Numa altura em que os incidentes em França estabilizaram, apesar da manutenção do estado de emergência que o primeiro-ministro francês, Jean Pierre Raffarin, garantiu na passada sexta-feira que se irá manter até ao princípio do próximo ano, é possível fazer uma análise global não só dos distúrbios que tiveram lugar por toda a França no último mês, mas também da actuação das autoridades.

O director de um instituto europeu que agrega mais de 40 grupos de investigação sobre delinquência, normas e desvios sociais, espalhados por mais de 10 países, o Groupe Européen de Recherches sur les Normativités (GERN), Phillippe Robert, aborda, em entrevista por e-mail, várias questões sobre a situação em França, mostrando-se muito crítico da actuação dos políticos em relação a políticas sociais.

Quais as razões para o prolongamento dos distúrbios?

O período de distúrbios está praticamente acabado, ou melhor, voltou ao seu nível endémico de baixo intensidade. O que acontecerá a seguir – acalmia duradoura ou reacender dos incidentes – depende do que será feito pelos polícias no terreno para evitar – apesar das tensões das últimas semanas – a repetição de acontecimentos trágicos como os que começaram os distúrbios (os adolescentes, perseguidos ou não por polícias, ainda não está claro, refugiaram-se num transformador de electricidade – como é que entraram lá tão facilmente? – onde morreram electrocutados).
Vai depender também da capacidade do ministro do Interior e dos políticos próximos dele de renunciarem a provocações verbais e a marcas de desprezo (como chamar “polígamos”) que só servem para deitar achas sobre o fogo. A médio prazo vai depender da capacidade do Estado de sair, finalmente, da política de cidade e da sua letargia e implementar (para além dos simples e facilmente olvidáveis anúncios) medidas efectivas de luta contra a segregação económica, social e urbana.

Jacques Chirac apelou às empresas e aos sindicatos para contribuírem para melhorar as situações de emprego dos jovens dos subúrbios. Estarão estas dispostas a colaborar?

O Presidente da República advertiu todo o mundo… excepto o Estado que ele dirige desde há uma década. Uma mobilização real das autarquias, dos meios associativos, das empresas e dos sindicatos só pode ser conseguida se os diferentes intervenientes forem convencidos que o Estado fez, finalmente, um verdadeiro compromisso duradouro com a luta contra a segregação económica, social e urbana. Por outro lado, uma parte dos políticos ocupa-se das preocupações de segurança, não para tentar responder a um problema social, mas somente para fazer um jogo de concorrência política, como já aconteceu nas eleições de 2001.

O ministro do Interior afirmou que expulsará do país os imigrantes envolvidos nos distúrbios. Que consequências terá esta medida?

Muito poucas. A maioria das pessoas interpeladas por causa dos distúrbios urbanos recentes parece ser de nacionalidade francesa (e portanto inexpulsável). Além disso, mesmo os estrangeiros não podem ser expulsos se forem menores de 18 anos. E existem outros motivos que impedem a expulsão. No total, é apenas um número ínfimo que é susceptível de ser expulso. Trata-se de um anúncio que serve apenas para fazer crer que os distúrbios recentes são fundamentalmente étnicos e procura apelar à xenofobia.

Como se justifica o recolher obrigatório por mais três meses?

O recurso à lei sobre o estado de emergência é, provavelmente, supérfluo desde o primeiro momento. As medidas necessárias podiam, provavelmente, ser tomadas sem recorrer a esta resolução desproporcionada. A sua adopção parece responder, à competição existente entre o primeiro-ministro e o ministro do Interior em relação às eleições presidenciais de 2007, e à vontade de mostrar os distúrbios urbanos como um simples problema de manutenção a ordem e de minimizar as suas dimensões sociais, económicas e urbanas.

Qual é a sua opinião sobre o discurso do presidente Chirac, em termos de medidas a adoptar?

A única medida concreta – que mesmo assim ainda é vaga e sem data precisa – consiste na promessa de estabelecer, em 2007, um serviço civil que vem substituir o serviço nacional que foi suprimido há dez anos por uma decisão presidencial tomada sem concertação e sem pesar as diferentes funções da instituição.

Tiago Dias
Foto: SXC