Os militares que cometeram abusos contra detidos iraquianos podem incorrer em penas que vão desde a “expulsão das Forças Armadas” até “penas de prisão por períodos de tempo relativamente curtos”. A opinião é do general François Martins. De acordo com este especialista, o caso dos abusos cometidos contra prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib “está a ser empolado pela comunicação social”, e “nem tudo o que veio a lume é passível de ser considerado crime”, sustenta. Nesta medida, o general entende que os soldados que agora vão enfrentar o Tribunal Marcial não deverão ser punidos com penas muito severas: “duvido muito que as penas ultrapassem a expulsão das Forças Armadas. Quando muito, os soldados podem receber penas de prisão por um período relativamente curto, um ano ou dois. Penso que não é caso para mais do que isso”.

“Terroristas e guerrilheiros não são prisioneiros de guerra”

Estas previsões assentam na opinião de que os abusos infligidos por soldados americanos a detidos da prisão de Abu Ghraib não são abrangidos pela Convenção de Genebra. De acordo com o general François Martins, “terroristas e guerrilheiros não são prisioneiros de guerra” porque “não são considerados combatentes à luz do Direito Internacional”. O general explica que, “à luz do Direito Internacional, o combatente tem que usar uniforme e armas visíveis, e não pode misturar-se ou esconder-se no meio da população. Ao fazerem isso, eles perdem qualquer direito a serem considerados combatentes”. Nesta medida, “não se lhes pode aplicar toda a legislação internacional que protege os prisioneiros de guerra”, sustenta.

Na opinião de François Martins, a Convenção de Genebra “não é aplicável” a casos destes, uma vez que os guerrilheiros “não são combatentes”. Por isso, “nem tudo o que veio a lume [sobre os abusos cometidos por soldados norte-americanos] é passível de ser considerado crime”, sustenta o general.

“Há coisas que devem ser feitas”

Para François Martins, “há procedimentos que têm de ser tomados no interrogatório de prisioneiros nas circunstâncias em que eles [detidos iraquianos] estavam. Não se trata de prisioneiros comuns”, afirma François Martins. Na opinião do general, “há que distinguir a situação de cada um dos prisioneiros. É preciso distinguir também os tratamentos aplicados e saber a finalidade com que foram feitos. E é preciso saber até que ponto é que eles estavam ou não a cumprir ordens, e também se essas ordens foram bem entendidas”.

“Pode haver outros responsáveis”

“É preciso saber exactamente o que aconteceu e até que ponto é que os soldados são mesmo os responsáveis. É preciso saber se eles obedeceram a ordens ou se foi mesmo devido a má formação moral que os soldados, por prazer próprio ou por divertimento, infligiram aqueles tratamentos indignos e não necessários aos prisioneiros”. Na opinião de François Martins, os “outros responsáveis” podem ser “superiores hierárquicos, e isso pode diminuir a responsabilidade dos actuais implicados”, sustenta.

Prisioneiros de guerra, ou talvez não…

O general François Martins explica que, se os iraquianos que estão presos foram capturados em acções de combate, “deixam de merecer o tratamento de prisioneiros de guerra” caso se tenham disfarçado de civis e misturado com a população para poder atacar. “Isso é proibido pela Convenção de Genebra”, esclarece o general.

“Métodos de coacção têm de ser utilizados”

Depois de classificar o terrorismo como “um acto cobarde”, o general François Martins explica que só é possível capturar os terroristas “através de informações”. Essas informações, explica, “só podem ser obtidas por coacção, porque o terrorista que é capturado não vai confessar de maneira nenhuma os seus crimes, nem denunciar outros terroristas ou dar pistas que possam impedir que outras acções terroristas venham a ser cometidas”.

“Claro que tem que haver limites”, defende o general. “Nós não podemos utilizar as mesmas práticas que utilizam os ‘Saddams Husseins’ deste mundo”. “Mesmo para os terroristas há limites que não devem ser ultrapassados”, mas “há coisas que são permitidas e que têm de ser feitas, como, por exemplo, privar os prisioneiros do sono, fazer restrições em termos alimentares, submetê-los a ruídos intensos ou a posições desconfortáveis”. Para “obter informações que podem salvar muitas vidas, é permitido e recomendado a utilização de métodos de coacção muito duros, mas sempre a nível psicológico. Coisas que não causem danos físicos”, explica o general François Martins.

No entanto, o general salvaguarda que “uma coisa é utilizar medidas de coacção duras contra indivíduos para com os quais é adequado utilizar esses meios. Outra coisa é utiliza-los de forma indiscriminada contra indivíduos que foram presos apenas para averiguações”. “Não é permitido infligir danos ou coacções desnecessárias, e mesmo as coacções duras que são permitidas só serão utilizadas quando necessário”.

No caso do Iraque “foram utilizadas formas pouco dignas ou demasiado duras de tratamento dos prisioneiros de forma indiscriminada”, sublinha o general. De acordo com François Martins, os maus tratos abrangeram “os que verdadeiramente mereciam ser sujeitos a esses tratamentos e os que estavam presos para simples averiguações”. Na opinião do general, terá havido “indiscriminação na aplicação das medidas de coacção, e parece que elas foram muitas vezes usadas sem utilidade”, sustenta. “É em função disso que as penas serão atribuídas”, refere o general François Martins. “Penso que não vão sair deste tribunal punições que ultrapassem muito a expulsão dos soldados das Forças Armadas. Se houver algumas penas de prisão, estas não deverão ultrapassar alguns anos. Não estou a pensar em prisões perpétuas nem em penas de morte”.

Foto: Reuters

Ana Correia Costa