As sevícias infligidas a detidos iraquianos em Abu Ghraib por elementos das forças da coligação constituem “uma clara violação da Convenção de Genebra”, “não só dos direitos humanos em geral mas fundamentalmente dos direitos dos prisioneiros de guerra que estão consagrados no Direito Internacional Humanitário”, esclarece o juíz Almiro Rodrigues. À luz do Direito Internacional, “as infracções cometidas são crimes de guerra, quer perante as Convenções de Genebra, quer perante o estatuto do TPI”, esclarece Almiro Rodrigues.

Em declarações ao JornalismoPortoNet (JPN), o especialista em Direito Internacional explicou que “o Direito Internacional Humanitário visa estabelecer as regras de uma guerra. É um direito que se aplica desde o primeiro tiro de espingarda e que vai até ao fim do conflito, incluindo a ocupação militar”. Como o Iraque vive ainda numa situação de “ocupação militar”, o Direito Internacional Humanitário é aplicável aos casos de abusos em Abu Ghraib.

“Os prisioneiros de guerra nunca podem ser julgados por terem participado num conflito”

Almiro Rodrigues explica que, de acordo com a Convenção de Genebra, “são prisioneiros de guerra os combatentes que participam num conflito armado e que caíram no poder do inimigo”. A Convenção estabelece direitos para os prisioneiros de guerra, assim como obrigações para as autoridades que os detêm.

Direitos e deveres dos prisioneiros de guerra

O especialista em Direito Internacional refere que “a maior parte das pessoas ignora que os prisioneiros de guerra apenas têm a obrigação de declarar o nome, a patente e a data de nascimento, não sendo obrigados a responder a mais nenhuma outra questão. E não podem ser maltratados, discriminados ou segregados pelos facto de não terem respondido a outras questões”.

A Convenção de Genebra e os crimes de guerra

Almiro Rodrigues explica que os países signatários da Convenção de Genebra, como é o caso dos Estados Unidos e do Iraque, “têm obrigação internacional de procurar os presumíveis culpados por crimes como aqueles que foram cometidos pelas forças da coligação contra prisioneiros iraquianos, ou quem tenha ordenado a execução desses crimes, e levar essas pessoas perante os seus próprios tribunais para serem julgadas”.

“Não vejo possibilidade de o julgamento acontecer no TPI”

“Não é possível que o Tribunal Penal Internacional venha a julgar esses criminosos de guerra, na medida em que os Estados Unidos e o Iraque não são parte desse estatuto”. No entanto, o estatuto do TPI prevê uma excepção: existe a hipótese de julgar criminosos provenientes de países que não ratificaram o Tribunal Penal Internacional. No caso dos Estados Unidos e do Iraque tal só será possível caso haja, pela parte dos dois países, um “consentimento, através de um acordo especial que permita efectuar o julgamento”. Esse acordo é necessário porque nenhum destes países ratificou o TPI.
“Do ponto de vista internacional e do ponto de vista da diplomacia não vejo, neste momento, os Estados Unidos a aceitarem que o Tribunal Penal Internacional, cuja existência eles não aceitam, possa vir a julgar estes crimes”.

Julgamento poderá ser em tribunais nacionais

As alternativas ao TPI poderão ser, na opinião de Almiro Rodrigues, “os tribunais iraquianos” ou, eventualmente, um “tribunal ad-hoc” que teria de ser criado exclusivamente com o intuito de julgar as infracções cometidas no Iraque. No entanto, essa hipótese ficaria dependente da aceitação por parte da comunidade internacional de um tribunal desse género. “Não me parece que a hipótese de criação de um tribunal ad-hoc seja viável, na medida em que o processo de desenvolvimento da justiça penal internacional vai no sentido de uma justiça permanente e universal, que é aquela que se começa a ter com o Tribunal Penal Internacional”.

De acordo com o especialista em Direito Internacional “a tendência será, em princípio, que os tribunais nacionais, quer do Iraque quer dos Estados Unidos, venham a julgar estas pessoas”, ou seja, os soldados que cometeram os abusos contra detidos iraquianos.

São 94 os países que até agora ratificaram o Tribunal Penal Internacional. De fora ficam, para além dos Estados Unidos, países como a China, a Índia, o Japão e Israel.

Ana Correia Costa