“Um homem digno, de rigor, que não cedia lugar à hipocrisia ou à mentira. Exigente, austero, discreto. Amigo dos amigos, de grande humildade e grandeza de alma”. Assim é recordado Eugénio de Andrade, que faleceu hoje, por Arnaldo Saraiva, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e presidente da Fundação Eugénio de Andrade.

Amigo íntimo do poeta, Arnaldo Saraiva descreve Eugénio de Andrade como “um amigo admirável que pensava nos amigos, mas que era também um excelente conversador, que definia o trato com uma finura intelectual e maturidade raras que justificam que ele tenha deixado a poesia que deixou”.

“Modesto como era, embora com algum orgulho de criador, Eugénio sabia que as suas palavras corriam o risco mortal inerente a qualquer humano. Por isso, o que mais lhe poderia agradar era saber que continuaria a ter leitores – e eu creio que terá cada vez mais – e que a sua poesia continua a viver”, explica ao JPN.

“A poesia de uma vida”

A poesia de Eugénio de Andrade “tinha os sinais de uma vida que era a dele e ele queria justamente que passasse às outras pessoas a ideia da vida que ele trazia dentro de si e que também soube exprimir, falando das coisas essenciais que podem ser entendidads por todo o tipo de leitores. Fala dos elementos (do sol, da terra, da água, dos vegetais); fala de coisas e personagens positivas: da criança, do pastor; fala da plenitude do amor, dos encontros saudáveis, da relação amorosa entre pessoas, e entre pessoas e bichos ou pessoas e natureza. E, embora atravessada, por vezes, por sombras e até por sugestões de morte, a poesia de Eugénio é de claridade e de fecundidade”, descreve o professor.

Arnaldo Saraiva diz também que o período que culminou com o desaparecimento de Eugénio “não condiz muito com a sua concepção de vida, que para ele era plena. A agonia prolongada dele não esteve de acordo com isso”.

“Ele sabia que nós temos um destino e que há uma parte deste que determinamos e há outra que não determinamos. O destino das palavras, o trabalho com as palavras, a consciência das palavras, o partido que ele tomou das palavras foi obra dele e mérito dele. O resto pertence a outros poderes que ele não podia dominar”, acrescenta.

A Cooperativa Cultural da Árvore foi escolhida para ter o corpo do poeta em câmara ardente, não só pela amplitude do espaço, como também por ser “um sítio de que ele gostava, porque lá se defendia a cultura, e onde há muitos amigos dele” , explica Arnaldo Saraiva.

O professor diz que, nos últimos tempos de vida, o poeta “estava a sofrer muito. Queria, mas não podia fazer o que sempre gostou de fazer: escrever e ler”.

Nova “Obra Completa” em fins de Julho

Numa das suas últimas conversas com Eugénio de Andrade, Arnaldo Saraiva firmou com o poeta o acordo para a nova edição e revisão da sua “Obra Completa”.

“Embora agora as coisas se atrasem um pouco, estamos a trabalhar para que no fim de Julho o editor tenha as provas prontas, para publicar a segunda edição, porque a ‘Obra Completa’ está esgotada em todo o lado”, explica.

Letícia Amorim
Foto: Instituto Camões