê e não o aceita, porque prejudica os curdos.

Desde há 25 anos, apesar de todos os nossos esforços, 99% dos partidos políticos estão sob o ‘chapéu’ do KNK. Mas 1% não está, e é o PDK. Por isso, o nosso povo já não o considera bem-vindo no KNK.

Atua a favor do direito à autodeterminação dos curdos e colabora na elaboração de um quadro estratégico para uma solução democrática da questão curda no Médio Oriente.

JPN – Como funciona a organização dos curdos no Norte da Síria? É um governo autónomo?

OT – Os curdos são cerca de três milhões no Norte da Síria. Esta zona recebeu muitos deslocados internos sírios. Assim, podemos dizer que cerca de cinco milhões de pessoas vivem com um sistema de autogoverno. Também há população árabe autóctone e de outras etnias, juntamente com pessoas que se deslocaram para estas zonas mais seguras e aceitaram o autogoverno, denominado Administração Autónoma Democrática do Norte e do Leste da Síria (DAANES).

A democracia de base é um pilar deste autogoverno, juntamente com a ecologia social, a libertação da mulher e a economia cooperativa. A unidade organizativa básica é a comuna, e a partir dela, estruturam-se, de baixo para cima, uma série de assembleias populares e conselhos onde são tomadas as decisões para organizar a vida social e responder às necessidades da população. O recente Contrato Social revisto, promulgado em dezembro de 2023, expõe como é estruturada a DAANES. O norte e o leste da Síria são uma região autónoma de facto que declarou unilateralmente a sua autonomia, mas insistiu – e assim está refletido no seu Contrato Social – que faz parte da Síria e que o seu objetivo é alcançar o estabelecimento de uma república democrática síria que funcione como uma confederação de regiões autónomas.

JPN – Qual é a relação do KNK com o Governo sírio?

OT – Desde 2012, como KNK, pedimos que o regime e os curdos participem num processo de diálogo. Mas o regime sírio mantém-se na sua abordagem pan-arabista. Juntou-se à Rússia e ao Irão com base num sentimento anti-curdo. Desde então, não houve estabilidade na região. Mas, no Norte e no Leste da Síria (NES), foi estabelecida uma administração autónoma apesar do Daesh (ISIS, Estado Islâmico), dos ataques da Turquia e também das forças da Coligação Internacional.

Desenvolveu-se uma cultura democrática. Os povos curdo, árabe, arménio, sírio, caldeu e circassiano têm demonstrado que podem coexistir. Assim, de facto, o modelo futuro da Síria já está em marcha. O regime sírio já não pode fazer ouvidos moucos e fugir dos problemas. Os árabes de Durzis, Alepo e Damasco também querem democracia, por isso uma constituição democrática poderia ser uma solução. Se não houver democracia, é inevitável que haja uma nova guerra civil.

JPN – Acha que o interesse dos Estados Unidos leva em consideração esses povos?

OT – Os Estados Unidos, assim como a Rússia, instrumentalizam os curdos. Ambos têm relações com os curdos de Rojava. Consideramos isso importante. Porque acreditamos que os problemas podem ser resolvidos através do diálogo. Mas ambos os instrumentalizam, como no Tratado de Lausanne. Ambos são paradoxais em relação à Turquia. “Sacrificam” os curdos para manter a Turquia perto deles, em ambos os casos. Por isso, em 2018, o cantão de Afrin foi entregue à Turquia sob os auspícios da Rússia. E, pela mesma razão, a Administração Trump, em 2019, entregou à Turquia as zonas de Serekaniye e Gire-Spi (localidades na fronteira nordeste da Síria com a Turquia). Esta foi a maior injustiça cometida contra o povo curdo.

No entanto, os curdos haviam libertado estas cidades do ISIS. E com isso garantiram a segurança da Rússia, da América e Europa. O ISIS não estava apenas contra os curdos em Rojava, em Shengal ou em Makhmur. O ISIS era uma ameaça global.

Nós, como KNK, chamamos a atenção para as políticas de ambas as potências: não devem olhar para o povo curdo como a Turquia faz, devem respeitar a vontade do povo curdo. Podem garantir a estabilidade da região dialogando com os representantes da comunidade curda.

Os Estados Unidos têm pouco papel na região. Porque tentam manter boas relações com a República turca. Não têm nenhum objetivo ou esforço em parar os ataques turcos ou do Daesh. Não podemos ignorar que os jornais turcos também documentaram a colaboração do governo turco com o Daesh.

A Rússia é uma potência que dirá sim a tudo o que coloque dificuldades aos EUA. Apoiar-se-á na Turquia sempre que isso prejudique os EUA. Não tem nenhum papel na região. Pensa nos seus próprios interesses, não na solução do conflito. A administração do NES não espera nada dos EUA.

JPN – Qual é a situação atual dos curdos?

OT – O atual governo turco, liderado pelo presidente Erdogan, tem como objetivo recriar o antigo esplendor otomano; completar o Pacto Nacional (Misak-i Milli), que implica a ocupação do norte da Síria e do Iraque. Para alcançar isso, precisa de acabar com os curdos, massacrá-los. Além disso, as políticas AKP-MHP levaram a inflação na Turquia a 67%; a vida quotidiana está cada vez mais difícil, especialmente nas regiões curdas.

Erdogan chama todas as terras curdas de “terroristão”. Ele fala sempre sobre segurança, separatismo, mas os curdos, com o projeto de confederalismo democrático, já demonstraram que desejam o reconhecimento da sua identidade cultural e política e auto-governança. Por isso, nas eleições, eles uniram-se a todas as forças políticas da Turquia para impedir as políticas de Erdogan.

Mas as detenções, torturas e bombardeamentos continuam. Erdogan quer influenciar o Iraque, o Irão e também a Síria para que apoiem a Turquia na sua guerra contra os curdos, porque o confederalismo democrático é uma possibilidade de acabar com as políticas internacionais que provocam conflitos de interesses económicos ou com as linhas energéticas.

O Estado turco está a fazer mudanças demográficas em Afrin e Serekaniye. Está a mudar a cultura. A destruir a história. Está a ajustar árabes em áreas tradicionalmente curdas. Está a trazer famílias do ISIS e a colocá-las nas áreas fronteiriças. Está a desalojar os curdos das suas casas e a confiscar as suas propriedades. Derrubou mais de um milhão de oliveiras. Saqueou e roubou o património arqueológico. O objetivo deles é apagar a consciência da história curda. Em Afrin, colocaram paquistaneses, e nas escolas só se ensina em turco e os nomes e cores curdas foram apagados. Por último, mas não menos importante, Erdogan insultou a terra do Curdistão chamando de terrorista a geografia onde vivem os curdos e declarando terroristas todo o povo curdo. Se isto não é genocídio, o que é? Hoje está a ser praticado um genocídio político, físico e cultural contra os curdos.

O Irão é uma potência ocupante do Curdistão. Prende e executa nosso povo todos os dias, há tortura nas prisões e julgamentos sem segurança jurídica. Esta situação persiste desde o início da revolução islâmica em 1978, mas se intensificou-se durante os protestos “Jin Jiyan Azadi”. Tenta despovoar o Curdistão oriental. Há uma política de migração forçada para quebrar a coesão da sociedade curda, também forçada pela difícil situação económica, que causa grande pobreza entre as populações das etnias minoritárias no Irão, como os curdos e os baluchis.

Embora governos como os do Iraque e da Síria tentem resolver os problemas por meio do diálogo, o Irão está a impedir que isto aconteça. Ameaça a estabilidade do Iraque, bombardeia as montanhas fronteiriças. Porque o Irão também tem uma política anti-curda. E está a alimentar a guerra. Usa o território sírio para introduzir forças militares que desestabilizam ainda mais o país, fortalecem o ISIS e hostilizam a coligação internacional.

Os Estados Unidos têm pouco papel na região. Porque tentam manter boas relações com a República turca. A Rússia é uma potência que dirá sim a tudo o que coloque dificuldades aos EUA. Apoiar-se-á na Turquia sempre que isso prejudique os EUA.

JPN – Qual é a posição assumida pelos curdos em relação às mulheres?

OT – A igualdade de género é um princípio fundamental entre os membros do KNK. Isso é demonstrado em todos os projetos, todos os comités e todos os conselhos pertencentes ao Congresso. Também é um pilar fundamental das práticas do confederalismo democrático; isso é verdade nas instituições e organizações que gerem os cargos eleitos no Curdistão do Norte, no campo de Makhmur (Iraque), bem como na Administração Autónoma Democrática do Norte e Leste da Síria.

A perceção do papel das mulheres na sociedade está a mudar, embora uma mudança estrutural demande tempo para se estender a todas as esferas da vida. As mulheres curdas sempre tiveram um papel muito importante na família e na criação; elas têm mantido viva a língua curda, apesar dos esforços dos Estados para apagá-la; apesar das tentativas de assimilação. Elas têm mantido viva a cultura curda, apesar da forte influência homogeneizadora das políticas estatais e da religião. A mulher no Curdistão está presente nos diferentes âmbitos da sociedade. Em todas as estruturas políticas, administrativas, sociais existe um sistema copresidencial.

No NES [Norte e Leste da Síria], o avanço nos direitos das mulheres tem sido enorme. Não é sem razão que o desenvolvimento do sistema de autogoverno ali estabelecido é chamado de “Revolução das Mulheres”. As Leis das Mulheres foram um marco no estabelecimento dos direitos das mulheres e no caminho para a igualdade de gênero. O papel da organização guarda-chuva das mulheres tem sido fundamental na luta pela libertação das mulheres. A resistência das mulheres influenciou a resistência “Jin, Jiyan, Azadi” no Irão.

JPN – O que significa “Jin, Jiyan, Azadi” (mulher, vida, liberdade) como lema?

OT – O lema “Jin, Jiyan, Azadi” caracterizou os protestos contra o assassinato de Jîna Amînî [2022] pelas forças estatais iranianas. No século XXI, tornou-se a bússola revolucionária de todas as mulheres que se rebelam e lutam pela libertação da mulher. O arquiteto de “Jin, Jiyan, Azadi”, que não significa apenas resistência, mas também vontade, força e organização para construir um novo sistema, é o líder do povo curdo Abdullah Öcalan [fundador do PKK, criador do confederalismo democrático]. Nas suas avaliações desde o final dos anos 1980 até o presente, afirmou que as palavras Jin e Jiyan têm as mesmas raízes no Curdistão, mas os sistemas machistas têm distanciado esses dois termos um do outro, tirando-os das mulheres e, portanto, da vida. Nesse sentido, Öcalan enfatizou que a mulher deve ser libertada se queremos uma vida livre. Em seus primeiros escritos em Imrali [ilha turca onde está preso desde 1999], ele disse “Jin, Jiyan, Azadi”. Não é apenas um lema. A mulher representa a vida e a liberdade. É considerada o motor que dirige a vida, a luta e a organização. No nosso idioma, mulher e vida são a mesma palavra. 

JPN – Sabemos que a UE e os Estados Unidos consideram que o PKK é um movimento terrorista. Qual é a vossa posição? Isso afeta as ações do Congresso?

OT – Não podemos esquecer que o PKK foi o único que foi combater o ISIS quando este tentava arrasar o campo de refugiados de Makhmur [norte do Iraque]. E também em 2014, quando o povo yazidi de Shengal foi atacado pelo ISIS, após o abandono do exército iraquiano e dos peshmerga do KDP, o PKK, junto com as YPG/YPJ, foram quem abriu um corredor para que milhares de yazidis pudessem escapar do genocídio desde o monte Sinjar. Depois, na guerra de Kobane [norte da Síria], a batalha que marcou o princípio do fim do Estado Islâmico, foi também o PKK que esteve na linha da frente. Mais de 600 militantes do PKK morreram nessa guerra.

Acredito que o conceito de terrorismo ainda não está claro. Um movimento de libertação de um povo é considerado terrorista, mas um governo que realiza massacres, invade e ocupa países vizinhos, que pratica tortura em detenções e prisões, que executou genocídios, assassina ativistas políticos e artistas, bombardeia infraestruturas civis básicas, armando grupos jihadistas, não é terrorista?

Quanto à consideração do PKK como terrorista, o Tribunal Supremo da Bélgica emitiu uma resolução declarando que se trata de um movimento de libertação, não de um grupo terrorista. Numa campanha, foram recolhidas 3,5 milhões de assinaturas de pessoas europeias que consideravam ser um movimento de libertação.

Colocar a rotulagem de “organização terrorista” no PKK é uma maneira que o Ocidente tem de evitar a expansão das ideias do confederalismo democrático, porque é contrário à mentalidade estatista do sistema capitalista. Com o mesmo objetivo, em Rojava, é permitido que a Turquia lance ataques, mantenha o bloqueio nas fronteiras e não reconheça a DAANES. O objetivo é evitar a consolidação da autonomia democrática, porque então teria que se admitir que o confederalismo democrático pode funcionar. A Turquia insiste que as Forças Democráticas da Síria (SDF) são terroristas; ela quer que sejam incluídas na mesma lista. Até agora, não conseguiu, porque são a força de choque contra o ISIS da Coligação Internacional.

A atual situação trágica dos povos palestiniano e sírio decorre de uma mesma causa: o colonialismo europeu do início do século XX, e especificamente das políticas coloniais da Grã-Bretanha e da França.

JPN – O povo curdo também se sente sírio, turco, iraniano ou iraquiano?

OT – O povo curdo sente-se curdo, onde quer que viva. Apesar das tentativas de assimilação, massacres, detenções, torturas, bombardeamentos, violações e várias invasões e ocupações do seu território ancestral; apesar da alteração forçada da toponímia, dos seus próprios nomes pessoais, das tentativas de apagar a sua língua e memória cultural, e até da deturpação ou alteração descarada dos factos históricos, podemos dizer que os curdos sentem-se curdos onde quer que vivam. Mas também em solidariedade com os povos com quem convivem.

JPN – Dada as lutas pela autonomia e pelo reconhecimento dos curdos na Síria e dos palestinianos em Gaza, que semelhanças observa entre estas duas situações? Existe uma relação de solidariedade mútua?

OT – A atual situação trágica dos povos palestiniano e sírio decorre de uma mesma causa: o colonialismo europeu do início do século XX, e especificamente das políticas coloniais da Grã-Bretanha e da França. As decisões tomadas no Tratado de Lausanne, após a Primeira Guerra Mundial, são responsáveis pela situação atual no Médio Oriente. Mas também pelos desenvolvimentos posteriores dos Estados-nação inventados para uma região multicultural, diversa e tribal, onde as fronteiras desenhadas de forma arbitrária têm sido um absurdo. Ambos os povos, palestiniano e curdo, viram a sua terra ancestral ser roubada e foram alvo de genocídio físico e político. Mas ambos os povos são resistentes e não permitem que o seu futuro seja negado.

O povo curdo sentiu sempre uma grande solidariedade para com o povo palestino, uma vez que viu a sua própria resistência refletida neles. Além disso, no início da década de 1980, a resistência curda formou-se militarmente e uniu-se à luta dos revolucionários palestinianos contra a invasão israelita do Líbano. Eles lutaram e morreram pela Palestina antes da sua própria terra.

No entanto, as trajetórias de ambas as resistências não são paralelas, embora o movimento curdo mostre grande respeito pela resistência palestiniana. Enquanto os curdos apresentam o confederalismo democrático como uma via para a resolução dos conflitos no Oriente Médio, que é uma proposta antiestatista, a resistência palestiniana busca a criação de seu próprio Estado. Enquanto os curdos defendem uma sociedade onde todas as crenças religiosas sejam respeitadas e permaneçam no âmbito privado, eles imprimem um forte caráter islâmico à sua luta.

Editado por Filipa Silva