Cerca de 60 investigadores portugues, brasileiros e de outros países lembram Agostinho da Silva num congresso internacional de três dias, que começa hoje. O evento, intitulado “Agostinho, pensador do mundo a haver”, é o momento máximo das comemorações do nascimento do filósofo e figura de relevo da cultura luso-brasileira, que começaram em Fevereiro, o mês em que nasceu, no Porto.

O congresso [JPG] arrancou hoje, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Continua amanhã também em Lisboa, na Universidade Católica, e termina sexta-feira, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde se licenciou em Filologia Clássica com 20 valores, em 1928. No âmbito do congresso, serão lançados cinco livros sobre o pensador, entre os quais “Cadernos de Lembrança”, com textos inéditos.

Para o secretário executivo da Comissão do Centenário, o “êxito do programa” de comemorações, composto por “iniciativas por todo o país e mundo lusófono”, ultrapassou as expectativas. O sucesso explica-se pelo “crescente interesse” por Agostinho, verdadeiro “pensador do futuro” e pioneiro de diversos temas que marcam hoje a actualidade, como o ecumenismo e o diálogo civilizacional, explicou Renato Epifânio ao JPN.

O membro da direcção da Associação Agostinho da Silva, que organiza as comemorações em conjunto com os governos português e brasileiro, salienta o “sentido amplo e universal” que o filósofo dava à cultura portuguesa, envolvendo a Galiza, o Brasil e os países lusófonos num abraço universalista. Foi, por isso, inspirador da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Pensador livre

Produziu uma vasta obra pedagógica, científica, literária e filosófica – destaque para os famosos cadernos de iniciação cultural, sobre áreas díspares como a religião ou a arquitectura.

Os cadernos “O Cristianismo” (1943) e “Doutrina Cristã” (1944) inquietaram o Estado Novo e a Igreja, ao questionar a transcendência de Deus. “Todos podemos ser sacerdotes, porque todos temas capacidades de Inteligência e de Amor”, escreveu.

Agostinho tinha “uma visão que está para além das religiões”, explica Renato Epifânio. Promoveu um “ecumenismo integral que congrega todas as religiões e até correntes como o ateísmo”, ideia que antecipa o diálogo entre civilizações hoje tão propalado.

A obra de Agostinho não se ficou pelos livros. No Brasil, para onde emigrou em 1944 devido ao incómodo que o seu espírito livre causava ao Estado Novo (foi preso pela polícia política no ano anterior), participou na fundação de universidades (como a de Brasília) e centros de estudo, sobretudo fora das grandes cidades.

A ditadura do Brasil empurrou-o de volta a Portugal, onde se tornaria conhecido de boa parte dos portugueses através da sua participação no programa “Conversas Vadias” da RTP1. Morreu em Lisboa a 3 de Abril de 1994.

Pedro Rios
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Foto: DR