JPN – Qual é a posição oficial da Ordem dos Engenheiros (OE) em relação à aplicação dos princípios da Declaração de Bolonha ao Ensino Superior, sobretudo no que diz respeito aos cursos de engenharia?

FA – O Conselho Directivo Nacional da Ordem dos Engenheiros aprovou em 14 de Outubro de 2004 o documento ‘Posição da Ordem dos Engenheiros relativamente ao Processo de Bolonha’. Esse documento foi enviado à Presidência da República, ao Governo e ao Parlamento, e foi publicado na Revista Ingenium (II Série, nº 84, Novembro/Dezembro de 2004, pgs. 64-65).
É o seguinte o Sumário Executivo da posição tomada:
Início de Transcrição:
“Três linhas de força principais na posição da Ordem dos Engenheiros face às reformas em curso:
Exige-se uma formação de ensino superior acumulada de 5 anos (ou 300 créditos ECTS , usando a referência de avaliação de trabalho introduzida pelo Processo de Bolonha) para uma formação que confira a capacidade e responsabilidade de intervenção a todos os níveis de actos de engenharia.
A Ordem dos Engenheiros irá adoptar uma posição de abertura a formações de primeiro ciclo e correspondente título profissional, nos termos da legislação que vier a a ser aprovada e no reconhecimento de que o universo dos actos de engenharia exige diferentes competências profissionais.
Na perspectiva de que as formações de primeiro ciclo irão ter uma duração de três anos (180 ECTS), a Ordem dos Engenheiros defende a adopção das designações “bacharelato” e “mestrado” para os dois ciclos de formação pré-doutoramento, como sendo as que melhor asseguram a necessária transparência na relação ‘designação – conteúdos – competências’.
Aspectos gerais mais relevantes da Posição da OE
Entendimento sobre os principais objectivos do Processo de Bolonha
O Processo de Bolonha visa:
A formação de uma dimensão e de uma consciência europeias novas no ensino superior, na investigação e na inovação, sustentando a mobilidade dos Jovens e promovendo a empregabilidade no mercado alargado europeu.
O fomento do acesso a estudos multidisciplinares e a formação multicultural, conducentes a uma melhor aproximação aos interesses da Sociedade e, simultaneamente, a uma escolha profissional de mais e melhor realização e satisfação pessoal dos jovens.
Noutra perspectiva, uma evolução de paradigma de formação, projectada esta para as várias etapas da vida de adulto e adaptada à evolução do conhecimento e dos interesses quer individuais quer colectivos.
A Ordem dos Engenheiros declara a sua total disponibilidade e empenhamento em colaborar com o governo através do seu Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior, bem como com as instituições e demais parceiros profissionais no sentido de serem contemplados os interesses dos diferentes níveis da profissão de Engenheiro, no devido enquadramento do superior interesse nacional.”
Fim de Transcrição.

JPN – Como analisa as principais alterações propostas pelo acordo europeu, em especial a que diz respeito à re-estruturação dos cursos de ensino superior em 3 ciclos de formação. Preocupam-no? Compreende o cepticismo de outras ordens profissionais que já demonstraram o seu descontentamento em relação a algumas das propostas de Bolonha?

FA – O Processo de Bolonha é importantíssimo por várias razões, que passo a analisar ‘de fora para dentro’:
Em primeiro lugar é importante na perspectiva de desenvolvimento da Europa, que deve ser feito de cooperação. Ora, tal cooperação só é possível com a criação do Espaço Europeu do Ensino Superior e do Espaço Europeu da Investigação e Desenvolvimento, no seio dos quais devemos fomentar a mobilidade e a empregabilidade. Tal exige sistemas nacionais legíveis e comparáveis.
Perceba-se que em termos europeus as palavras-chave são: Qualidade legível e Confiança nos sistemas.
Depois, a nível interno representa uma oportunidade única para reformarmos o Sistema do Ensino Superior em Portugal. E bem essa reforma é necessária.
O caminho é o de tornar o sistema mais eficiente e atractivo e de com isso conseguirmos aumentar a formação superior média dos Portugueses.
O cepticismo de alguns sectores mais directamente envolvidos e interessados, resulta infelizmente de dois factores negativos complementares.
Por um lado o desconhecimento ou ignorância, que se traduz neste exemplo lamentável de muitos pensarem que ‘se vai dar as mesmas competências em menos anos’, algo que nunca alguém responsável disse.
O segundo é a acção dos interesses instalados que não querem alterar o status quo. Esse é, numa perspectiva mais global, o grande entrave ao desenvolvimento português – nas várias áreas que compõem a nossa vida, os interesses corporativos tolhem o progresso.
Concentremo-nos na atractividade – de facto, temos hoje cursos de ciclo único longos em que os estudantes depois de entrarem muito dificilmente dele se livram caso verifiquem que a sua escolha não era propriamente a sua vocação.
As consequências são conhecidas: média de anos de conclusão de cursos elevadas e percentagem também elevada de desistências.
Não se propõe redução de formação, propõe-se sim alteração da estrutura das formações que aproxime mais essas formações dos interesses da Sociedade e dos interesses dos estudantes ao longo dos seus percursos formativos iniciais.
Com as novas formações teremos Jovens mais interessados em prosseguir os seus estudos superiores porque entre outras coisas muitos verão mais facilmente a ‘luz ao fundo do tunel’. Criam-se assim condições mais favoráveis à subida do nível médio da formação superior em Portugal.
O cepticismo das Associações Profissionais, atrevo-me a pensar que é o do receio da má interpretação por parte do Poder Político do que realmente Bologna significa na Europa… e também me atrevo a pensar que esse tipo de receio infelizmente pode ter algum fundamento…
A Ordem dos Engenheiros seguramente que não pensa na diminuição das formações para se continuar a formar Jovens com competências adequadas para fazerem engenharia.

JPN – Como encara uma possível alteração de fundo nas licenciaturas de engenharia? Há a hipótese da OE recusar reconhecer licenciados com apenas três anos de formação?

FA – Esta questão já foi parcialmente respondida acima.
O uso infeliz e indevido da palavra licenciatura para o primeiro ciclo tem levado a essa confusão.
Pensem os leitores em ‘primeiro ciclo’ e ‘segundo ciclo’. Esqueçam designações.
Genericamente, portanto não só para engenharia, a formação e competências que os nossos licenciados actuais recebem na Escola irão ter equivalência aproximada à formação e competências que os jovens irão adquirir ao fim do segundo ciclo das novas formações. Notem bem, ao fim do segundo ciclo.
A partir daqui chamem-lhe o que quiserem, mas perceba-se que não há milagres, isto é, as formações de três anos não irão dar as competências das actuais licenciaturas.
Se por infelicidade do destino o nosso Parlamento aprovar a designação do primeiro ciclo como ‘licenciatura’ e se essa formação for de três ou quatro anos, é bem claro que a Ordem não a reconhecerá como reconhece as actuais licenciaturas.

JPN – Que iniciativas foram ou estão a ser tomadas pela OE tendo em vista a informação e o esclarecimento dos docentes e alunos dos cursos superiores de engenharia?

FA – A Ordem tem feito um esforço significativo, nomeadamente através dos seus Órgãos Regionais no sentido de atrair os Jovens para a Ordem, por forma a que fiquem mais perto das iniciativas que vai tomando, nomeadamente através das suas revistas nacional e regionais.
Uma acção importante acaba de ser concretizada em 30 de Dezembro do ano findo – o lançamento do novo Portal da Ordem dos Engenheiros que será certamente um espaço da maior relevância na ligação dinâmica da Associação ao Mundo dos Engenheiros e da Engenharia.
Muita informação já aí está vertida, mas acima de tudo apostamos no portal como um fórum de discussão, de esclarecimento e de divulgação da engenharia que a todos aproveite.

Raquel Rego
Ricardo Bastos