O final dos anos noventa do século passado ficou marcado pela tentativa, em muitos casos frustrada, de “estrangeirar” a música como forma de a exportar. Silence 4, The Gift, Belle Chase Hotel, só para mencionar alguns nomes, fizeram-se ao mar sem grandes resultados práticos, em termos comerciais. Todos assumiram as suas influências além-fronteiras: David Fonseca nunca escondeu a admiração pelos Radiohead; os The Gift seguiam os New Order ou os The Divine Comedy; a banda de JP Simões estava mais ligada aos blues e a Kurt Weill.

No século XXI, assiste-se a uma tendência para regressar às origens, com mais letras em português e um som mais caseiro. Eles dizem fazer o que sempre fizeram e que o facto de soarem tão portugueses reflecte apenas a sua ligação à música nacional. Mas o que é certo é que a guitarra portuguesa herdada de Carlos Paredes se ouve com mais frequência nos tempos que correm.

Um dos novos projectos, A Naifa, actua hoje ao vivo no bar Tertúlia Castelense, na Maia. O grupo formado por João Aguardela, dos extintos Sitiados, Luís Varatojo, ex-Peste & Sida, Vasco Vaz e Maria Antónia Mendes, surgiu “de forma espontânea”, conta Aguardela ao JPN. “Eu e o Luís tínhamos trabalhado juntos na Linha da Frente, um projecto pontual com outros músicos e A Naifa reflecte a nossa vontade de continuar a trabalhar juntos”, diz o músico. A Naifa conjuga o fado na belíssima voz de Maria Antónia, na guitarra tocada por Varatojo, com letras urbanas, assumidamente contemporâneas, que falam de carros, de empréstimos e da empregada que é Deus e que lhes dá prendas, e ainda a vertente electrónica. Apesar do som extremamente português, João Aguardela diz que “escutando A Naifa, não parece que exista uma música portuguesa muito activa”. Ninguém diria, ouvindo o álbum “Canções subterrâneas”…

Outro dos novos projectos nesta área são os Donna Maria. O trio de Lisboa, formado por Marisa Pinto, Miguel Majer e Ricardo Santos, tem um leque de influências bastante mais abrangente, como prova o álbum “Tudo é para sempre”. Apoiando-se na belíssima e, acima de tudo, extremamente versátil voz de Marisa, os Donna Maria constroem melodias que, tal como A Naifa, unem a tradição à electrónica. Tal como nos disseram, a reacção à sua música tem sido muito positiva e, nos seus espectáculos, “vêem-se pessoas na casa dos vinte anos e até mais novos”. Contribuindo para o “portuguesismo” do seu álbum, podem ouvir-se nomes como Paulo de Carvalho ou Vitorino. O resultado é um trabalho muito profissional, de um trio que soa confiante como a voz de Marisa.

Também Sam The Kid e os Dead Combo exploram a tradição da música portuguesa, embora de formas diferentes dos dois casos anteriores. O primeiro, nome promissor do hip hop nacional, usa “samples” de Carlos Paredes, Amália, entres outros, como forma de dar “uma identidade portuguesa” à sua música “que tem uma raiz muito americana”. No caso dos Dead Combo, banda com uma base instrumental, “há uma tentativa de aproximação, não tanto à música tradicional, e mais à música do Carlos Paredes, por uma questão técnica”. Pedro Gonçalves vê com bons olhos este “regresso às origens”. “Se há uma coisa muito boa que nós temos é a nossa língua, a língua portuguesa. É altamente musical, embora seja difícil fazer coisas boas”, defende.

De formas diferentes, todos estes projectos vêm, de uma forma natural, contribuir para que o público se interesse mais pela raiz cultural portuguesa. Como diz Miguel Majer, dos Donna Maria, “uma cultura sem passado não tem futuro nenhum”. Só por isso, merecem desde já uma referência positiva.

Carlos Luís Ramalhão
Foto: Luís Baptis