Quais as mudanças que Bolonha implicará no trabalho dos docentes?
O trabalho dos professores não vai ser reduzido. É mais fácil dar-se um determinado número de horas de aulas do que fazer acompanhamento e orientação de grupos de alunos. Porque cada grupo de alunos vai seguir, conforme os seus interesses, uma direcção diferente.
Bolonha pressupõe uma tutoria por parte dos docentes, que estão sujeitos a trabalhar sem rede. Ou seja, os interesses dos alunos podem ir além das matérias para as quais o professor se encontra familiarizado. Por isso, o trabalho do professor-orientador será muito mais complexo.
Este Tratado implicará uma grande alteração no sistema de ensino, já que o estudante passa a ser o centro de gravidade do processo. O estudante vai exigir do professor essa mudança de centro de gravidade.
Depois, haverá alterações físicas das instituições, de modo a que haja salas de trabalho para pequenos grupos. A maioria das universidades terá de reorganizar o seu espaço físico e ter salas e computadores suficientes para cada pequeno grupo de alunos. Os professores têm de ter salas onde atender os alunos.
Pergunto-me quantas instituições portuguesas não vão ter de reorganizar os seus espaços. Os meios que existem actualmente não são suficientes para a nova orientação dos alunos.

Pensa que tanto universidades quanto professores e Governo estão dispostos a dar início a essa reestruturação, a nível local, das instituições?
Não, mas serão forçados a tal. Se as pessoas, com o 1º ciclo, entrarem no mercado de trabalho e se aperceberem de que a formação que tiveram na universidade não foi boa, vão procurar outra formação fora da universidade em que estudaram. A universidade será importante na medida em que conseguir acompanhar as novas necessidades trazidas pela reestruturação de Bolonha e dar uma boa formação aos alunos.
Na minha opinião, ou as instituições lutam por dar boas condições de formação aos alunos ou eles vão para outro lado, até para o estrangeiro. As pessoas procuram o que é mais útil para elas.
O que acontece é que o discurso do Governo não é coincidente com as acções. Há várias decisões de importância capital neste processo que, por parte do Governo, ainda não estão claras. Não vemos medidas explícitas que nos dêem confiança.

“Professores sem doutoramento vão ser desprezados”

Falando dos professores: em que medida os despedimentos que virão a acontecer vão ser tão graves como se tem estado a fazer crer?
Há um factor muito grave, os professores universitários do ensino público não têm subsídio em caso de desemprego. Enquanto procuram reorientação, não têm segurança.
O que vai acontecer é que os licenciados e assistentes que não tenham tido condições para fazer o doutoramento dentro dos prazos estabelecidos vão acabar por ver a sua formação desprezada. Com a redução do número de docentes nas universidades, cada vez mais os professores que deveriam ter tempo para fazer o doutoramento vão estar sobrecarregados com horas de leccionação. E, se chegam ao final do prazo sem o doutoramento feito, o que vai ser deles?
Como é que um país com tão baixa escolaridade se pode dar ao luxo de manter licenciados no desemprego?
Aliás, há uma alínea que a ministra do Ensino Superior quer alterar, que é a obrigatoriedade das universidades contratarem os alunos que fazem doutoramento. Todos os ministros que passaram por esta pasta querem alterar esta alínea e os reitores também querem.
Ainda não é certo que essa intenção vá em frente, mas se for é uma violação dos direitos dos trabalhadores. Não é possível que um aluno faça um doutoramento e nem sequer sabe se vai ser contratado.

Qual o futuro dos professores que serão, efectivamente, despedidos e deixados sem subsídio de desemprego?
Esses professores investiram numa carreira universitária e não vão ter emprego. É mau para a sociedade portuguesa, que deita ao lixo recursos humanos. Como sindicato, a Federação Nacional dos Sindicatos de Professores terá de os reorientar.
As instituições estão a ficar com um corpo docente envelhecido e, não sendo esses professores incapazes, a universidade só pode perder com a falta de juventude. A universidade deve ser uma instituição altamente inovadora e criativa e é do equilíbrio entre mais velhos e mais novos que se conseguem esses atributos. A investigação de ponta, por exemplo, é estimulada por pessoas mais jovens.

Que medidas devem ser tomadas para suavizar as consequências negativas para os professores?
Primeiro há que limitar a burocracia no funcionamento administrativo das universidades. Deve dar-se melhor aproveitamento aos recursos humanos. Os países que estão na vanguarda em termos de competitividade não vêem a investigação como despesa, mas sim com um investimento. Falta essa mentalidade em Portugal.
As universidades também devem investir em populações que não chegaram ao ensino superior por políticas míopes de Governos anteriores. Temos de rentabilizar e dar melhor formação a quem não passou pela universidade e já está no mercado de trabalho, porque a competitividade faz-se com alunos universitários, mas também com pessoas que deviam ter passado por lá e não passaram. Essas pessoas devem ser capazes de dar novo impulso ao seu local de trabalho.

Andreia C. Faria