«Buracos Negros e Outras Inconsistências» é o título da segunda mostra de trabalhos de Edgar Martins no Centro Português de Fotografia (CPF). “Buraco negro é uma interrupção a nível da lógica, a nível da compreensão, a nível dos nossos meios de sensibilização e de comunicação”. Foi assim que Edgar Martins justificou o título desta mostra que, para alguns, deixa antever um significado negativo, como o próprio autor refere. Depois desta explicação, Edgar Martins respondeu às questões colocadas pelo JPN e deixou algumas reflexões acerca da fotografia e do seu papel nos dias de hoje. Falou ainda das diferenças que encontra entre Portugal e Inglaterra, a nível da Fotografia.

Edgar Martins nasceu em Évora, em 1977, mas cresceu em Macau. Terminou o curso de Fotografia em Inglaterra. Actualmente vive e trabalha em Londres, onde fundou, em 2002, a editora The Moth House, Publishing Company. O trabalho «Black Holes and Other Inconsistencies» (“Buracos Negros e Outras Inconsistências”) foi publicado em livro pela Moth House, e já recebeu o prémio da Thames & Hudson e da RCA Society Book Art Prize.

Da escrita à fotografia

“Estive envolvido em produção de trabalho literário desde muito novo, e acabei por chegar à conclusão de que todos os trabalhos que escrevia estavam baseados em visualizações bastante fortes, de modo que decidi explorar a imagem visual, e decidi explorar inevitavelmente a fotografia”. São estas as raízes da escolha de Edgar Martins, nas palavras do próprio. Depois disso vem a reflexão sobre essa escolha, e o fotógrafo vai apercebendo-se de que “a fotografia é possivelmente o medium mais apropriado para a comunicação dos problemas da realidade, porque o próprio medium fotográfico trata com a realidade”.

O lugar da objectividade e a “necessidade de reeducar o público”

“As fotografias não são absolutas”. Isto para dizer que “não há fotografias objectivas, só há pareceres, pontos de vista”. Edgar Martins faz questão de sublinhar que “aquilo que dá autenticidade às fotografias não é a realidade em si, é o fotógrafo”.

No que toca ao público da Fotografia, Edgar Martins aponta para “uma necessidade de se reeducar o olhar leigo” e “reeducar as pessoas relativamente ao conceito de fotografia”. De acordo com Edgar Martins, essa necessidade decorre do facto de a fotografia continuar a ser considerada, nos nossos dias, como um “medium objectivo e factual”. Este jovem fotógrafo explica um pouco o seu trabalho, defendendo que este faz referência a essa ausência de objectividade total na fotografia. “O meu trabalho faz alusão ao facto de que devemos ser suspeitos, não só do mundo que nos rodeia como também da fotografia enquanto meio objectivo”.

O “olhar leigo” do público

“Se as pessoas perceberão ou não toda a filosofia por detrás do meu trabalho, isso não sei. O que sei é que tenho de criar uma linguagem minimamente universal para que as pessoas possam identificar o trabalho a determinados níveis, e esperar que, aos poucos, as pessoas fiquem mais conscientes de que, se calhar, o trabalho não representa só uma coisa, representa mais do que uma coisa”.

Edgar Martins explica que, “quando mencionamos público, referimo-nos ao público geral, ao olhar leigo”, e afirma: “eu penso que estamos a impor restrições a nós próprios se formos expor trabalho que, de certa forma, o público compreenderá”. E sublinha que “a fotografia nunca evoluiria “ se apenas se “apresentar trabalho de que o público português possivelmente goste”.

Portugal e Inglaterra: dois mundos à parte?

Edgar Martins falou ainda das apostas nos novos talentos e disse que, “em Portugal, as grandes instituições e centros difusores de fotografia e de arte portuguesa continuam a ser um pouco reservados à promoção de fotógrafos com bastante talento e que trabalham de forma experimental”. Depois das críticas ao facto de haver em Portugal uma tendência para funcionar em circuito fechado na área das artes, Edgar Martins afirmou que “a grande diferença entre Portugal e Inglaterra é que o espaço cultural de Inglaterra é bastante maior”. Por isso, na opinião deste fotógrafo, existe uma “maior aposta a nível de novos talentos em Inglaterra do que em há em Portugal”.

“Em Portugal há necessidade de apresentar mais diversidade a nível das coisas que são produzidas”. E Edgar Martins deixa o alerta: “a nível dos próprios cursos de fotografia, penso que há necessidade de reestruturar”.

“Necessidade de modernizar os cursos”

A propósito das diferenças que Edgar Martins diz ter encontrado entre Portugal e Inglaterra, o fotógrafo deixou bem claro que “existem bastantes falhas” a nível dos cursos de fotografia no nosso país. “Grande parte dos cursos de arte são bastante limitativos”, disse, referindo-se aos cursos ministrados em Portugal. De acordo com este fotógrafo, deveria existir uma relação mais estreita entre várias disciplinas, como acontece em Inglaterra.

“Eu penso que se poderia fazer mais no sentido de se apresentar uma relação mais moderna da fotografia, dos estudos sociais, dos estudos urbanísticos e criar uma relação mais dinâmica entre o medium fotográfico e a História da Arte, a Sociologia, e a Filosofia. Ou seja, criar estudos interdisciplinares”. Edgar Martins frisou a importância de uma maior abrangência dos cursos de fotografia a nível das disciplinas, e alertou para o facto de se continuar a ter grandes limitações caso não haja uma “evolução dessa forma de trabalhar interdisciplinar”.

“Em Portugal, o conhecimento que eu tenho da Fotografia é de que aborda coisas especificamente relacionadas com Fotografia. Ou são cursos demasiado técnicos, ou são cursos que fazem uma abordagem de Belas-Artes mas que se ficam por determinadas etapas e fases da História da Fotografia e da História da Arte. Por tudo isto, Edgar Martins chamou a atenção para a “necessidade de modernizar os cursos”.

“Puxar os limites da fotografia”

“O trabalho que tenho vindo a fazer tem como objectivo tentar criar uma espécie de reeducação a nível de ideias, mas também apresentar pontos de vista muito específicos que não dizem só respeito a Portugal”. Relativamente à sua profissão, Edgar Martins afirma: “o nosso dever como fotógrafos é tentar sempre puxar os limites da fotografia”. Referindo-se aos «Buracos Negros e Outras Inconsistências», o fotógrafo explica que “o trabalho tenta ser aberto na medida em que apresenta um ponto de vista e uma narrativa, mas é uma narrativa que apresenta reticências no final. É uma narrativa que tem continuação e progressão”.

Ainda acerca da fotografia, Edgar Martins deixa no ar uma sugestão, dirigida, em especial, ao público: “não podemos ser passivos, não podemos simplesmente esperar que uma fotografia nos dê um determinado significado, ou nos dê uma determinada narrativa e ficamos por aí. Até nem nos podemos contentar com o facto de que uma fotografia nos diz uma coisa e é final”.

Foto: CPF (fotografia de Edgar Martins)

Ana Correia Costa