Temos assistido a um braço de ferro entre a Ministra do Ensino Superior, que defende o sistema 3+2, e a Comissão de Reitores das Universidades Portuguesas, que defende o 4+1. Porquê a crítica ao sistema 3+2?
A posição da Comissão de Reitores foi assumida em 2001, quando este processo na Europa estava muito mais incerto que hoje. Os reitores falam em nome das universidades, onde os cursos mais curtos são os de 4 anos. O que os reitores defenderam é que eventualmente poderia haver cursos de 3 anos, mas não nas universidades. Nas universidades, não vemos como comprimir um curso de 4 ou 5 anos para 3 anos. Isto é uma lógica segura e há uma série de argumentos sólidos. Hoje, creio que a situação merece ser repensada devido à grande mudança que entretanto se desenvolveu. Neste período, toda a Europa caminhou claramente para um sistema muito próximo do 3+2. A pergunta agora coloca-se um pouco ao contrário. Mesmo para quem ache que os modelos 4+1 e 3+2 são, cada um deles, totalmente legítimos, defensáveis e úteis para o país, o que vemos é que todos os países mais próximos adoptaram um sistema que formalmente é 3+2. Portanto, o que o Governo tem apontado é que se os nossos vizinhos estão a seguir este modelo, nós não temos muita opção, se queremos manter uma permeabilidade, uma mobilidade de estudantes e profissionais entre os dois lados. Seguramente que é um sistema que vai ter problemas, mas estamos no barco com eles e vamos vivê-los e corrigi-los em simultâneo. Qualquer dos sistemas tem problemas. Porventura nas universidades portuguesas o sistema 4+1, inicialmente defendido pelos reitores, seria uma opção mais simples. Era mais fácil recomendar que todos os cursos tivessem o 1º ciclo igual às licenciaturas mais curtas que hoje temos. Agora o que se constata é que, por um lado, essa é uma estratégia para conservar essencialmente o sistema actual e, por outro, verifica-se que na maioria dos países o sistema que está a ser adoptado não é esse. Agora o que haverá a fazer é mexer no sistema, fazendo as reformas necessárias à luz de um novo quadro demográfico, social, cultural, mas manter uma continuidade, quer do lado da procura dos jovens quer do lado dos empregadores.

O processo de Bolonha diz-nos que o sistema de créditos vai ser pensado segundo o trabalho dos alunos na sua globalidade. Como vão conseguir avaliar isso?
O sistema de créditos foi criado para tentar transmitir entre instituições a indicação do peso de uma dada disciplina ou módulo. Segundo a lei, um crédito corresponde a 15 horas teóricas ou 22 horas teórico-práticas ou 40 práticas laboratoriais. Não quer isto dizer que uma hora prática não seja tão importante como uma hora teórica. Isto foi desenhado assim porque se entende que um aluno tem que estudar mais para uma aula teórica do que para uma aula prática. Portanto, a noção tradicional em Portugal já era uma noção diferenciada e que se inspirava na perspectiva de que o aluno tinha um volume de trabalho diferente consoante a aula a que assistia. O que interessa é o tempo de trabalho do aluno. O regime de créditos que está a ser introduzido em Portugal e que muito em breve sairá em termos de lei, pretende dizer como é que o aluno deve organizar o seu trabalho, e também servir de guia à universidade quando esta elabora o plano de estudos e atribui os créditos.

As disciplinas vão ser as necessárias e vão estar bem ajustadas às exigências do mercado de trabalho?
É preciso distinguir formação profissional e educação. Quando se procura uma formação profissional, procuram-se saberes e técnicas que são aplicáveis ao mercado de trabalho. Mas isso não é educação. Educação é a criação de condições para que o jovem se desenvolva e depois possa, na sua vida activa, ocupar as funções mais diversas. Não podemos tender para eliminar tudo aquilo que achamos que não vai ser útil. E, se for perguntar a uma pessoa que esteja há dois anos no mercado de trabalho o que é que efectivamente usou, porventura resta muito pouco. Mas será que podemos reduzir o percurso educativo a esses conteúdos?

Muitos alunos fazem uma formação e depois na vida activa acabam por não trabalhar na área para a qual se formaram. E acontece que se empregam noutros áreas, tirando lugar a pessoas formadas apenas para aquilo. É desejável essa situação?
O erro é criar a expectativa ao aluno do que ele vai ser. Hoje em dia, o importante é fomentar uma educação, é preparar os estudantes para entrar na vida activa. Se forem incentivados a entrar em cursos de banda estreita, com uma especialização exagerada e uma ligação profissional aparentemente óbvia, seguramente que isso vai aumentar a frustração. Estudos dizem que mais de metade dos anúncios de emprego ao nível dos licenciados não indica qual é o tipo de profissional que precisam. Ou seja, o que se pretende primariamente no ensino superior é uma educação. Depois, se o jovem fez um curso numa área e vai acabar por trabalhar numa área muito afastada, isso, a meu ver, não deve ser visto como uma crise. O que não faz sentido é estar a formar um jovem durante dez anos, convencendo-o que vai ser jornalista, filósofo ou engenheiro, e no fim dizer-lhe que afinal isso não vai acontecer. Ao fim de dez anos, é muito difícil reciclar uma toda aprendizagem. Portanto, aqui está mais uma razão para os cursos serem mais curtos. Agora, esse desacerto entre a formação inicial e o que vai fazer acontece em todo o mundo, vai continuar a acontecer e acho que é benéfico.

Entrevista realizada em Novembro de 2004.

Cristina Freitas
Paula Coutinho