Depois de ter introduzido o abstraccionismo geométrico na pintura portuguesa, Fernando Lanhas descobriu uma outra forma de estar nas artes plásticas: o “ablativismo”.

Consiste em “retirar quase tudo” para “ficar quase nada”. Lanhas, que, na década de 40 introduziu o abstraccionismo geométrico em Portugal, realizou uma outra experiência que nunca viu feita em parte alguma. Chamou-lhe “ablativismo” porque “consiste na retirada do desenho principal”.

Como é que surge a abstracção na sua pintura? Como é que passa da figuração à abstracção?

Não é passar. A abstracção é, de certo modo, um desprendimento. Não é um desinteresse, é um desprendimento.

É um desprendimento de quê?

Da figuração. Nós não estamos preocupados em representar qualquer coisa. Quando eu faço o retrato de uma pessoa, um desenho, estou preocupado em fazer o retrato dessa pessoa, porque ela gostava que eu lhe fizesse o retrato, ou eu queria fazer esse retrato, ou qualquer coisa me leva a fazer o retrato de uma pessoa. Acho interessante.

Mas, mesmo assim, abandonou a figuração, e reservou-a apenas para o desenho…

Talvez porque somos dados ao gosto de querer saber e a uma certa sedução por ideias ascéticas que não precisam de figuração. Depois, isso traduz-se em cor e num certo saber representar o nosso esquema de figurar a cores.

A abstracção tem algum carácter mais íntimo do que a figuração?

Hoje, quase todas as pessoas andam pela abstracção. Raramente vamos a uma galeria e encontramos quadros com representação de paisagens. Parece que não se usa. Mas não é só a dificuldade para fazer isso, porque jeito para desenho eu tinha algum. Ou tenho algum. Não é essa a dificuldade. O interesse é que é outro. E o à vontade. Há um início de pintura que eu já comecei há alguns anos e que faço de vez em quando, que é a ablação. A ablação na pintura. Ou seja, eu arranjo um esquema geométrico em que retiro quase tudo e fica quase nada. Ou pinto só o nada naquele trabalho que estava a fazer. Isto da ablação é retirar. Chamei-lhe ablativismo.

Como é que chega a isso?

Uma revista da Gulbenkian, a “Colóquio Artes”, trouxe uma capa [JPG] com essa minha experiência. E já tenho mais quadros desses. Consiste em retirar aquilo que há e não pintar. Pintar apenas o apontamento, e o resto não há.

E o que é que faz ao resto? Funciona como um suporte para aquilo que vai ficar?

É. É apenas apontado. Isto é uma novidade. Eu nunca a vi feita em parte nenhuma. Nem aqui nem lá fora. Não tenho continuado essa experiência. Mas, atenção: isto é uma experiência. Consiste na retirada do desenho principal, como se fosse um vazio. Isso é interessante. É uma novidade que eu sinto que teria a obrigação de continuar, mas não tenho feito isso. Não me tem acontecido isso. São experiências que devem ser continuadas. Mas eu tenho 82 anos. O que é que se há-de fazer?

Ana Correia Costa
Foto: CMP [PDF]